O negócio jurídico processual: cases Paranaenses de aplicação e importância que impactaram na redução dos custos sociais - Por João Carlos Adalberto Zolandeck

16/11/2017

O CPC/2015 instituiu mudança comportamental aos sujeitos do processo, não mais tendo o juiz no topo da tríade processual, mas as partes, os advogados e o juiz na mesma linha de perspectiva, diante da importância dada aos princípios da cooperação e da motivação frente à argumentação jurídica.

Trata-se de uma visão democrática, dialógica, de interação e interlocução e não de sujeição ou imposição, diante da possibilidade dos negócios processuais, da fixação de calendário, do incentivo à cooperação, da nova dinâmica a respeito da destinação do ônus da prova e do fortalecimento da convenção sobre ele, entre outros aspectos singulares que passaram a marcar o comportamento dos sujeitos.

As regras processuais eram tidas, até então, como indisponíveis e o processo alçado à categoria de direito público, mas tal fato se modificou, tendo o CPC/2015 alterado substancialmente esse paradigma, diante da ampliação dos poderes do juiz e das partes no que toca à gestão do processo[1].

O processo judicial, nas palavras de Cooter e Ulen, é desnecessariamente complicado e dispendioso diante de diferentes regras e práticas complexas que respondem ou procuram responder ao direito substantivo, como instrumento. O uso desse instrumento tem um custo, chamado de “custo administrativo”, além de que a utilização do instrumento pode causar erros na aplicação do direito e, portanto, seja em decorrência do custo administrativo ou do erro, o processo judicial impõe custos à sociedade, chamados de “custos sociais”.

Afirmam que, na realidade, os tribunais possuem informações imperfeitas, o que faz com que cometam erros na aplicação do direito.

Ao dedicarem uma teoria econômica para o processo judicial, esclarecem que a melhor solução, menos impactante em termos de custos sociais, é a solução do litígio pelo acordo, como forma de poupar custos sociais[2].

É certo que uma leitura interdisciplinar ou multidisciplinar do processo e do direito material em debate atrai a legislação para mais perto da realidade, sobre o que acontece no dia-a-dia, não se delegando, à economia ou a outra cátedra, um fim, mas um meio, para solucionar determinados casos concretos.

Por negócio jurídico entende-se “a declaração de vontade, emitida em obediência aos pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente”[3].

Todo negócio jurídico, para a sua existência e validade, pressupõe a manifestação de vontade livre e de boa-fé, agente capaz e legitimado para o negócio, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma adequada (livre ou legalmente prescrita)[4].

Cabe indagar: é possível emprestar essas características ao processo, no sentido de convencionar sobre suas regras, que passam a ser objeto do pacto, enquanto que as partes, os agentes capazes, legitimados, e o juiz, o partícipe no controle?

Nesse contexto e sobre as novas formas de se realizar a jurisdição, o instituto do negócio jurídico processual ganhou destaque no artigo 190 do CPC/15 ao dispor: “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

Os negócios processuais podem ser típicos e atípicos, realizados antes ou no curso do processo. Típicos, aqueles previstos pela legislação, como, por exemplo, a eleição do foro (CPC/15, art. 63), a alteração de prazos (CPC/15, art. 222), a disposição sobre o ônus da prova (CPC/15, art. 373, parágrafo terceiro), a renúncia do direito de recorrer (CPC/15, art. 999), a desistência dos recursos (CPC/15, art. 998), a fixação de calendário processual (CPC/15, 1rt. 191). Atípicos, os não regulados ou previstos textualmente, guardados no citado artigo 190 do CPC/15, que abrangem a convenção sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, como, por exemplo, a definição sobre critérios para a avaliação de bens, a dispensa de audiência de conciliação. Algo mais amplo, com igual repercussão, decorre da regulação sobre a delimitação consensual quanto às questões de fatos que serão objeto de prova, dos meios de prova e das questões relevantes, que, quando homologadas, vinculam as partes e o juiz[5].      

O juiz, ao assumir uma postura nova, passa a ser facilitador nas demandas que permitam a autocomposição, destacando-se, aqui, as disputas interempresariais ou aquelas que não carreguem indisponibilidade impeditiva do direito a transacionar. Ao lado das partes, encontrar regras adaptativas ao caso concreto, interferindo e trazendo incentivo, faz parte da sua nova missão, que já trazia precedentes típicos do CPC/73.

