O jogo da audiência criminal

01/08/2017

Por Luiz Carlos de Andrade - 01/08/2017

Olá, estava revendo alguns vídeos divulgados pela mídia de desentendimentos que ocorreram durante audiências da operação “lava jato”, entre advogados, procuradores e juiz, percebi que conforme exaustivamente repetido no “Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos”,[1] o processo penal não é para amadores. Talvez, em um primeiro momento, essa conclusão cause espanto pelo fato de que a maioria dos atritos tenha ocorrido com “medalhões” do mundo jurídico.

Primeiro vou colocar cada um no seu quadrado. Uma coisa é ser jurista respeitado por suas obras teóricas, sustentações de teses interessantes, confeccionadas em ambiente agradável, favorável, sem pressão alguma, com direito a reflexão e bajuladores. Outra, completamente diferente, é o jogo processual, uma verdadeira guerra, com estratégias, blefes, jogo sujo, pressão e provocações visando desequilibrar o oponente emocionalmente.

A questão é que nem sempre os célebres teóricos do direito ou alguns “renomados” advogados que atuam principalmente junto a gabinetes de autoridades, (loby, etc.) ou confinados no conforto de suas confortáveis salas, (onde praticamente somente assinam as peças elaboradas pelos advogados das bancas, que trabalham duro), possuem a habilidade, para participar desse jogo pesado da audiência, que mais uma vez, não é para amadores, (não por incompetência, mas falta de prática mesmo...).

E não vamos confundir as coisas, o jurista pode ser excelente doutrinador, teórico do direito e com pouca expertise no jogo da audiência, sendo que advogados que não possuem interesse em se lançarem na doutrina, nas academias de direito, se saem muito bem. Basta ver excelentes advogados desconhecidos que atuam em primeira instância na defesa de anônimos, (selecionados pelas isntâncias de controle como clientes do direito penal), isso sem falar da defensoria pública e dos juízes de primeiro grau que convivem diariamente com o verdadeiro direito penal, e não o de ficção.

Nesse jogo da audiência, é travada uma batalha minuciosamente planejada. Principalmente em casos midiáticos.

Voltando a “lava jato”, claro que os jogadores sabiam da visibilidade que seria dada a determinadas audiências. O “nomes” dos grandes escritórios prontamente se preparam para a mídia (melhor terno, sapato, cabelo, caras e bocas, etc.), por sua vez os advogados ilustres desconhecidos precisavam aproveitar a oportunidade ....

Os mais afobados já chegam dizendo para os jornalistas que “meu cliente é inocente”, quando deveriam dizer “meu cliente se diz inocente”, pois a primeira pessoa que o cliente mente é para seu advogado, (antes era pro delegado, mas agora se reserva de só falar em juízo...). Depois vem uma instrução processual inconsteste, provando a culpa do cliente até o último fio de cabelo. E o advogado que “garantiu”, deu sua palavra, quanto a inocência do cliente. Como fica? Quer piorar? E se o cliente adere a deduração, (digo delação) premida e confessa aquilo que o advogado diz que ele não fez ???

Algumas “celebridades jurídicas” sentaram à mesa com todas as informações passadas pelos advogados do escritório que de fato conhecem o processo, deram um duro danado e que redigiram todas as peças e elaboraram as perguntas, (e que deveriam de fato participar do ato …).

Só que o jogo da audiência é pesado. Os jogadores da acusação e o juiz, que também resolveu jogar algumas vezes, tangenciaram para desestabilizar emocionalmente a defesa, pois sabiam de seu conhecimento teórico-acadêmico do direito. Alguns defensores são nomes tradicionais no mercado jurídico servindo, com sua banca, àqueles que vem se perpetuando no poder nesse país ...

Qual a tática do jogador contrário? Resposta: trilhar pela perturbação emocional.

Ora, qualquer juiz, advogado, promotor ou defensor público “tarimbado” em audiências tem como lema não aceitar provocações, (principalmente como as nitidamente previamente preparadas...). Participa da audiência sem perder seu foco, pois sabe que a desordem emocional irá aniquilar sua clareza mental. Se a pergunta for indeferida pelo magistrado, jogador acusador ou defensor, não perdem a calma, pedem para ser consignada, o mesmo sentirem ofendidos. Pois sabem, que o personagem principal do processo é o acusado. Agora, um jogador com a vaidade mal trabalhada na terceira pergunta indeferida perde a linha, acha que está sendo perseguido pelo juiz e sua “inteligência emocional”,[2] vai pro brejo...

Jogar com a vaidade do jogador adversário faz parte do jogo da audiência e, talvez, isso tenha acontecido algumas vezes na “lava jato”. Um jogador que não sabe controlar sua vaidade, ou já está engolido por ela, se descontrola com uma simples pergunta indeferida, com um comentário insinuante, um sorriso de canto de boca, um deboche programado. A consequência é o atrito, a perda do foco, e pior, a “clareza mental” indo por água abaixo, e o mérito da ação sendo relegado a segundo plano.

Tenho certeza que jogadores de acusação e julgador (que às vezes dá uma jogadinha ...) antes da audiência leram o Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, no capítulo destinado ao jogo da audiência. Também se socorreram do cinema e lembraram a célebre frase do personagem (satanás) vivido por Al Pacino no filme “Advogado do diabo” que com um sorriso inesquecível termina o filme se voltando para a câmera dizendo “vaidade, com certeza é o meu pecado predileto”.

Manda quem pode, joga quem sabe.

Vaidade, ambição, amor próprio tudo entra no jogo da audiência. Aliás, na “lava jato”, em alguns casos, os acusados estão sendo relegados a segundo plano, a mero figurantes ...

É preciso ter coragem para responder a nossa interpretação sobre vaidade e qual influência dela em nossa vida.


Notas e Referências:

[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017

[2] Goleman, Daniel, Inteligência Emocional, Saraiva, 2017


Luiz Carlos de Andrade. Luiz Carlos de Andrade é Advogado Criminalista; Extensão: Compliance pela FGV-Rio; Processo Administrativo de Responsabilização de Empresas (PAR) com ênfase em leniência; licitações, contratos públicos; investigação interna. E-mail: luizcandrade1@terra.com.br .


Imagem Ilustrativa do Post: A Game of Chess? // Foto de: Christine Kongsvik // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/10896041@N08/4319347065

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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