O indício e seu uso no processo penal

01/03/2018

O CPP de 1940 já deveria ter sido revogado e substituído há muito tempo, principalmente quando o mesmo não acompanha o amadurecimento jurídico sobre a importância do processo penal sob a luz de uma Constituição Federal, com garantias individuais. Sequer a estrutura normativa espelha o mundo moderno, com capacidade tecnológica e de volumosa disponibilidade de mão-de-obra especializada, para ir além dos raciocínios dedutivos.

De qualquer maneira, este Código, que está em vigor, diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, enumerando o indício como uma espécie de prova que pode ser apresentada no processo e, assim, que poderá servir para convicção de julgamento.

A convicção de um julgador pode ser fundada em uma presunção? Segundo o Código de Processo Penal brasileiro: sim. No entanto, para além de uma leitura rápida da Lei, não pode ser defendido que o indício seja aceito como única prova para uma condenação. Pois existe uma barreira jurídica e outra linguística sobre o mesmo.

Como barreira jurídica o indício se depara com o artigo 158 do Código de Processo Penal, para o qual toda a infração que deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Ou seja, não se pode presumir um homicídio, é necessário demonstrar que houve morte. Lembrando a máxima que existe morte sem corpo, mas não existe homicídio sem morte. Assim, algumas vezes indícios podem levar a crença que houve um homicídio, mas a perícia é a barreira para evitar erros como o Caso dos Irmãos Naves ou da Escola base de São Paulo.

Como barreira linguística o indício se depara com o princípio de inocência, isto é, sendo a única prova, sua conclusão deve ser uma interpretação mais benéfica ao réu. Logo, sobrevém a necessidade de provas sólidas que permitam autonomamente sustentar aquilo que indiciariamente também se conclui. Ou seja, em razão do princípio de inocência, a presunção que se faz sobre um caminho também necessita amparo em provas diversas, sob pena de se presumir de forma mais benéfica ao réu.

Mas o que é indício? Segundo o Código de Processo Penal, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Tomemos o seguinte exemplo: uma vítima de homicídio por disparo de arma de fogo.

Agora, uma primeira presunção: a ranhura balística encontrada em uma munição, retirada de um corpo, no qual a conclusão pericial foi de que a morte se deu em razão do dano causado pelo projétil. Pode-se dizer que para encontrar o autor do crime basta encontrar o dono da arma. Assim sendo, seria uma conclusão absoluta? Por certo que não.

Por isso, caso seja encontrada a arma, ainda assim, o juiz não poderia condenar o dono (jurídico) da arma somente com base neste indício. Necessita haver provas outras que demonstrem, por exemplo, que a arma sempre esteve em poder do seu dono, que o mesmo esteve no local do crime, que foi ele quem disparou, etc.

Pode haver condenação quando um indício encontra amparo em outro indício? Deve ser dada a mesma forma de abordagem, isto é, barreira jurídica do art. 158 e interpretação mais benéfica para o Réu. Ou seja, uma presunção, por si só, não pode ser base para outra presunção.

Seguindo no exemplo acima exposto: A munição foi encontrada no corpo da vítima, sendo que sem o projétil não haveria morte, logo, quem comprou a munição é o autor do crime (presunção 2). Se somar a prova que o dono da arma também comprou a munição, duas presunções levam a mesma pessoa, ou seja, dois indícios diferentes levam a uma verdade(?): pode haver condenação?

Uma situação três: uma testemunha relata que o dono da arma e a vítima se conheciam. E situação quatro: outra testemunha diz que o dono da arma e a vítima já se envolveram em brigas no passado.

Em suma, pode o juiz presumir com indícios estranhos ao fato penal a culpa condenatória? Melhor dizendo, que o dono da arma, que adquiriu a munição, que foi usada na sua arma para causar a morte de alguém, por conhecer a vítima e já ter se desentendido e brigado com ela é, por indução, o autor do crime? Muito bem leciona Lenio Streck, “Não é o juiz que faz a prova nem é o juiz que intui provas”[1].

O que se quis demonstrar é que o indício é uma forma válida de analise das provas e, não há porque uma nova lei processual penal abdicar de sua conceituação. Contudo, por razões jurídicas e por princípios penais, o indício (ou os indícios) não pode ser considerado como sendo a prova, principalmente se exclusivamente para impor uma sentença condenatória. Contudo, o uso de indícios, que gera presunção de culpa, pode ser usado para fortalecer um julgado que possui provas sólidas de culpa. Por exemplo, a pólvora encontrada em perícia no braço do “dono da arma” é compatível com os vestígios do crime, somado as presunções acima narradas, torna-se um conjunto de prova (convencimento) sólido de que o mesmo fez o disparo de arma de fogo que gerou a morte, mas ainda não afasta a possibilidade excludente de ilicitude, inimputabilidade, etc.

Por isso é importante que a primeira fase de investigação seja técnica e conduzida com seriedade. Pois, com base na colheita destas informações, poderá ser alguém acusado com base probatória apta ao contraditório. Prova e convicção não são sinônimos, a convicção processual depende de provas que estejam dentro do processo e que não sejam puras presunções, principalmente quando estas convicções são internas de quem julga ou investiga.

Cabe registrar o HC 97.781/PR do STF, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio e que teve o voto de vistas dos Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, no qual houve divergência sobre a conclusão condenatória por indícios e presunções. Voto vencido, o Ministro Marco Aurélio registrou a impossibilidade de decreto condenatório a partir de elementos indiciários: “Se é certo que os indícios não merecem a excomunhão maior, não menos correto é assentar-se a insuficiência em se tratando de prova necessária a embasar uma condenação criminal”.

No entanto, para o Ministro Luiz Fux “através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, o julgador pode, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta”.

 Da mesma forma Dias Toffoli, o qual reafirmou que os indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente. 

Por fim, importante acentuação faz Nicollitt[2] sobre a prova indiciária, pois para este autor o indício pode fornecer elementos para motivada convicção do julgador, salientando que o valor desta prova é tão frágil quanto uma regra de experiências (probabilidades com base em fatos passados), ou até mesmo podendo ser categórica, quando a conclusão do silogismo se depara com a contradição (quem provadamente estava em um lugar, por conclusão lógica não estava em outro). Por isso, a advertência de Aury Lopes Jr[3], para o qual não se pode confundir provas com indícios, ainda que toda a prova seja um indício do que ocorreu.

 

[1] Coluna Senso Incomum do Conjur: “De 458 a.C. a 2018 d.C.: da derrota da vingança à vitória da moral!”

[2] André Nicolitt, Manual de Processo Penal, 5ª Ed., São Paulo: revista dos Tribunais, 2014, p. 683.

[3] Direito Processual Penal, 12 ed., 2015. São Paulo: Saraiva, p. 514.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Processo Físico // Foto de: Lucas Castor/Agência CNJ // Sem alterações

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