Ressalva-se que o juiz controlará os requisitos de validade dessas convenções (CPC/15, art. 190, parágrafo único), que são os mesmos citados pela doutrina civilista, acrescidos pela disponibilidade do direito material em disputa. O crivo jurisdicional visa afastar nulidades, equilibrar forças quando a disputa tiver origem em contratos de adesão ou obrigações abusivas impostas à parte reconhecidamente vulnerável, impostas ao juiz ou a terceiros não partícipes daquela relação, todavia não se deve, indiscriminadamente, interferir no mérito do pacto ou do acordo, salvo para afastar os vícios aqui declarados. 

É assim que o profissional do direito se vê diante de uma nova realidade, havendo necessidade do desenvolvimento de novas habilidades e competências vocacionadas ao “contratualismo” e “cooperativismo” processual, considerando a aproximação entre as partes e o juiz ao restarem equacionadas as relações de poder e dar-se maior importância ao diálogo[6].

Percebe-se que há uma nova forma de vivenciar a relação jurídica processual e uma forma fragmentária de compreender o poder do Estado, da Jurisdição e dar a ela uma característica dialógica, tal como ocorre com os institutos da mediação e arbitragem, cada vez mais presentes na realidade do mundo jurídico.

Como exemplo prático de aplicação de um negócio jurídico processual bem sucedido, como contribuição para a efetividade do processo e redução dos custos de transação, destacam-se dois acordos realizados na 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba[7].

O primeiro deles ocorreu nos autos sob n.º 0002464-08.2016.8.16.0004, onde figurou, como exequente, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Paraná, exercendo a representação de 3.400 substituídos e, como executado, o Estado do Paraná, onde, sob a gestão processual das partes e do juiz Tiago Gagliano Pinto ALBERTO, formalizou-se um negócio processual, cujo resultado pautou a adoção do procedimento invertido para a continuidade do cumprimento da sentença.

No caso em referência as partes criaram um procedimento próprio para a satisfação do direito material, estabelecendo o seguinte: “o cálculo será apresentado pelo Executado em arquivo eletrônico, no prazo de 90 (noventa) dias corridos, contados a partir da ciência da apresentação dos cálculos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e da Paraná Previdência. Para conferência, o Exequente terá o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias corridos. Ratificado o valor executado, a expedição do Precatório/RPV/pagamento em folha (dependendo do caso) ocorrerá nos 15 (quinze) dias subsequentes, dispensada nova correção”.

Além disso, houve regulação do procedimento que seria adotado para o caso de divergência nos cálculos entre outros detalhes e situações peculiares.

O caso analisado pode estar entre os mais bem sucedidos negócios processuais já vivenciados, isto porque se evitaram 3.400 pedidos de cumprimento de sentença, e provavelmente, 3.400 impugnações aos pedidos fracionados e 3.400 sentenças resolutivas.

Fica registrado o reconhecimento aos advogados, procuradores e juiz do caso relatado, ao terem-se utilizado na potência máxima das soluções processuais baseadas no princípio da cooperação e no acordo de vontades em uma lide em que se admitia a autocomposição, mesmo tendo, de um lado, a Fazenda Pública, que pode ser sujeito, participando de um dos polos da convenção.

Em outro caso e perante o mesmo juízo, nos autos sob n.º 0003601-25.2016.8.16.0004, houve a adoção de procedimento invertido, configurando-se, igualmente, um negócio processual, adotando-se um procedimento próprio e específico para a solução daquele caso.

Pode-se concluir com os cases aqui narrados, absolutamente alinhados com a análise econômica do direito, no caso, análise econômica do processo, do procedimento e do direito material envolvido, pois a AED cabe em todo e qualquer cenário, consequentemente, externalidades positivas foram criadas e houve uma profunda ponderação e redução dos custos de transação, verdadeiros exemplos empíricos da aplicação pura dos princípios da cooperação e da eficiência no equacionamento da lide, impactando, como dito, positivamente na equalização positiva de custos sociais.     

 

[1] AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. São Paulo, 2015. p. 132.

[2] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 405-406.

[3]GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. 1: parte geral, 18ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 389.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. 1: parte geral, 18ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 389.

[5] MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 331-332. 

[6] ARENHART, Sergio Cruz e OSNA, Gustavo. Os acordos processuais no novo CPC – aproximações preliminares. https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/91542/2015_arenhart_sergio_acordos_processuais.pdf?sequence=1. pp.106-107. Acesso em 14 de novembro de 2017.

[7] Processos sob n. 0002464-08.2016.8.16.0004 e 0003601-25.2016.8.16.0004, da 2ª. Vara da Fazenda Pública de Curitiba, sob a gestão processual das Partes e do Juiz Tiago Gagliano Pinto Alberto.

 

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