O novíssimo e peculiar controle de constitucionalidade brasileiro: o controle prévio por armadura repressiva penal

22/02/2017

Por Alexandre Walmott Borges, Andrey Lucas Macedo Corrêa, Marco Aurélio Mendes e Moacir Henrique Júnior – 22/02/2017

A concepção dos sistemas jurídicos contemporâneos estabelece que a validade das normas esteja diretamente relacionada à compatibilidade da norma inferior com a norma superior. O critério de aferição da validade pode ser por elementos formais ou materiais. A escalada da cadeia de validade vai ao cume com a norma constitucional que é, em última análise, a norma de fundamento de validade formal e material de todas as outras.

As concepções do direito contemporâneo apresentam a dinâmica do sistema (no sentido de Kelsen), de tal maneira que a aferição das competências, processo de produção e, sobretudo, da compatibilidade material faz-se entre as normas. Com isto há a autonomia relativa do sistema normativo, não necessitando de fundamentos de validade, a todo instante, em elementos materiais ou nos conteúdos de outras esferas de organização social. A dinâmica do sistema não se confunde com a fechadura estrita, ou mesmo com autossuficiência do sistema do direito. Olhando pela ótica do Estado de Direito, a dinâmica do sistema é um elemento que permite a configuração, o controle e o limite das ações políticas e de produção de normas ao direito, e não às vontades arbitrárias, ao menos nos sistemas democráticos, com a submissão dos poderes às normas de direito.

Na aferição da validade, no estado constitucional, a constituição assume o papel de direção e condução das produções normativas, vinculando tanto a organização e o funcionamento dos órgãos estatais como a preservação e a imunização dos direitos fundamentais. Por isto, da maior importância o desenvolvimento de sistemas de controle de constitucionalidade com as classificações construídas pela evolução institucional e formalizadas, reproduzidas e discursivamente ampliadas pela teoria constitucional. O controle pode ser judicial, por órgão político, difuso, concentrado, preventivo, repressivo. E, das várias classificações, emerge a consideração de que o controle faz-se sobre e tomando-se as normas no julgamento da compatibilidade, ou não, às normas constitucionais (obviamente, em constituições legisladas). A compatibilidade é verificada pela coerência da norma inferior aos conteúdos imunizados pela constituição, ou pela compatibilidade da norma inferior às disposições formais ou de competência da constituição.

O positivismo do século XX elaborou – ou pretendeu elaborar – a exaustiva e detalhada teorização sobre a validade com a verificação da coerência do sistema jurídico. Além disto, os avanços hermenêuticos da metade final do século XX também alargaram a discussão sobre a validade com as incursões sobre a materialidade das normas constitucionais e o papel de imunização dos conteúdos inferiores, como parte integrante da interpretação e aplicação do direito. No passo avançado, indo para além do positivismo e da hermenêutica do século XX, descortinaram-se discussões sobre a compatibilidade material de normas inferiores aos princípios e de como se poderia fazer a aferição de compatibilidade. Até mesmo as perspectivas axiológicas aproximaram-se do controle de constitucionalidade com as nada tranquilas possibilidades de aferição de validade com o confronto valor x norma.

Embora se houvesse por toda a quantidade de discussões, o sistema de controle mantém uma raiz inafastável. Faz-se o controle por análise de normas, configurando a inconstitucionalidade um ilícito de validade, ou de invalidade da norma inferior contrária ou contraditória à constituição. Quando muito, alguns sistemas de controle fazem a fiscalização de alguns atos políticos, e não de normas, mas de algumas condutas que são violadoras de disposições constitucionais.  Em suma, a fiscalização de controle, seja prévia, repressiva, judicial ou por órgão político, por ação ou incidente, difuso ou concentrado, faz-se sobre normas, como um problema de validade, podendo despertar problemas de invalidade ou de nulidade.

