É muito difícil ser imperador. Antes de tudo, o imperador tem que ter um império. Sem o próprio império, ninguém impera. Estreitar o lugar de domínio soberano sem diminuir a soberania facilita a imperatividade.
Foi o que fez: por ato de autoridade sua sobre si mesmo, declarou-se imperador de si e do seu apartamento em toda a sua extensão. Em si e em todo o alcance do seu domicílio, era ele quem mandava.
E mandava muito muito bem. Pelo menos acreditava em suas resoluções. Se bem que nem sempre se emprestava muita credibilidade em si. Suspeitava que não se mandasse lá tão bem como se deveria mandar.
No apartamento, no correr do seu alcance, seguro, dava ordens imperatórias. Mas quanto a se obedecer a si, não podia afirmar com convicta asseveração que desse ouvido de vassalo à sua voz de autoridade.
Às vezes havia desatinos entre si e sua vontade. E noutras ocasiões podia estar aprumado consigo, mas não era sempre que estava em paciência para se aturar. Não se espantava nada em perder a paciência consigo.
Também já ocorrera de se apanhar mentido descaradamente para si: surpreendia-se dando intensidade a feitos nem tão memoráveis; flagrava-se mitigando malignidades das mais ruins que cometera por aí.
A gente faz dessas coisas, quando pensa no passado do próprio império: enfeita os acontecimentos que nos parecem dignos; alivia da memória as covardias gerais. Não nos devíamos permitir a narrativa das próprias proezas.
Porém, nos damos a contar tudo de bom, quando a vida vai bem. Desenhamo-nos bonito no que ainda não fomos. Lemos o passado como se não pudesse ter sido melhor. Propomo-nos heroicos no como estamos.
Quando a vida vai mal, todavia, tememos pelo império. O futuro fica ruim: quase desistimos do caminho até lá. E o passado, horrível: só por prodígio sobrevivemos; que vida sacudida, que desgraça, que sofreguidão.
Desse jeito, entre altos e baixos, imperava o imperador. Não que estivesse ruim; até que estava muito bom. Entretanto, carecia de elevação. Supôs a falta de uma imperatriz. Porém, não era. Jamais o fora.
Imperatriz é como a mulher do imperador. Não basta. Nunca bastou. Impérios se ressentem de uma imperadora. Imperadora tem índole reinante. Mesmo sem título que dê licença, tem capricho de grau a reverenciar.
Imperatriz é como uma senhora com etiquetas, protestos, vindicações; imperatriz está preocupada com o que pode e o que não pode. Imperadora, não. Imperadora é evento de outra grandeza: chega e participa; acontece.
Imperatriz tem título; imperadora tem comando. Imperatriz intromete-se; imperadora estabelece o competente território. Com uma imperatriz discutem-se miudezas; com uma imperadora, deliberam-se importâncias.
Ocorreu: o império foi ocupado por uma imperadora. Tudo sem os modos invasivos de uma imperatriz. Foi num momento em que viu o passado do jeito que foi como devia ter sido: na hora certa, deu bem no que deu.
O imperador e a imperadora estão confabulando. Contam o pretérito e o presente das coisas. Cada um se diz de si. Não se fazem de conta que são unidade. Querem ser duas pessoas a escrever o futuro do império.
O futuro é o hoje onde a vida estará. No dia seguinte há sonho do passado. Essa é a história do imperador do apartamento: aconteceu-lhe uma imperadora incondicional. No império, tudo será como agora, amanhã.
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