Criando um novo tipo penal denominado “tráfico de pessoas”, a Lei nº 13.344/16 entrará em vigor 45 dias após a data de sua publicação oficial, que se deu no dia 07 de outubro, próximo passado.
A nova lei, dispondo sobre o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira, trouxe sensível mudança no panorama existente no Brasil no que se refere ao tráfico de pessoas, estabelecendo diversos princípios que devem ser atendidos no enfrentamento a este grave problema, a saber: I - respeito à dignidade da pessoa humana; II - promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; III - universalidade, indivisibilidade e interdependência; IV - não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status; V - transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas; VI - atenção integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em investigações ou processos judiciais; e VII - proteção integral da criança e do adolescente.
O novo tipo penal, por sua vez, veio caracterizado nos seguintes termos:
“Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.”
Não olvidou o legislador da proteção às vítimas do tráfico de pessoas, estabelecendo expressamente no art. 6º rol de medidas de assistência e proteção, nos seguintes termos:
“Art. 6o A proteção e o atendimento à vítima direta ou indireta do tráfico de pessoas compreendem:
I - assistência jurídica, social, de trabalho e emprego e de saúde;
II - acolhimento e abrigo provisório;
III - atenção às suas necessidades específicas, especialmente em relação a questões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, raça, religião, faixa etária, situação migratória, atuação profissional, diversidade cultural, linguagem, laços sociais e familiares ou outro status;
IV - preservação da intimidade e da identidade;
V - prevenção à revitimização no atendimento e nos procedimentos investigatórios e judiciais;
VI - atendimento humanizado;
VII - informação sobre procedimentos administrativos e judiciais.
§ 1o A atenção às vítimas dar-se-á com a interrupção da situação de exploração ou violência, a sua reinserção social, a garantia de facilitação do acesso à educação, à cultura, à formação profissional e ao trabalho e, no caso de crianças e adolescentes, a busca de sua reinserção familiar e comunitária.
§ 2o No exterior, a assistência imediata a vítimas brasileiras estará a cargo da rede consular brasileira e será prestada independentemente de sua situação migratória, ocupação ou outrostatus.
§ 3o A assistência à saúde prevista no inciso I deste artigo deve compreender os aspectos de recuperação física e psicológica da vítima.”
Conforme já tivemos oportunidade de ressaltar em artigo anterior, cuidando do tema com foco no trabalho escravo, o tráfico de pessoas acontece em grande parte dos países do mundo: dentro de um mesmo país, entre países fronteiriços e até entre diferentes continentes. Historicamente, o tráfico internacional acontecia a partir do hemisfério Norte em direção ao Sul, de países mais ricos para os menos desenvolvidos. Atualmente, no entanto, acontece em todas as direções: do Sul para o Norte, do Norte para o Sul, do Leste para o Oeste e do Oeste para o Leste. Com o processo cada vez mais acelerado da globalização, um mesmo país pode ser o ponto de partida, de chegada ou servir de ligação entre outras nações no tráfico de pessoas.
Anteriormente à referida lei, vale lembrar, já tinha ficado aprovada, no Brasil, por meio do Decreto nº 5.948/06, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com a finalidade estabelecer princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atendimento às vítimas.
Para os efeitos desta Política, adotou-se a expressão “tráfico de pessoas” conforme o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, que a define como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. No que se refere à exploração, esta inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
Inclusive, por meio do Decreto nº 5.017/04, já havia sido promulgado no Brasil o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
Portanto, é bom de ver que o Brasil vem se modernizando no combate ao tráfico de pessoas, aderindo aos protocolos internacionais de enfrentamento dessa grave situação que assola grande parte dos países do mundo, inclusive se aparelhando para o combate e repressão à criminalidade organizada que, no mais das vezes, controla essa atividade hedionda, determinando o art. 9º da nova lei, expressamente, a aplicação subsidiária, no que couber, da Lei nº 12.850/13 que trata das organizações criminosas.
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