O Iluminismo continua revolucionário – Por Léo Rosa de Andrade

20/07/2016

Esses atos terroristas convulsionam o mundo. Isso advém da mesma origem: a irracionalidade religiosa. Não uso o termo irracionalidade gratuitamente, ou com ânimo de insulto, mas porque o religioso, por definição, age necessariamente em desconformidade com os ditames da razão.

Somos entes constituídos ideologicamente. Pensamos sempre a partir de ideologias em nós introjetadas. A matéria do nosso pensamento é ideologia. Seja: não posso ter a pretensão de pensar com neutralidade tal a ponto de me abstrair do mundo e me fazer expressão de razão abstrata.

Porém, apesar de meus elementos de pensamento me virem de relações com o mundo (minhas circunstâncias me fazem a cabeça) e não de escolha pessoal (ideias não são selecionáveis em prateleira de ofertas), tenho boa margem de manobra para refletir com os conteúdos constitutivos do meu pensar.

Meu estatuto moral, pois, não é exatamente escolha minha. Todavia, em eu o tendo, consigo fazê-lo minha referência. Então, posso ser razoável. Razão: “o pensamento moral, em sua função de orientar a conduta humana, provendo as consequências e avaliando o significado das ações” (Houaiss).

O religioso renuncia a essa lógica. Ele “trabalha” com outro sistema. Não ajuíza sobre os fatos do mundo levando em consideração valores que subjetivou. Não pondera, pois, de si para consigo mesmo, assumindo responsabilidades. O religioso avalia o mundo pautado em verdades que acata por fé.

Fé, na tradição católica, é uma virtude teologal. Tais virtudes são três: fé, esperança e caridade. Elas têm como origem, motivo e objeto a própria divindade; são infundidas no humano como “graça santificante”; causam o agir moral do cristão; são o penhor da presença ativa da divindade nas faculdades do humano.

Através da fé os cristãos creem no seu deus, nas suas verdades reveladas (feitas conhecer por inspiração sobrenatural) e nos ensinamentos da igreja (católica). Por meio da fé o homem exerce sua livre entrega à divindade, e, então, procura conhecê-la e fazer-lhe a vontade.

A divindade, contudo, não é cognoscível por diligência individual. Primeiro, ela fala por profetas, depois, por interpretes das profecias. O crente final está, pois, isento de responsabilidade direta na compreensão do que o seu deus disse ou quis dizer com o que disse (afinal, há muitas interpretações da “palavra”).

Os exegetas das profecias, em alguns países, são muitos, como ocorre no Brasil. Aqui há verdadeira proliferação de “pastores”. O sucesso das empreitadas pastoris nacionais não está na promessa de céu futuro, mas de sucesso na Terra. As igrejas pentecostais têm surrupiado carneiros da confissão católica.

Noutras nações as ovelhas fazem rebanho no seio de poucas denominações. No Ocidente, não obstante a importância do judaísmo, predominam as denominações católica e protestante. Essas tradições voltam-se à “eternidade”, diferentemente dos neoevangélicos, ávidos de resultados imediatos.

A tradição iluminista conseguiu separar igrejas e estado. A racionalidade política despiu-se (no Brasil as coisas se vêm embaralhando) da interpretação religiosa. Política tornou-se reconhecidamente relação mundana de poder, ainda que a força religiosa se tenha intrometido sempre que pôde.

A crença muçulmana não funciona dessa forma. Ela prescinde de pastores ou sacerdotes. Trata-se de uma religião que não comporta uma classe administrativa hierarquizada que intermedeie seu profeta ou mesmo sua divindade, ainda que haja quem ostente prestígio e ascendência espiritual relevante.

As mesquitas, diferentemente dos templos cristãos, não se resumem a sítios de adoração. Aí se ora, mas também se discute a vida, relaxa das agruras do dia. Nesses locais se confundem religião e mundanidade. Nesses locais se faz política. A política muçulmana, portanto, é gravada de pensamento religioso.

Religiões, quando podem, impõem-se, e o fazem com violência, se dispõem de força para tanto. A Revolução Francesa (1789) conteve-as. Os muçulmanos jamais tiveram seu Iluminismo. Eles não subjetivaram a ideologia política liberal, então, exercem disputas por poder como quem pratica religião.

Quem introjeta valores é movido ou contido por deliberações valorativas subjetivas. A Tradição Ocidental já não tem uma tarefa divina para o mundo. Aqui ninguém vai morrer por religião. Alguns muçulmanos vão. Eles não professam a democracia burguesa, não são contido por ideologias democráticas.

É estúpido dizer que todo muçulmano é um terrorista em potencial. Mas sabemos que esses terroristas que alarmam o mundo são muçulmanos. E, sim, há explicações para os fatos, mas não justificações. Os terroristas não se conterão. Terão que ser contidos. Trata-se de um conflito de civilizações.


 

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