O Papel dos Convênios na Concessão de Benefícios do ICMS - Por Velocino Pacheco Filho

25/10/2017

Conforme dispõe o art. 155, § 2º, XII, “g” da Constituição da República, as isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma prescrita em lei complementar federal que, no caso, é a Lei Complementar 24/1975 a qual foi expressamente recepcionada pelo § 8º do art. 34 do ADCT.

O art. 1º da Lei Complementar 24/1975 dispõe que as isenções do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICM) serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal. O parágrafo único desse artigo abrange no mesmo tratamento a redução de base de cálculo, a concessão de crédito presumido e quaisquer outros incentivos ou favores fiscais, concedidos com base no ICM dos quais resulte redução ou eliminação do respectivo ônus.

Contudo, o art. 4º do mesmo pergaminho prevê que a ratificação dos convênios tratando de benefícios fiscais se dará por decreto do Poder Executivo de cada Unidade da Federação, sem o concurso, portanto, do Poder Legislativo.

Com efeito, os Estados têm introduzido as disposições de convênios, tratando de isenções e benefícios fiscais, nas respectivas legislações, mediante decreto dos respectivos Poderes Executivos. Desse modo, o ICM/ICMS constituiria uma exceção à regra de que as exonerações tributárias somente poderiam ser concedidas por lei da entidade competente para instituir a exação respectiva.

No entanto, dispõe o § 6º do art. 150 da Constituição da República, com redação determinada pela Emenda Constitucional 3/1993, que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”.

Qual o conteúdo semântico da expressão “sem prejuízo de” utilizada pelo constituinte? Que os convênios suprem a necessidade de lei ou que constituem apenas uma condição para que cada Estado possa conceder o benefício? Havendo dois sentidos possíveis para a expressão, deve ser escolhida aquela que seja compatível com o princípio da legalidade. Com efeito, não se deve atribuir a um colegiado de demissíveis ad nutum atribuições que somente pertencem aos detentores de mandato popular.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.688 PR (relator: Min Joaquim Barbosa, Publicação: DJe 164 em 26-8-2011) tratando de isenção do ICMS não autorizada por convênio, também aborda a necessidade concomitante de lei estadual concessória:

2. Todos os critérios essenciais para a identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais prevista na Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

Então, embora a Lei Complementar 24/1975 tenha sido recepcionada expressamente, não o foi na sua integralidade. A introdução do conteúdo dos convênios sobre benefícios fiscais não pode ser feita por convênio, sem qualquer participação do Poder Legislativo. Em Santa Catarina procurou-se uma solução intermediária. De fato, o art. 99 da Lei estadual 10.297/1996 dispõe que os convênios celebrados pelo Estado, na forma prevista na lei complementar de que trata o art. 155, § 2°, XII, “g”, da Constituição Federal somente produzirão efeitos após homologados pela Assembleia Legislativa. O parágrafo único do mesmo artigo, entretanto, prevê uma homologação tácita se a Assembleia não rejeitar expressamente o convênio no prazo previsto na legislação complementar para sua ratificação, ou seja, quinze dias após a publicação do convênio no Diário Oficial da União.

A inércia do Poder Legislativo faz com que todos os convênios sejam homologados tacitamente.

Contudo, não se admite no Estado Democrático de Direito que o Poder Legislativo ceda ao Poder Executivo o exercício de suas prerrogativas, sobremodo tratando-se de matérias sob reserva absoluta da lei, como é o caso do Direito Tributário. Sobre o tema, já se manifestou o Excelso Pretório, na MC na ADI 1.296 PE (rel. Min. Celso de Mello, pub. no DJ de 10-8-1995, p. 23.554):

Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado – como o Poder Executivo – produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. 

O legislador, em consequência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de calculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo. 

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