O fingidor e o direito ao teatro – Por Léo Rosa de Andrade

18/05/2015

Pessoa, fingido não ser ela, arranjou emprego. Tornou-se datilógrafo do seu crítico literário. Fazia cópias de seus poemas e de coisas ditas sobre sua arte e sobre si mesmo. E tinha que aturar o tanto de pernóstico que percebeu ser o seu patrão.

O crítico sabia tudo sobre o já escrito pelo poeta, mas não lhe reconhecia a escritura quando algo de novo lhe vinha aos olhos. A peça joga com isso e com outras coisas da vida de Fernando Pessoa, bem imaginada pelo autor do texto.

Mas Américo, o crítico, tinha noção das coisas. Ele explica pra Pessoa, sem saber que Pessoa é Pessoa, o que é e porque Pessoa usa heterônimos: “É uma personalidade literária. É quando o autor se divide em outros ‘eus’ para realizar sua obra.

Os eus de Pessoa, por sua vez, não eram criaturas de obedecer ao criador. Pessoa: “Deviam me respeitar. Fui eu que criei vocês e vocês não existiriam se eu não existisse”. Campos: “Será mesmo que outro poeta não nos criaria?”

Campos discutia, às vezes, com desdém ao criador: “Sinto que é bem capaz que eu povoasse a imaginação de qualquer um”. Mas logo se punha em reconsideração: “Contando que ele quisesse me receber. E tivesse talento para tanto”.

Eu me precipitei sobre o Américo. Ele tinha mesmo um lado ruim. Diz pra Jorge, que era Pessoa, de um novo poema seu: “Tematicamente, ingênuo. Estilisticamente, imagens muito pobres. Mas também... O senhor não é poeta”.

Por outro lado, tinha a percepção de que estava diante de alguém peculiar, ao falar pra Jorge, que era Pessoa: “Ah! O senhor não precisa ser poeta para ser especial. O senhor já é especial por si mesmo, compreende?

Engraçado é que Afonso, editor de Pessoa, não percebe o poeta em Jorge, que considera um feliz, por não ser das coisas da literatura. E o aconselha: “Leia. Ou melhor, permaneça assim como o senhor é, que já está muito bom”.

Pessoa não aprecia Américo porque o crítico separa a arte da vida. Jorge gosta mesmo é de Miguel, que vê tudo como uma coisa só. Mas Miguel só diz isso bem mais tarde, e, aliás, Miguel, o jovenzinho nisso tudo, é o único que entende tudo isso.

O poeta pensa que por trás da poesia há infelicidade. O jovem acredita que não. E parece ter base pra opinião. Citando Pessoa: “O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente...”.

Jorge e mesmo Pessoa vão cair em tentação de amor por Amália, que trabalha para Américo. Ela cuida de Jorge com carinho e tem gosto pelo poema de Pessoa: “Liberdade: Ai que prazer Não ter que cumprir um dever...”.

Amália dá atenção a Jorge, faz-lhe comidinhas, atende-o doente, leva chá ao seu quarto, conta-lhe historinhas de castelo. E lhe diz que ele pode, sim, ser poeta. Amália estava perto, era mulher. As coisas acontecem.

Fernando Pessoa tinha uma irmã. Ele gostava demais dela; ela muito o amava. Henriqueta era seu nome. Vivia de cuidados com o irmão. Jorge Madeira, contudo, escolheu morrer nos braços de Amália, e assim morreu.

O brasileiro não frequenta espetáculos culturais: 61% nunca assistiu a uma peça teatral; 89%, a concertos de ópera ou música clássica; 75%, a evento de dança; e 71% a exposições de pintura e escultura em museus (http://migre.me/pLV21).

Ademais, tais espetáculos são restritos às regiões metropolitanas, e somente 11% da sua população os buscam (http://migre.me/pLY3S). O texto nos faz saber que essa parcela da população demanda ainda outras formas culturais.

Estatutos legais garantem direitos ao lazer e à arte. São letras mortas. Triste situação nossa. A quem queira e possa, recomendo o espetáculo. Está nas apresentações finais:

http://www.teatrotuca.com.br/espetaculos/espetaculo-o-fingidor.html.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Theatre Royal Panorama, Brighton, UK // Foto de: Ian Muttoo // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/imuttoo/2096121383

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