O golpe de 9 do Termidor e o fim do “período do terror”: o futuro da Operação Lava Jato

06/04/2016

Por Everton Sarraff Nascimento - 06/04/2016

Com a politização da justiça, atualmente o Brasil testemunha um verdadeiro “período do terror” em relação à flexibilização dos direitos e garantias individuais conquistados e consolidados na Constituição de 1.988, tudo em nome de uma cruzada messiânica contra um vilão histórico da humanidade, a corrupção, todavia, há um aparente erro cometido por seus autores nesta jornada.

Um erro crasso que não advém do “juridiquês”, -  língua usualmente falada por eles -, mas surge no âmbito do próprio fenômeno social da politização da justiça, enquanto característica inerente a qualquer nova realidade experimentada, a saber, a incipiência de seus autores sociais neste novo fenômeno dado.

Muito se discutiu sobre possíveis ilegalidades, arbitrariedades, abusos, ou quaisquer outros vícios por parte da condução da chamada “Operação Lava Jato” que se iniciou no Paraná em 2.014. Há quem aponte vícios de legalidade ou, ainda, de constitucionalidades, tais como: interceptações telefônicas ilegais em escritório de advocacia; usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal; uso do instituto da prisão preventiva de forma abusiva; abuso de vazamento de informação protegida por segredo de justiça; ou, ainda, a divulgação de informação sem fundamento legal... etc.

Todavia, no âmbito jurídico, o “juridiquês”, falado em diversos setores acadêmicos, demonstra não ter usado a mesma língua usual nos tribunais pátrios, motivo pela qual a referida operação segue robusta sua jornada purificadora, sem grandes avarias.

Não obstante, essas discussões no âmbito jurídico, pertinentes ou não, há sem dúvidas um novo fato que pode ser mais determinante que qualquer outro fundamento discutido entre os adeptos daquela linguagem do “juridiquês”. Fato este que poderá ter força suficiente para determinar o destino da “Operação Lava Jato” a médio prazo, qual seja: a divulgação da famigerada “Lista da Odebrecht”.

Para melhor compreender o efeito explosivo desta lista no cenário político brasileiro, faz-se necessária algumas considerações, para, posteriormente compreendermos o erro político dos nossos autores sociais mais acostumados com o “juridiquês”.

A “Lista da Odebrecht” foi um documento divulgado, enquanto coisa existente, pelos maiores meios de comunicação em massa do país, porém seu conteúdo foi intencionalmente omitido pelos mesmos veículos de comunicação. No conteúdo do referido documento, consta aparentemente o nome de mais de 300 pessoas (políticos e não-políticos), que teriam recebido recursos da Empreiteira Odebrecht, (a qual é satanizada midiaticamdente nesta operação).

E o que tal lista teria de especial e qual seria o erro cometido?

Primeiramente, a mencionada “Lista da Odebrecht”, sem provas concretas, não teria valor jurídico suficiente para criminalizar qualquer um de seus contemplados. Todavia, a lista demonstra as contradições do discurso moralista e seletivo do combate a corrupção no Brasil, ao mesmo tempo que denuncia uma prática sistêmica de pagamentos supostamente ilegais como forma de garantia de apoios políticos generalizados. Portanto, há um evidente enfraquecimento do discurso messiânico e seletivo.

A existência de uma lista com diversos nomes de políticos de diversos partidos, supostamente envolvidos em corrupção, sugere a seguinte reflexão, a saber: sendo a corrupção sistêmica, simplesmente extinguir um partido salvaria o país da corrupção? Ademais e, principalmente, a lista expõe outros agentes políticos que outrora se beneficiavam do discurso contra a corrupção e que agora podem ser vítimas desse mesmo discurso.

Neste cenário, emerge mais uma face do “período do terror”, na qual vivemos atualmente, pois se tornou comum a destruição da reputação alheia e até a morte política dos adversários com base em simples menções, mesmo sem prova, mas com apoio de setores conservadores da mídia brasileira através do método da repetição exaustiva até seu convencimento. Um verdadeiro terror para pretensões políticas partidárias.

Para ilustrar melhor a existência do mencionado erro, recorremos à história.

