O PACOTE ANTICRIME: OBSERVAÇÕES À RESOLUÇÃO Nº 20/2020 DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO, QUE TRATA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

14/02/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto 

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Seguimos estudando o Pacote Anticrime – Lei 13964/19. Neste texto, abordaremos a Resolução Conjunta GPGJ/CGMP nº 20, de 23 de janeiro de 2020, do Ministério Público do Rio de Janeiro, publicada no Diário Oficial Eletrônico do MPRJ no dia 28 de janeiro de 2020, data em que entrou em vigor. Pensamos em colocar a palavra críticas no título desta coluna, mas tememos ser mal interpretados por alguns. Embora as críticas possam ser construtivas, a primeira ideia que vem à mente de muitos não é essa. Em geral, a palavra críticas fica associada à palavra reclamação, mas não é esse o nosso intuito.

Muito ao contrário, entendemos que, diante do atual art. 28-A do Código de Processo Penal, criado pelo Pacote Anticrime, era mesmo necessária uma regulamentação interna pelo Ministério Público. Não custa lembrar que, ao contrário de outros dispositivos cuja eficácia está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, por força da liminar proferida pelo Min. Luiz Fux, no dia 22 de janeiro de 2020, nas ações diretas de inconstitucionalidade de nº 6298, 6299, 6300 e 6305, o acordo de não persecução penal pode ser aplicado na prática desde o término da vacatio legis, ou seja, desde 23 de janeiro de 2020.

As observações – ou críticas construtivas – que faremos sobre alguns tópicos da Resolução do MPRJ têm o único escopo de contribuir para o funcionamento da nova sistemática necessária para a efetiva realização dos acordos de não persecução penal.

O primeiro ponto a ser abordado encontra-se no art. 1º, parágrafo único, da Resolução do MPRJ, o qual dispõe o seguinte: O acordo de não persecução penal poderá ser celebrado até o recebimento da denúncia, inclusive para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

O art. 28-A, caput, do CPP, não limita a realização do acordo de não persecução até o recebimento da denúncia. É importante lembrar que o art. 3º-B, XVII, do CPP, afirma que uma das competências do juiz das garantias é decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação. Portanto, ao utilizar a expressão quando formalizados durante a investigação, o legislador deixou clara a possibilidade da sua realização em outro momento, ou seja, em juízo, muito embora nessa hipótese caiba a sua homologação ao juiz da instrução e do julgamento.

De outro lado, entendemos que o art. 1º, parágrafo único, da Resolução do MPRJ, tem razão quando afirma a possibilidade da realização do acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência do Pacote Anticrime. De fato, o benefício agora trazido ao investigado deve retroagir, sendo importante essa sinalização feita pelo próprio Ministério Público a todos os órgãos ministeriais.

O segundo ponto a ser abordado encontra-se no art. 2º, I, da Resolução do MPRJ, o qual prevê como requisito objetivo para o acordo de não persecução penal o fato de ter o investigado confessado formal, completa e circunstancialmente a prática do delito. De seu lado, o art. 28-A, caput, do CPP, refere-se ao fato de o investigado ter confessado formal e circunstancialmente. Portanto, não havendo exigência legal quanto à confissão completa, entendemos que a Resolução do MPRJ não pode exigi-la. Em outras palavras, entendemos que o Ministério Público não pode deixar de propor o acordo de não persecução penal sob o argumento de que a confissão não foi completa, já que o legislador não faz tal exigência.

O terceiro ponto a ser abordado encontra-se no art. 2º, § 2º, da Resolução do MPRJ, o qual afirma ser cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos, ainda que deles resulte lesão corporal ou morte da vítima. É certo que o legislador não fez essa ressalva expressamente, mas, sem dúvida, entendemos que a interpretação ministerial foi acertada, já que não faria sentido algum vedar o acordo de não persecução penal nos crimes culposos.

O quarto ponto a ser abordado encontra-se no art. 4º, § 4º, da Resolução do MPRJ, o qual afirma que, homologado o acordo, o membro oficiante requererá a intimação judicial da vítima, bem como o envio dos autos ao órgão do Ministério Público com atribuição perante o juízo da Execução Penal. Entendemos que a redação do art. 28-A, § 6º, do CPP, ao afirmar que, após a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal, contraria claramente a Resolução do MPRJ. Portanto, não podendo a Resolução do MPRJ ser contrária à lei, o envio dos autos à Vara de Execuções Penais deve ser providenciado pelo Ministério Público, e não pelo juízo. Em se tratando de questão burocrática de menor importância, nada impede que o Tribunal de Justiça e o Ministério Público criem uma rotina que facilite a execução do acordo de não persecução penal, como a digitalização e o envio das peças de forma eletrônica, por exemplo. Mas, a rigor, os autos devem ser entregues ao Ministério Público para que este, por seus próprios meios, deflagre a execução.

