A partir de uma declarada perspectiva de regularização fundiária e implementação da proteção ao direito de moradia (garantia social reconhecida pelo art. 6º do Texto Constitucional), o direito da laje foi reconhecido como um direito real. A dicção do art. 1.225 foi alterada, passando a constar, expressamente, que é direito real: “XIII – a laje”.
Prática comum em várias localidades brasileiras, era necessário que o legislador reconhecesse o direito da laje enquanto um direito real registrável, podendo recair sobre a superfície superior ou inferior do imóvel inicial, que passa a se chamar construção-base.
Anteriormente tratado como uma projeção do direito de superfície, um verdadeiro direito de sobrelevação ou de “infrapartição”, o direito da laje, que já se constituía em direito (mesmo que não passível de registro), passa a figurar, pela Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, convertida da LPV 759/16, como um direito real, fazendo corresponder sua existência no rol legal de tais direitos (art. 1.225, CC).
Sanando qualquer dúvida acerca de tal independência, o novel art. 1.510-A, § 3º. Em razão de tal independência, não há que se falar em vinculação de finalidade, ressalvada restrição no ato de cessão (se que constituiria em limitação ao uso da propriedade), podendo a construção inferior ter finalidade comercial e a superior (devidamente calçada em sustentação física, vez que necessário o respeito às normas de postura – parágrafos 5º e 6º) pode ser destinada à habitação.
O direito de laje, além de poder abranger a superfície superior ou inferior (quando o conceito de laje se apresentaria um tanto quanto modificado), pode dar origem a outras sobrelevações, com a criação de propriedades sobrepostas à laje (sempre se respeitando os códigos de posturas e as regras de edificação), sendo necessário, contudo, o consentimento de todos os titulares de direitos da edificação (todos os proprietários e todos os lajeários). A exigência de tal autorização nos parece de duvidosa constitucionalidade, já que ou bem o legislador impediria a constituição de sobrelajes ou ele reconheceria a possibilidade de tal situação, em nada havendo se falar de consentimento de outrem. Isto envolve indevida intervenção de um particular na esfera de direitos de outro. Não se confunda com o direito de preferência, visto que este não impede o lajeário de transferir seu direito, mas sim de estabelecer que determinado proprietário/lajeário teria direito de aquisição em preferência a estranhos. No primeiro caso há castração de um direito, no segundo caso direcionamento da alienação.
De um lado, os condomínios edilícios, figuras que mesclam propriedade comum e propriedade exclusiva, e de outro, a laje, categoria de direito real sobre coisa alheia. Contudo, o Legislador, vislumbrando risco de um vazio normativo, estabeleceu que as regras pertinentes a esta forma condominial sirvam de substrato axiológico e normativas subsidiárias para eventuais conflitos decorrentes da Laje. Isto restou patente no presente artigo e no subsequente (art. 1.510-C). O respeito à linha arquitetônica impede que a edificação a se erguer na laje acabe por desarranjar o desenho da construção-base, o que poderia gerar uma quebra de padrão entre as construções. Ressalte-se que a análise da linha arquitetônica (e o arranjo estético) não se dá com base em suposições ou subjetivismos, mas sim a partir de visão técnica respeitando os ditames da práxis profissional. Por outro lado, a segurança tem como sustentáculo a estrutura, os materiais e a execução da obra na laje, pautando-se tanto nas regras básicas da engenharia quanto nas determinações específicas das legislações de posturas locais.
Em complementação ao art. 1.510-B, o presente artigo deixa clara a aplicação subsidiária das regras atinentes aos Condomínios edilícios para fins de rateio das despesas, determinando a concorrência de todos os proprietários e lajeários para a satisfação das dívidas oriundas da conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício (destacando que melhor nome seria “complexo de propriedades”) e também que são eles responsáveis pela satisfação de débitos originados de serviços de interesse comum. A lei, de forma sábia, evita valer-se da denominação “áreas comuns”, visto que isto geraria a errônea compreensão de projeções da propriedade da laje sobre o terreno da construção-base (o que atentaria contra o disposto no art. 1.510-A, §4º, CC), mas sim toma por base a noção de partes que servem a todo o edifício, sem adentrar na problemática questão de a quem atribuir tais propriedades. Alguns pontos merecem destaque: a) os alicerces, colunas e pilares, além de paredes mestras, tanto podem ser da construção-base quanto da laje (em infrapartição), o que se conclui a partir da regra ao final do inciso II, que deve ser aplicada, por extensão ao inciso I; b) a conservação de telhado ou terraço, mesmo que apenas sirva à laje, não pode decorrer de formação de benfeitoria (como uma piscina) que venha a apresentar desgaste (como vazamento) – deve ser oriunda, unicamente, do processo de tapagem, proteção e impermeabilização da estrutura; c) qualquer das instalações do inciso III que tenha funcionalidade para um ou alguns pavimentos (propriedades) somente a estes serão atribuídos para custeio e manutenção. O parágrafo segundo traça mínimo interpretativo para se compreender que obras necessárias podem ser realizadas mesmo sem o prévio consentimento de todos os proprietários e lajeários, não apenas envolvendo reparações, como também obras que se fizerem emergenciais em razão de circunstâncias extraordinárias (como melhoria do sistema de captação de água diante de grave crise de abastecimento).
