O INDEVIDO PROCESSO LEGAL OU O INDEVIDO PROCESSO PENAL  

21/07/2020

A chamada consciência crítica e método dialético nos permitem ver o que está por detrás da aparente verdade.  

A dialética nos ensina que todo o objeto de nosso conhecimento está em constante movimento e, por isso, não deve ser estudado estaticamente. O tempo é esclarecedor e a história é implacável.

Agora compreendo melhor o porquê do interesse de alguns “teóricos” e estrategistas Norte Americanos pela reforma de quase todos os Códigos de Processo Penal da América Latina, sempre procurando neles ampliar uma perspectiva liberal e muito simpática.

Através do chamado sistema adversarial, estes teóricos e estrategistas conseguiram ampliar, de forma absurda, o poder discricionário dos principais sujeitos processuais penais. Acordos passam a ser admitidos no processo, mesmo com eficácia derrogadora das regras cogentes do Direito Penal e Processual Penal.

Muitos juristas de formação progressista não perceberam a engenhosa estratégia e até apoiaram a reforma processual que ampliou ainda mais a discricionariedade em nosso processo penal (acordo de não persecução penal, etc).

Para o sucesso de seus projetos de “Lawfare”, era preciso afastar o “princípio da legalidade”, de nossa tradição romana – “Civil Law”.

Desta forma, o processo penal acabou se tornando um instrumento hábil para ajudá-los a alcançar seus sórdidos objetivos políticos e sociais.

A ampla discricionariedade, reinando no processo penal, o torna mais “maleável” ou manobrável, na medida em que a direita já encontrava total apoio na classe empresarial, na grande mídia (sustentada pelas empresas anunciantes), na opinião pública doutrinada por esta mídia empresarial e no fundamentalismo religioso.

Assim, faltava apenas seduzir parte mais expressiva do Poder Judiciário e do Ministério Público.

No Brasil, conseguiram com facilidade e a chamada “Operação Lava Jato” foi um instrumento eficaz. Deram uma interpretação desarrazoada aos acordos de cooperação premiada, com total beneplácito do Poder Judiciário. Vale dizer, o negociado sobre o legislado, no processo penal.

Escrevi inúmeros textos criticando estes acordos de cooperação premiada, realizados em total desrespeito ao sistema normativo vigente.

Entendo que os acordos podem prever benefícios ao réu-colaborador, mas quem aplica a pena é o Poder Judiciário, nos termos do artigo 59 do Código Penal. A individualização das penas é tarefa que a Constituição Federal outorgou apenas ao Poder Judiciário.

Importante ressaltar que, recentemente, ficou comprovada a insólita “parceria” da “Lava Jato” com os Estados Unidos, havendo ajuda concreta e recíproca de investigadores brasileiros e agentes do FBI.

Como se pensar em Estado de Direito quando, em um sistema adversarial, temos de um lado a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário e, no outro polo do processo penal, os réus que, temerosos de prisões cautelares ou condenações astronômicas, ficam sedentos por fazer quaisquer acordos, discricionariamente “sugeridos” pelos detentores do poder?

Tudo sem quaisquer mecanismos de controles internos ou externos.

Desta forma, através de uma sofisticada engenharia processual, o pensamento conservador e os movimentos da direita logram trazer uma ampla discricionariedade para o nosso processo penal, transformando-o em um nefasto “processo penal negocial”, tudo em substituição ao tradicional sistema do “devido processo legal”, vale dizer, em substituição ao garantidor sistema da legalidade estrita.

Destarte, através deste sistema maleável, ficou bem mais fácil o “lawfare”, que teve como objetivo desmontar a nossa economia e impedir que forças progressivas pudessem chegar ao poder, pela regular via da eleição universal e democrática.

Para eles, deu certo aqui e também em vários países da América Latina. Infelizmente.

Ademais, eles convenceram a população de que os fins justificam os meios, mas não disseram que, muitas vezes, os próprios fins são odiosos...

Acho que, aqui no Brasil, nós podemos reconhecer a derrota, ainda que parcial e temporária.

Eles ganharam e temos, pela primeira vez em nosso país, um governo de extrema direita !!!

Reconheço que, por ora, também perdi: saí derrotado do longo e exitoso magistério jurídico ...

Ouso dizer que o nosso processo penal está caótico e assistemático.

Em tempo: vejam o texto que publiquei nesta coluna do site Empório do Direito, há bastante tempo, demonstrando que esta trama se estendeu às reformas na legislação processual penal de quase todos os países da América Latina, através do seguinte link:  

http://emporiododireito.com.br/leitura/a-influencia-norte-americana-nos-sistemas-processuais-penais-latinos-por-afranio-silva-jardim-1508758582

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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