O juiz total, ou holonômico, é o oposto do juiz parcial, pois enquanto este está ligado a uma das partes aquele se vincula à comunidade como um todo, o que inclui as pretensões ideais das partes como integrantes de uma organização social, da plena acusação à ampla defesa. O juiz total é mais do que o juiz imparcial, ou seja, o que está entre as partes do processo, equidistante, porque naquele estão presentes todas as vontades de todas as partes com deveres e direitos previstos no sistema jurídico, podendo ser também chamado de magistrado pleno, ou completo.
No processo penal, por exemplo, e principalmente, uma vez que em debate eventos afetos aos bens jurídicos mais elevados de uma sociedade, o juiz total, holonômico ou completo atua, simultaneamente, como acusador e defensor, porque tem o compromisso com a decisão justa, isto é, que faça o peso da balança pender para o lado que o Direito determina. O juiz com a mínima consciência jurídica e social não pode permitir que, sob sua jurisdição, o réu potencialmente culpado seja absolvido por ineficiência da acusação, ou que o acusado sem responsabilidade pelo ilícito seja incriminado, para o que é necessário que exerça o poder-dever instrutório, de produção de provas de ofício, para esclarecer a realidade da culpa, a insuficiência de provas de sua ocorrência ou a inocência do acusado. Ainda que essa seja a mesma obrigação do promotor de justiça, não tem o juiz a vinculação psicológica ou a posição institucional, como titular da ação penal, daquele que formulou a peça acusatória, fato este que é capaz de prejudicar a mais perfeita isenção do membro do Parquet.
Quanto ao objeto da ação penal, o próprio sistema jurídico estabelece quais são os valores que devem ser protegidos pelo Estado, ditando os comportamentos que são nocivos à Vida e à integridade social. Nesse sentido, os fatos são tipificados abstratamente como ilícitos, tendo em vista uma ordem geral de mundo, um determinado sentido existencial. Assim, no processo, iniciada a investigação, é dever do juiz providenciar que a definição sobre a ocorrência do crime e a qualificação do fato seja a mais precisa possível, com a maior quantidade de circunstâncias, ou informações juridicamente relevantes, para permitir a certeza sobre a materialidade, a autoria, ou ausência de participação, e a tipicidade, responsabilizando o autor do delito, ou absolvendo o inocente e aquele contra quem não há prova suficiente de culpa, para permitir a recuperação, ainda que simbólica, da ordem de mundo rompida pelo ato ilícito.
Vale dizer que o juiz não tem compromisso com partes concretas, mas com partes ideais, enquanto membros de uma comunidade cônscios de seus direitos e deveres, à procura da verdade dos fatos, segundo as normas jurídicas vigentes, no sentido de buscar indícios que sustentam a acusação, enquanto houver elementos de culpabilidade, e, ao mesmo tempo, verificar todas as condições e situações favoráveis ao réu, uma vez que haja elementos probatórios que apontem para sua culpa, pois sem a prova de responsabilidade ou participação no delito a decisão satisfatória para o juiz, e para a comunidade, é a absolutória.
O magistrado total tem o compromisso com a máxima eficiência do Direito, como um todo, em sua integridade significativa e instrumental, incluído o Direito Processual, cujo objetivo é proporcionar a apreciação do mérito com qualidade, em termos fáticos e teóricos. O Direito, em si, tem uma função, pelo que as normas jurídicas são teleológicas, possuem finalidade, o que é determinado, em termos gerais, por exemplo, pelo artigo 3.º da Constituição Federal, ao dispor sobre os objetivos da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
E mesmo no Preâmbulo da Lei Maior são declarados os valores supremos de nossa sociedade: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.
A realização da justiça, portanto, é um valor e um objetivo da República, do Estado Brasileiro, estando incluída nessa empreitada, destarte, a absolvição dos inocentes e a responsabilização penal dos delinquentes, para que se arrependam, mudem de mentalidade, por meio do processo, tornando efetivas as normas penais, dando concretude aos valores liberdade e segurança dos cidadãos.
Por isso consta como dever do magistrado, conforme artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura, cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, porque o Poder Judiciário tem especialmente a incumbência de ser o guardião da Constituição.
Assim, e para tanto, segundo o Código de Processo Penal, deve o juiz, de ofício, dentre outras, adotar as seguintes providências: declarar a extinção da punibilidade (art. 61); ordenar o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração (arts. 125 e 127); proceder à verificação da falsidade (art. 147); instaurar o incidente de insanidade mental do acusado (art. 149); ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, e determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (art. 156); proceder a novo interrogatório (art. 196); determinar a busca pessoal ou domiciliar (arts. 240 e 242); impor medidas cautelares (art. 282); decretar, no curso da ação penal, a prisão preventiva (art. 311); aplicar interdições provisórias de direitos (art. 373); e, como presidente do Tribunal do Júri, determinar as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade (art. 497, XI). São medidas que o juiz deve implementar, a bem da sociedade e do Direito, no processo penal, segundo sua capacidade e experiência pessoal, e sem que, por fazer isso, possa ser tachado de parcial ou suspeito.
O art. 251 do estatuto processual, por sua vez, dispõe que ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo, sendo que, por força do art. 5.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Outrossim, ninguém mais simboliza ou presentifica o Estado do que Estado-Juiz, que concretiza os valores e todo o sistema jurídico, o Estado de Direito, em sua atividade, nas decisões dos magistrados.
Daí porque o melhor juiz é o holonômico, é a Lei do todo em ação na parte desse todo, sem perda do sentido de totalidade; e o todo, o Direito, em sua integralidade e integridade, deve se fazer presente no processo e no julgamento mais especificamente por seus valores essenciais, porque o julgamento deve manifestar a essência do Estado de Direito, que é, substancialmente, promover a Justiça.
O juiz holonômico, finalmente, sabe que exerce uma função divina, e que será julgado por Aquele que lhe outorgou essa autoridade, porque a Lei do todo também se aplica aos julgadores, pois estes também estão sujeito a julgamento, tanto humano como divino.
“Deus se levanta no conselho divino, em meio aos deuses ele julga: ‘Até quando julgareis injustamente, sustentando a causa dos ímpios? Protegei o fraco e o órfão, fazei justiça ao pobre e ao necessitado, libertai o fraco e o indigente, livrai-os da mão dos ímpios! Eles não sabem, não entendem, vagueiam em trevas: todos os fundamentos da terra se abalam. Eu declarei: Vós sois deuses, todos vós sois filhos do Altíssimo; contudo, morrereis como um homem qualquer, caireis como qualquer dos príncipes’. Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois as nações todas pertencem a ti!” (Salmo 82).
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