A laje que se pretender alienar onerosamente, gera preferência em favor do proprietário da construção-base e dos lajeários, em caso de alienação de uma das lajes sobrepostas (sobrelajes). Nota-se que o proprietário da construção-base tem preferência especial sobre todos os lajeários. Desta forma, desejando ele adquirir, não haverá licitação para que se detecte melhor lanço, mas sim, em igualdade de condições, deverá ele ser chamado à aquisição. A preferência é medida lógica que já se asseverava como necessária? “Assim, cada um dos titulares de direitos reais sobre as unidades independentes pode, a qualquer tempo, aliená-la onerosamente (vender) para terceiros, estranhos à relação jurídica originária que terminou por caracterizar a laje. Parece-nos, ao revés, que a solução mais apropriada seria a exigência, sim, do respeito à preferência recíproca. Isso porque se um dos titulares aliena onerosamente o seu direito sobre a coisa, deveria o outro ter preferência para consolidar a titularidade. Até mesmo para evitar que um terceiro, estranho, venha a adquirir a coisa. Ademais, muitos dos casos de laje, em nosso país, são constituídos entre pessoas de uma mesma família, o que contribui, ainda mais, para justificar a necessidade de garantia de preferência. O exercício da preferência, se desrespeitado, desencadeará possibilidade de pedido de adjudicação por parte do proprietário da construção-base ou lajeário que não for devidamente notificado (notificação esta que deve assinar prazo mínimo de 30 dias), desde que exerça tal direito no prazo de 180 dias a contar da alienação (prazo este de natureza decadencial, atente-se). Com base na preferência estabelecida, procedeu bem o legislador ao reconhecer o dever de o exequente requerer a intimação do titular da construção-base (e eventuais titulares das diversas lajes), se a penhora recair sobre o direito real de laje. Além disso, devem ser intimados os titulares das lajes, se a penhora se der sobre a construção-base (art. 799, X e XI, CPC, incluídos pela lei 13.465/17)
A par da preferência especial do proprietário da construção-base, entre os lajeários o Código Civil estabelece uma regra própria de preferência. A leitura direta do parágrafo segundo leva-nos à conclusão de que: Primeiro, tomando-se por base a sobrelaje que se pretende alienar, têm preferência os lajeários ascendentes em relação aos lajeários descendentes. Havendo mais de um lajeário de mesma linha (ou ascendente ou descendente) terá preferência o que tiver laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada. Contudo, chama atenção um detalhe: e se uma laje descendente for mais próxima do que a laje ascendente (ambas pretendentes da aquisição)? Entendemos que a prioridade deva ser dada sempre para a laje mais próxima, por se tratar de medida que possibilitará, em situação futura, a consolidação das propriedades. Desta forma, a prioridade estabelecida na parte final do parágrafo segundo deve se sobrepor à regra da linha, quando houver linhas diferentes com interesse sobre a aquisição.
A laje tem por natureza a sua perpetuidade. Assim sendo, tratou o Legislador de regular sua extinção. De lado falou mais do que necessitava (ao asseverar regra lógica de direito de indenização por parte do lajeários face à conduta do responsável pela ruína – parágrafo único). Por outro, contudo, disse menos do que deveria, ao não regular situações como, por exemplo, a eventual consolidação em caso de aquisição da laje pelo proprietário da construção-base. A prevalecer a natureza de direito real sobre coisa alheia, imperativo será reconhecer que consolidada estará propriedade em razão da confusão de propriedades (sendo o titular da construção-base o mesmo titular da laje). São pontos que ainda merecerão reconhecimento pela doutrina e, quiçá, pelo legislador.
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