O medicamento mais caro do mundo – Por Clenio Jair Schulze

06/02/2017

Um dos grandes desafios da sociedade hodierna é definir se é possível estabelecer limites econômicos a uma decisão judicial.

Tal questão é extremamente importante na judicialização da saúde, em razão do alto custo de inúmeros medicamentos.

O fármaco Eculizumab (nome comercial “Soliris”) é considerado a droga mais cara do mundo. Indicado para tratamento de hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), seu custo chega a 400 mil dólares por ano[1].

Há várias decisões condenando os entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e as operadoras de plano de saúde a fornecer o aludido fármaco. Nestas decisões, afirma-se - ainda que implicitamente - que não há limites financeiros para o custeio de tratamentos médicos, ou seja, o Estado deve custear todo e qualquer tratamento médico, independentemente do valor.

Não obstante, este entendimento não é unânime. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por exemplo, já proferiu várias decisões em contrário.

Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIDO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE DAS PARTES. EFICÁCIA DO FÁRMACO NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. REFORMA DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. 1. A duplicidade de recursos interpostos pela mesma parte, atacando a mesma decisão, acarreta o não conhecimento da irresignação protocolada por último, em razão da caracterização da preclusão consumativa. Homenagem ao princípio da unirrecorribilidade (ou da singularidade recursal). Recurso adesivo não admitido. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios nas ações onde se postula fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico, sendo que a solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. 3. Em casos onde a prestação buscada não está entre as políticas do Sistema Único de Saúde, não basta, para o reconhecimento do direito invocado pela parte autora, prescrição médica. Imprescindível, em primeira linha, a elaboração de parecer técnico emitido por médico vinculado ao Núcleo de Atendimento Técnico, do Comitê Executivo da Saúde do Estado, ou, na sua ausência ou impossibilidade, por perito especialista na moléstia que acomete o paciente, a ser nomeado pelo juízo. 4. Existe vedação legal ao fornecimento de medicamentos que ainda não tenham obtido o necessário registro na ANVISA, excetuando-se somente aqueles adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais para uso em programas de saúde pública 5. O medicamento Eculizumab (Soliris) é intitulado como a "droga mais cara do mundo", sendo clinicamente indicado para tratamento da Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) e Síndrome Hemolítico Uremico Atípico. Não há indicação para tratamento de "Neuromielite Óptica" ou "Doença de Devic" (CID G36.0), segundo informações do próprio fabricante, nem mesmo estudos suficientes foram realizados para comprovação científica de sua eficácia. 6. No caso, embora se admita a possibilidade de autorização judicial para o fornecimento de medicamento não registrado pelo órgão competente, em situações excepcionais, inexiste certeza científica acerca da eficácia/efetividade do fármaco pleiteado, impondo-se a improcedência da demanda. [grifado] (TRF4, APELREEX 5024750-69.2014.404.7201, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 31/03/2016)

Em outros processos o Eculizumab também foi negado: (1) TRF4, AG 5032573-95.2016.404.0000, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 02/12/2016; (2) TRF4 5008704-52.2012.404.7208, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 18/05/2016.

O Eculizumab também não possui registro na ANVISA, o que também justifica a impossibilidade da sua concessão na via judicial, diante da vedação legal prevista no art. 12 da Lei n° 6.360/76 (Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde).

Como se observa, um ponto importante é saber se o custo do medicamento - 400 mil dólares - deve ser considerado pelo magistrado.

Vale dizer, não há limites econômicos para a judicialização da saúde? Esta pergunta precisa de ampla divulgação e deveria ser respondida pela sociedade, que é responsável diretamente pelo custeio das decisões estatais.

Portanto, é preciso democratizar o processo judicial, tal como propõe Peter Häberle[2].

Sem tal perspectiva, o Poder Judiciário avançará ainda mais, no controle – sem limites – de todos os atos particulares e estatais, podendo causar mais injustiças e iniquidades.


Notas e Referências:

[1] A revista Época publicou interessante reportagem intitulada “O paciente de R$ 800 mil”, em que relata a “história do rapaz que recebe do SUS o tratamento mais caro do mundo revela um dos maiores desafios do Brasil: resolver o conflito entre o direito individual e o direito coletivo à saúde”. 16/03/2012. Acesso em 05/02/2017. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-paciente-de-r-800-mil.html

[2] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. Título original: Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag zur pluralistischen und ‘prozessualen’ Verfassungsinterpretation.


 

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