De outro lado, como o art. 28-A, § 9º, do CPP, prevê a intimação da vítima, mas não define quem deva providenciá-la, entendemos que cabe ao juízo tal missão. É que se trata de intimação de uma sentença judicial de homologação, não fazendo sentido o Ministério Público providenciá-la. Portanto, na nossa ótica, homologado o acordo de não persecução penal, o juízo deve intimar a vítima para que tenha ciência do seu teor e, em seguida, o juiz deve entregar os autos ao Ministério Público para que inicie a sua execução perante a Vara de Execuções Penais.

O quinto ponto a ser abordado encontra-se no art. 6º, caput, da Resolução do MPRJ, o qual prevê, no caso de não ser proposto o acordo de não persecução penal, o prazo de cinco dias para o investigado requerer a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. O art. 28, § 14, do CPP, também prevê a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos ao órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. Entendemos que a ausência de prazo fixado pelo legislador autoriza a observância do prazo de cinco dias fixado na Resolução do MPRJ, até porque se trata de prazo razoável que é adotado, inclusive, para a interposição de recursos criminais, como a apelação e o recurso em sentido estrito. Além disso, a previsão ministerial segue a lógica do art. 218, § 3º, CPC, que pode ser aplicado por analogia, uma vez que dispõe que, inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte. Cabe destacar que, a rigor, se trata de um simples requerimento de envio dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, dispensando-se, inclusive, qualquer fundamentação.

O sexto ponto a ser abordado encontra-se no art. 6º, § 1º, da Resolução do MPRJ, o qual prevê as formas de intimação do investigado no caso de não ser proposto o acordo de não persecução penal. Entendemos razoável a intimação por meio eletrônico, diante do avanço da tecnologia nos dias atuais. Da mesma forma, não vemos problema na intimação através do Diário Oficial do Ministério Público, para o caso de o investigado não ser localizado. Apenas registramos que tais entendimentos consideram a possibilidade de o acordo de não persecução penal ser realizado em juízo, conforme já assinalamos, o que evitaria qualquer prejuízo maior ao investigado como decorrência de algum problema envolvendo a sua intimação relativa à recusa na proposta de acordo. Em outras palavras, verificando-se que a intimação do investigado não cumpriu o seu papel e não sendo proposto o acordo de não persecução penal, nada obsta que o investigado, mesmo na fase judicial, uma vez devidamente intimado, requeira, no prazo de cinco dias, o envio dos autos ao Procurador-Geral de Justiça.

O sétimo ponto a ser abordado encontra-se no art. 5º, IV, V e VII, da Resolução do MPRJ, os quais se referem à obrigação do investigado de informar, prontamente, qualquer alteração de endereço, número de telefone ou e-mail, à obrigação do investigado de comprovar, mensalmente, o cumprimento das condições ajustadas independentemente de notificação ou aviso prévio e ao prazo de 10 (dez) dias para justificativa do descumprimento de qualquer das condições ajustadas. Seria possível sustentar que, não havendo tais condições na lei, não podia a Resolução do MPRJ prevê-las. Todavia, entendemos que tais condições estão autorizadas pelo art. 28-A, V, do CPP, o qual impõe ao investigado a condição de cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. Na nossa avaliação, as condições previstas na Resolução do MPRJ buscam, em verdade, o efetivo cumprimento do acordo de não persecução penal, o que é do interesse de todos nele envolvidos.

São essas as observações que fazemos após uma primeira reflexão sobre a Resolução do MPRJ. Não custa, por mais uma vez, elogiar a iniciativa ministerial de conferir um tratamento prático ao acordo de não persecução penal. Em se tratando de novidade trazida pelo Pacote Anticrime, certamente os operadores - aos poucos – se ajustarão à nova dinâmica. Cabe aguardar para ver como isso funcionará.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Albert V Bryan Federal District Courthouse – Alexandria Va – 0011 – 2012-03-10 / // Foto de: Tim Evanson // Sem alterações

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