Todas estas classificações são agora inovadas e postas à prova no novel macro-sistema de controle de constitucionalidade e dos poderes políticos em inovação e execução no Brasil. Novíssimo, inédito, verdadeiramente revolucionário, traduz os novos tempos do sistema jurídico e judicial brasileiro. Algumas das características deste sistema são as seguintes:

1. Pode ser prévio ou repressivo. Na verdade, implantou-se o sistema prévio de controle judicial das normas e das condutas dos agentes políticos no Brasil. Basta ver que nalgumas conversas gravadas e noticiadas, há alguns meses, conversas, diga-se, gravadas à traição, detectou-se que alguns parlamentares articulavam alterações em normas penais e processuais penais, mormente para a alteração do regramento vigente sobre as delações premiadas. Então descobrimos que atuações de senadores, fazendo o papel de legisladores, podem não ser legítimas e configuram obstrução à justiça. Isto, embora não esteja escrito na constituição, é um parâmetro novo de aferição, ditado por razões de ordem pública, moralidade, axiologia ou sabe-se lá o que mais. É um sistema tipicamente brasileiro no qual a possibilidade de senadores legislarem configura, ou podem configurar ilícitos de inconstitucionalidade. É inédito, pois não conhece paralelo de controle prévio no mundo.

2. É incidental e difuso. Curiosamente, o papel de legitimado para esta fiscalização na forma de propositura de ações cabe ao Ministério Público, e é controle na forma difusa e incidental já que o controle surge em qualquer tipo de ação penal, em qualquer juízo. Para aquilatar os nossos exemplos, veja-se a interessante forma de controle exercida sobre a edição de medida provisória sobre incentivos fiscais à indústria automobilística. Discute-se se a medida provisória é legítima, pois pode ter sido feita para atender, pasmem, os interesses da indústria automobilística. É interessante que a despeito de conhecermos todo o complexo processo de produção da norma, proposta, discussão, deliberação, votação em órgãos colegiados do legislativo, sanção ou veto, o controle deve recair sobre alguns agentes públicos, preferencialmente aqueles que podem exercer alguma espécie de ascendência política ou administrativa, e não sobre a norma. É uma evolução brasileira já que implanta a repressão criminal ao grave ilícito de produzir uma norma valorativa e moralmente inconstitucional.

3. Estabelece novos parâmetros de controle. Como visto nos itens acima, o novo controle de constitucionalidade faz-se agora tomando por parâmetro algo além da norma, como padrões de moralidade, combate à corrupção, exigências de ordem pública e, claro, valores (sempre os valores). Algumas vezes, a análise desta nova forma de controle faz-se por recorrência às teorias de desvio funcional ou abusos autoritários: os legisladores que querem propor alterações na norma penal desviam a função legítima do legislativo. Aliás, neste particular, o novel macro controle de constitucionalidade e de condutas políticas investe vorazmente sobre também atos e execuções dos poderes estatais. Criou-se um macro controle político capaz de inibir preventivamente, ou repressivamente, as condutas dos poderes políticos que ousarem transgredir os padrões de moralidade, da nova certeza política e da probidade. Mais ainda, o novíssimo controle brasileiro faz-se também por áreas de competências estatais absolutamente infensas, há pouco, ao controle de constitucionalidade. As velhas e quinhentistas funções de relações internacionais, competências a cargo do executivo teorizadas desde Hobbes, Locke e Montesquieu são inovadas e superadas pelo novo macro controle brasuca. Agora, cabe também fazer a aferição comportamental das ações do executivo nas relações internacionais verificando, inclusive, se o executivo faz valer as determinações de construção do poder econômico nacional (soberania nacional, art. 170, da constituição?) incentivando a presença de empresas nacionais no estrangeiro. Isto, pelo novo controle, tem que ser aferido pelos parâmetros de moralidade e de legitimidade, a nova forma de aferição de valência, do novo controle de constitucionalidade e dos poderes políticos.

Bom, aonde chegaremos com o novo sistema de macro controle, não sabemos. É certamente a contribuição nacional ao sistema de controle.... Capítulos surgirão.


Alexandre Walmott BorgesAlexandre Walmott Borges é professor de Direito Constitucional na graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia e professor visitante do mestrado em Direito da UNESP. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. Coordena o Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: walmott@gmail.com


Andrey Lucas Macedo Corrêa. Andrey Lucas Macedo Corrêa é mestrando em Direito e Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia com período sanduíche na Universidade de Coimbra em Portugal. É secretário executivo do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: andreylucas93@hotmail.com


Marco Aurélio Mendes. Marco Aurélio Mendes é escritor e mestrando em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense. É graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. É pesquisador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU e autor da obra “Abapanema”. E-mail: marcoaurelio.souzamendes@gmail.com.


Moacir Henrique Júnior. Moacir Henrique Júnior é advogado e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Faculdade Politécnica de Minas Gerais. Mestre e Doutorando em Direito e Ciência Política pela Universidade de Barcelona. É pesquisador-fundador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: moacirhenriquejr@gmail.com.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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