O PACOTE ANTICRIME: OS FILTROS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

21/02/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça aqui a leitura do artigo.

Há poucos dias, entraram em vigor diversas mudanças legislativas trazidas pela Lei 13964/19, mais conhecida como Pacote Anticrime. É certo que o Supremo Tribunal Federal – inicialmente com a liminar deferida pelo Min. Toffoli e, depois, com a liminar deferida pelo Min. Fux – suspendeu a eficácia de algumas as mudanças previstas. Mas o tema que agora nos interessa, realmente, entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020, sendo fundamental que a comunidade jurídica perceba a sua importância.

São muitas as críticas apresentadas ao chamado acordo de não persecução penal. Entendemos, contudo, que o novo art. 28-A do Código de Processo Penal possui requisitos para a sua aplicação que – bem observados – constituem um avanço legislativo. Não se trata de aliviar quem praticou algum crime, mas sim de oferecer uma reposta penal mais justa e razoável.

Convém lembrar que se trata de medida excepcional, cuja aplicação depende do cumprimento de vários requisitos e que passará pelo filtro do Ministério Público e, depois, pelo filtro do juiz responsável pelo caso. Em outras palavras, assim como se deve confiar na correta atuação do promotor de justiça e do juiz no processo criminal, a mesma confiança deve existir no caso do acordo de não persecução penal. Por quais motivos, então, se deve acreditar que a mudança legislativa agora em destaque foi criada para aliviar criminosos ou para incentivar a criminalidade, como dizem alguns de seus críticos?

Vejamos em que casos é possível aplicar tal medida.

Evidentemente, nos autos da investigação deve existir os elementos com base nos quais o promotor de justiça ofereceria a denúncia. Isso porque, não havendo justa causa, o caso imporá o arquivamento da investigação. Portanto, havendo tais elementos desfavoráveis ao indiciado, ele deve expressamente confessar a prática delitiva. Mas isso apenas será possível quando se tratar de crime praticado sem violência ou grave ameaça, o que reduz de forma considerável a amplitude da medida. Além disso, a pena mínima prevista para o crime deve ser inferior a 4 anos.

Presentes esses requisitos – a confissão do indiciado, o crime sem violência ou grave ameaça e a pena mínima inferior a 4 anos –, cabe ao promotor de justiça examinar se o acordo de não persecução penal é necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Embora haja um aspecto subjetivo nessa análise, o legislador conferiu ao promotor de justiça esse exame, o qual poderá ser contrário à medida, desde que, evidentemente, fundamente a sua opinião.

Mas não existem apenas esses filtros para o cabimento do acordo. Caberá ao indiciado (i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, (ii) renunciar a bens e direitos indicados pelo promotor de justiça, (iii) prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas, (iv) pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social e (v) cumprir outra condição indicada pelo promotor de justiça, desde que proporcional e compatível com o crime praticado.

Nesse sentido, será grande a responsabilidade do promotor de justiça, na medida em que lhe caberá examinar cuidadosamente as circunstâncias do caso concreto para, então, negociar a aplicação dessa medidas, observando-se, naturalmente, as balizas legais.

Veja-se que, além da exigência dos requisitos mencionados e da imposição das medidas a serem calibradas pelo promotor de justiça, não serão todos os indiciados que poderão usufruir o acordo. É que o legislador exige que o investigado não seja reincidente e exige que não existam elementos que indiquem que se trata de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. Além disso, o indiciado não pode ter sido beneficiado, nos último cinco anos, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo. Por fim, não custa lembrar que o acordo não se aplica aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou aos crimes praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

Não bastassem todas essas circunstâncias – requisitos para a sua aplicação, medidas impostas ao indiciado e a sua vedação em determinados casos – a serem avaliadas pelo promotor de justiça, o acordo será submetido ao juiz, o qual pode deixar de homologá-lo, caso entenda que não foram atendidos os requisitos legais ou caso entenda que as condições fixadas são inadequadas, insuficientes ou abusivas, situações em que será determinado que o promotor de justiça reformule a sua proposta para novamente submetê-la ao iniciado e ao seu defensor.

Convém lembrar que, uma vez homologado o acordo de não persecução penal, a sua execução será feita na vara de execuções penais, mas, diante da notícia de eventual descumprimento, os autos devem retornar ao promotor de justiça, a fim de que ofereça a denúncia em desfavor do indiciado.

Dessa maneira, na nossa avaliação, sequer é possível alegar que o acordo de não persecução penal representará alguma impunidade. É certo que não haverá processo penal propriamente dito porque a denúncia não será oferecida em juízo. Por consequência, o indiciado não correrá o risco de experimentar a condenação criminal.

Mas o que se verifica é que o indiciado – em hipóteses sujeitas a rigorosos filtros – será submetido a penas não privativas de liberdade a serem executadas na vara de execuções penais. Cabe salientar que, nos casos mencionados, oferecida a denúncia, seria muito pouco provável a condenação do indiciado ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade, considerando os benefícios que já existem em nossa legislação.

A grande diferença é que, pela via do acordo de não persecução penal, a resposta estatal dependerá da negociação entre o promotor de justiça, o indiciado e o seu defensor, o que ocorre em muitos países – nos Estados Unidos, 96% dos casos criminais são resolvidos através do plea bargaining –, sendo razoável acreditar que os profissionais do Direito tenham suficientes capacidade e responsabilidade para tanto.

Portanto, na nossa ótica, o acordo de não persecução penal não deve gerar a desconfiança externada por alguns de seus críticos. É certo que a sua aplicação na prática pode impor alguns ajustes diante da realidade brasileira. Mas isso só o tempo será capaz de dizer.

 

Imagem Ilustrativa do Post: arma de fogo // Foto de: stevepb // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/arma-de-fogo-rev%C3%B3lver-bala-arma-409252/

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura