O mal-estar na postura contrária à criminalização exacerbada – Por Paulo Silas Taporosky Filho

06/08/2017

Há um mal-estar que permeia o âmbito jurídico e acadêmico do qual pouco que se fala. Diz-se daquele mal-estar causado pela expectativa de ser mal interpretado ao se adotar determinado posicionamento contrário à criminalização de alguma conduta específica. Sim, dada a paranoia presente que enseja uma sanha punitivista exacerbada na sociedade, eventual manifestação de preocupação com o andar da carruagem na tipificação de cada vez mais condutas pode acabar se tornando um problema.

Num cenário em que o discurso da defesa dos direitos humanos se traduz muitas vezes em formulações de propostas de criminalização visando a proteção de segmentos que necessitam de um olhar mais atencioso do Estado, muitas das quais acabam tendo consequências concretas quando do estabelecimento de novos tipos penais, há muito o que se repensar. O Eterno Retorno mostra sua face quando se percebe que nada foi aprendido com aquilo que foi exposto pelos estudos das relações Direito Penal-Criminologia-Política Criminal.

Criminalizar é uma forma eficaz de se combater mazelas sociais que merecem a atenção estatal? Notem que se reconhece o problema. Não se nega que há algo para o qual os olhos devem se voltar. O problema maior, entretanto, é o de buscar resolver o problema com algo que acaba se tornando também um problema.

O problema se insere na ordem do discurso. E o discurso legitima muitas vezes incongruências. E essas incongruências acabam passando despercebidas, pois o discurso justificante se dá no sentido de que a penalização é a forma eficaz para se combater determinado problema.

A problemática é demasiadamente grande. A incoerência é ignorada ou passa despercebida. As vozes que entoam a necessidade de criminalização de questões em realidade desnecessárias de serem penalizadas na seara penal, ou ainda mediante a especialização de condutas que já estipuladas como crime, acabam muitas vezes causando o mal-estar aqui exposto, pois confunde-se o “ser contra a criminalização” com o “ser contra o enfrentamento do problema”.

Não se trata disso (da confusão de uma coisa com outra que muitas vezes é feita). Quem assim acha é porque não entendeu nada. Ser contrário à criminalização de determinada conduta não significa ignorar o eventual problema ou ser contrário ao seu enfrentamento. A questão se situa envolta à tipificação daquele problema apontado. É dizer que se discorda da adoção de novos tipos penais ou da especialização de alguns já existentes, já que muitas vezes o efeito é meramente simbólico. E as consequências e os efeitos (ou ausência desses)? Ah, as consequências e os efeitos são conhecidos por qualquer um que já tenha lido qualquer coisa sobre direito penal e criminologia.

E quanto ao mal-estar? Essa sensação pode ser muito bem percebida ao se analisar a fala de alguém que se posicione em sentido contrário a movimentos específicos de criminalização. Movimentos que buscaram ou buscam criminalizar a homofobia, o dito feminicídio ou a violação de prerrogativas profissionais da advocacia, por exemplo, servem como ilustração desse cenário aqui exposto. O mal-estar é tamanho que aquele que se manifesta (de modo fundamentado) a fim de expor pontos críticos sobre tais movimentos (que buscam a criação de tipos penais específicos), acaba sempre tendo de explicitar o óbvio: que não se é contrário ao enfrentamento do problema ou o ignora, mas apenas contrário à criminalização do imbróglio.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Tão simples quanto óbvio – mas muitas vezes difícil de se entender.

Não bastasse o enfrentamento suportado contra o senso comum por aquele que adota uma postura minimalista do direito penal, o que se percebe é que esse enfrentamento acaba se fazendo presente dentro do próprio meio jurídico, da academia. O pior é que muitas vezes aqueles que adotam um discurso razoável no mesmo sentido, acabam o ignorando quando a pauta diz respeito à interesses próprios – algo semelhante à questão levantada por Maria Lúcia Karam[1].

Enfim, o mal-estar está presente quando de uma postura crítica na seara penal – seja no ambiente que for. O óbvio acaba tendo de ser dito e repetido de maneira prévia à defesa crítica realizada - tudo para evitar incompreensões ou ser taxado indevidamente. O direito penal não é a panaceia para todos os males, nem mesmo para aqueles que necessitam de uma atenção mais incisiva – e nem por isso se é contrário ao fenômeno da pena. O simbólico por si só, nessa seara, acaba produzindo mais malefícios que benefícios (se é que pode se falar em benefícios).

Por mais que alguns segmentos custem a enxergar determinadas incongruências em bandeiras levantadas em prol da criminalização de condutas (tanto em questões desnecessárias como nas especializações de tipos já existentes que tutelam um bem jurídico que se visa proteger), cumpre enfrentar o mal-estar aqui exposto, quem sabe com certa cautela, mas sem deixar de apontar para o problema dentro do problema, mesmo considerando os riscos advindos dessa postura.

Eis o mal-estar.


Notas e Referências:

[1] KARAM, Maria Lúcia. A Esquerda Punitiva. Em: < http://emporiododireito.com.br/a-esquerda-punitiva-por-maria-lucia-karam/>. ISSN 2446/7405. Acesso em: 01/08/2017


Curtiu o artigo???

Confira aqui a obra O Direito pela Literatura: algumas abordagens do autor Paulo Silas Taporosky Filho publicada pela Editora Empório do Direito!

O Direito pela Literatura


 

Imagem Ilustrativa do Post: View from the Inside // Foto de: Donnie Nunley // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dbnunley/11676956946

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura