O mal estar humano e o meio ambiente – Por Wagner Carmo

25/06/2017

Zygmunt Bauman[1], citando Sigmund Freud, explica que na maior parte do tempo sofremos, e durante todo o tempo nos acossa o temor do possível sofrimento ocasionado pelas permanentes ameaças que pairam sobre nosso bem estar. Segundo Bauman, para Freud existem três causas das quais tememos que advenha o sofrimento: a) a supremacia da natureza; b) a fragilidade do nosso corpo e, c) a influência das normas que regulam os vínculos recíprocos – na família, no Estado e na sociedade.

A civilização moderna não se difere das demais civilizações quanto ao mal estar humano, sendo que o processo civilizatório, em regra, se resume em estar no mundo e obturar as ameaças à felicidade. A supremacia da natureza e a fragilidade do corpo representam aspectos reconhecidamente previsíveis e cujo enfretamento evolui com o passar do tempo – inúmeros são os avanços tecnológicos nestas áreas. Entretanto, a constituição de normas para regular os vínculos entre homem/sociedade/Estado possui natureza complexa e dicotômica. Para Bauman, não é possível regular a terceira fonte de sofrimento humano até fazê-la desaparecer. A interface entre a busca da felicidade individual e as condições não usurpáveis da vida em comum será para sempre um cenário de conflito.

O sofrimento amainaria se fosse possível atender ao mesmo tempo aos desejos individuais e às demandas sociais. A saciedade de uma vida suportável exigiria a garantia aos indivíduos de ampla liberdade de agir e, por consequência, haveria violação das regras e normas de segurança, bem estar da coletividade e vivência entre os membros da sociedade. Sigmund Freud, citado por Bauman, afirma que a civilização é um negócio e por esta razão, ganhamos algo à custa de perder outra coisa.

Em teoria do Direito a dimensão normativa do sofrimento humano é estudada por meio do contratualismo ou teoria do contrato social. O prisma do contratualismo pressupõe um acordo entre os membros da sociedade, segundo o qual se reconhece a autoridade de um conjunto de normas, de um regime político e de um governo.

Trata-se, sem entrar em pormenores, da formação do Estado por meio de um ajuste negocial, onde o homem outorgou ao Estado o direito de limitar sua liberdade por meio de normas e, o Estado, por sua vez, assumiu a obrigação de reduzir as incertezas, garantindo segurança nas relações sociais. Bauman sobre liberdade e segurança, explica: são tão imprescindíveis as liberdades de agir segundo os próprios impulsos, urgências, inclinações e desejos quanto as restrições imposta no interesse da segurança, já que segurança sem liberdade equivaleria à escravidão, ao passo que liberdade sem segurança desataria o caos, a desorientação é uma perpetua incerteza, redundando em imprudência para agir de forma resoluta. E conclui que liberdade e segurança são e continuarão a ser para sempre inconciliáveis.

Este entendimento contratualista transpassa a psicanálise, a teoria politica e a teoria do direito, alcançando, também, a teoria econômica. José Reis[2] explora a questão ao relembrar que desde há muito que nos habituámos a lidar com temas como o dos limites ou falhas do mercado. Do mesmo modo, é corrente discutir o Estado e o seu papel na economia, cuidando de saber se ele há de ser maior ou menor, que atribuições lhe devem estar reservadas e quais as que ganham em ser vedadas à acção estatal. O autor português assenta as dimensões da participação do Estado, explicando a necessidade de governação da economia por meio da institucionalização para reduzir as incertezas. Elucida que as instituições são as regras do jogo de uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições estabelecidas pelas pessoas para moldarem a interacção humana – ‘elas estruturam incentivos nas relações políticas, sociais ou econômicas’.

A governação econômica, embora não esteja atrelada a uma relação de oposição entre governante e governado, dado o caráter plural e que supõe vários atores, vários processos, varias capacidades, vários vocabulários e, sobretudo, vários mecanismos; é resultado do estabelecimento de regras de organização.

Em economia, a incerteza é o que está para além do equilíbrio estável e do conhecimento individual adequado para fazer escolhas e tomar decisões. Neste sentido, as insuficiências relacionam-se com o fato de o processamento de informações serem sempre subjetivos e incompletos, podendo ocasionar, muitas vezes, um completo mal estar individual ou coletivo.

As incertezas da economia, a intricada relação entre o exercício da liberdade individual em face da segurança coletiva e as amarras do contrato social levou a humanidade a fazer escolhas direcionadas. Por escolhas direcionadas entende-se a construção, pelo Estado, de paradigmas jurídicos e econômicos de organização da sociedade.

O Estado moderno é refém dos fatores reais de poder, cuja origem se situa na dependência estrutural da economia (a infraestrutura no pensamento marxista) e na cultura institucional do poder político (a superestrutura no pensamento marxista). Os fatores reais de poder refletem nas escolhas direcionadas a partir da estruturação de normas jurídicas que regulam a participação do Estado no universo privado (individual ou coletivo), ampliando ou reduzindo os direitos à liberdade e, também, regulando a economia à maneira do mercado.

Neste contexto o meio ambiente (natural, artificial, cultural ou do trabalho), acaba sofrendo com o stress que Bauman chama de incerteza prolongada ou aparentemente incurável, pois, posiciona o Ser Humano como ignorante, por não dominar os conhecimentos mínimos necessários para saber o que poderá acontecer no futuro e, também, como impotente, já que se sente incapaz de influir no rumo de sua própria vida.

Em meio a tais condições, a terceira fonte de mal estar humano - a influência das normas que regulam os vínculos recíprocos; é encampada pelo Estado em razão dos fatores reais de poder, que submente as políticas públicas de gênese ambiental ao crivo institucional do mercado capitalista, responsável por influenciar as escolhas direcionadas à sociedade. Entretanto, Bauman[3] adverte que o capitalismo se destaca por criar problemas, e não por solucioná-los. Em razão disto, o Estado deixa de legislar adequadamente sobre regras ambientais para incentivar o consumo por meio de medidas administrativas ou normativas para manutenção, de forma irrestrita, do mercado e do crescimento econômico.

O Consumo, contudo, além de atentar diretamente contra o meio ambiente natural, gerando uso desproporcional dos recursos naturais, acaba por afetar o bem estar e a felicidade do Ser Humano; pois, quando os indivíduos não estão dotados da plena capacidade economia, as condições de consumo podem gerar a infelicidade – pela ausência do consumo; ou o endividamento – pelo descontrole no ato de consumir.

Conclui-se que a terceira fonte de mal estar humano - a influência das normas que regulam os vínculos recíprocos possui imbricação com o Estado, e que o Estado, subserviente ao modelo econômico depredatório do ambiente, é o algoz da liberdade, da segurança, do bem estar e da felicidade.


Notas e Referências:

[1] BAUMAN, Zygmunt. O retorno do pêndulo: sobre a psicanalise e o futuro do mundo liquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2017, pg. 15/17.

[2] REIS, José. Ensaios de economia impura. Coimbra: Almedina, 1954.

[3] BAUMAN, Sygmunt. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2017, pg. 07/08


 

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