Entre 1792-1794, tivemos o chamado “período do terror” que marcou a segunda fase da revolução francesa, na qual milhares de pessoas perderam a vida, muitas delas pela guilhotina de Guillotin, o expoente neste período foi Maximilien de Robespierre, o “Incorruptível”, como chamado pelos aliados.

Robespierre condenou sumariamente a morte de centenas de pessoas, inimigos políticos ou não, os quais eram de alguma forma uma ameaça a “sua revolução”. Tornou-se tão perigoso para a burguesia francesa que outrora lhe servia como instrumento. Com o passar do tempo seu extremismo foi considerado um problema a ser superado para a estabilidade da revolução, enquanto fenômeno burguês.

Seu erro fatal foi político e teve início em um discurso desastrado na Convenção Nacional em 1794, quando anunciou que desejava fazer um grande expurgo na convenção, chegando a anunciar que apresentaria uma “lista” com os nomes que considerava corruptos e desleais com a revolução. Sem citar nomes Robespierre cometeu um erro político, pois generalizou o terror sobre os demais membros do parlamento que não poderiam saber quem seria a próxima vítima da guilhotina, mesmo os aliados!

Como consequência, Robespirre foi derrubado e executado no dia seguinte na mesma lâmina que matou várias outras vítimas em prol de “sua revolução”, sendo vítima de sua própria prática de condenação sumária e aplicação da política do terror como forma de manter o poder. Este episódio ficou conhecido na história como “O golpe de 9 do Termidor” e marcou o fim do “período do terror” na Revolução Francesa e início do governo dos Gerondinos, no qual o poder econômico assume o poder.

Fazendo uma releitura da história, para os nossos dias, a chamada “Lista da Odebrecht” pode trazer dois efeitos no cenário político brasileiro no contexto na politização da justiça, o primeiro já em andamento, a aceleração do processo de impedimento da Presidenta da República, fato constatado na declaração de saída do PMDB fluminense da ala governista um dia após a divulgação da existência da referida lista.

Há um segundo efeito concernente e condicionado à eficácia do primeiro efeito e lembra o destino de Robespierre. Senão, vejamos: a “Operação Lava Jato”, com a queda do Governo Federal, deixaria de ter utilidade prática para alguns setores sociais oposicionistas, ao mesmo tempo em que se tornaria uma ameaça real a estes setores, no caso da tomada do poder central.

Portanto, a divulgação da chamada “Lista da Odebrecht” aumentou o clima de terror já vivido no cenário político criando novos temores entre os agentes políticos envolvidos e a sua não-divulgação intencional (do conteúdo), nesse contexto, sugere um implícito recado sobre a necessidade de “resolver” imediatamente o problema para depois destituir a ameaça de linchamento público antes que seja tarde, eliminando de nossa memória histórica o “período de terror” e consolidado o poder econômico. Talvez para esse fim político sejam lembradas as agressões aos direitos e garantias individuais outrora flexibilizados, aqui teríamos a aplicação da função do cinismo no discurso moralista.

Portanto, os autores sociais envolvidos nesta politização da justiça provavelmente cometeram um erro político. Sem adentrar nos aspectos jurídicos do ato, ao vazarem uma lista com um mosaico de nomes de partidos e políticos supostamente envolvidos em esquemas de corrupção, correram o risco de perder valiosos aliados que permitiam e permitem legitimar eventuais arbitrariedades cometidas em sua caminhada moralizadora pelo país. Ou seja, na medida em que o instrumento da politização da justiça deixa de ser útil e passa a ser uma ameaça, ao mesmo tempo que perde apoio dos beneficiados da crise institucional, sua existência torna-se uma incógnita.

Como consequência, setores conservadores e historicamente favorecidos com o sistema de corrupção construído no Brasil, podem se voltar contra seu instrumento político de salvação nacional com o fito de garantirem sua própria sobrevivência, mantendo seus interesses econômicos incólumes, interesses traduzidos na frase exposta entre os manifestantes que protestavam contra a corrupção: “queremos nosso país de volta”!


Everton Sarraff Nascimento. . Everton Sarraff Nascimento é Defensor Público do Estado do Amazonas, Parintins-AM. Email: evertonsarraff@hotmail.com . .


Imagem Ilustrativa do Post: The execution of Robespierre and his supporters on 28 July 1794 // Foto de: History Stack // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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