Por Aicha Eroud - 31/07/2016
No mês de fevereiro desse ano, o Supremo Tribunal Federal alterou uma jurisprudência, julgando o HC 126.292, onde o debate era sobre a legitimidade de ato do TJ\SP. A votação foi de 7 votos à 4, determinando assim, que após a decisão condenatória da segunda instância, já haveria a possibilidade de executar a pena. Essa mudança gerou revolta entre os constitucionalistas por “extinguir a presunção de inocência” e limitar o direito da ampla defesa, onde no recurso de segundo grau, já poderia ter o acusado, a decretação da sua prisão, antes mesmo do trânsito em julgado. O STF pronunciou que essa decisão foi dada mediante a alegação de que havia um certo clamor da sociedade, justificado pela demora do processo, ocasionada pelo tempo que leva o esgotamento de possibilidades de recurso.
Recentemente, o STF teve um novo entendimento, que é conflitante com a mudança que a própria Corte recém aprovou, em fevereiro. A nova Súmula Vinculante 56 diz: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar nessa hipótese os parâmetros fixados no RE 641.320”.
Apenas para se ter conhecimento, esse novo entendimento da Suprema Corte, a Súmula Vinculante 56, advém da Proposta de Súmula Vinculante 57, que foi originalmente formulada pela (ANADEF) Pastoral Carcerária Nacional e Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais, e apresentada pelo Defensor Público-Geral da União, no ano de 2011. Na redação original constava: “O princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento inadequado, no local da execução.” Porém, o ministro Luis Roberto Barroso, modificou o texto original, na qual resultou o novo entendimento acima citado.
Essa Súmula Vinculante aprovada, veio determinando que aqueles que já se encontram encarcerados, poderão se beneficiar da progressão de regime antecipadamente, para liberar espaço para novos presos que devem ingressar com a pena em regime fechado, sendo cada caso analisado criteriosamente pelo juiz; ou aqueles que receberem a penalização de regime semiaberto, poderão cumprir a pena iniciando com a prisão domiciliar, monitorado com tornozeleira eletrônica. Esse benefício já se estendia aos políticos e empresários que foram presos devido ao Mensalão e a Lava Jato.
Esse novo entendimento deu-se ao fato de que as cadeias brasileiras se encontram em estado de superlotamento, onde suas instalações são extremamente precárias, deixando dessa forma, o princípio da Dignidade Humana totalmente fora de contexto, sendo este o “coração da nossa Carta Magna”, de valor constitucional supremo, o próprio núcleo axiológico da Constituição, a qual declara:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Deve-se lembrar que os direitos individuais e as garantias são Cláusulas Pétreas da CF, não podendo ser alvo de modificação, mesmo que por emenda constitucional. No artigo 60, §4º da CF, menciona:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Então, observa-se que as garantias individuais são Cláusula Pétreas, e o Princípio da Ampla Defesa e Contraditório, que é parte dessas garantias, as quais devem ser preservadas em nome do Estado Democrático de Direito, estando o Princípio positivado no artigo 5º, inciso LV da Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Depois da leitura de alguns artigos constitucionais, pode-se constar a inadmissibilidade da execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância, pois o mesmo seria rasgar a nossa Constituição.
Ao analisar as duas decisões do STF, é notório a bipolaridade dos entendimentos, restando a observação de que no primeiro, houve um descaso em relação as cadeias superlotadas, pois aí a intenção seria de que mais pessoas fossem presas, antes mesmo que suas condenações fossem transitadas em julgado. Já no segundo entendimento, é notória a preocupação do cenário carcerário atual, que se constitui uma verdadeira barbárie penal.
O Ministro Ricardo Lewandowski, desde o início, se posicionou contra a mudança da jurisprudência, relatando: ”O sistema penitenciário está absolutamente falido, se encontra num estado inconstitucional de coisas. Agora nós vamos facilitar a entrada de pessoas nesse verdadeiro inferno de Dante, que é o sistema prisional"[1].
Então surge um ponto a ser questionado: conforme os dados revelados pelo Depen, 41% da população carcerária, estão presas, mesmo sem condenação, estando esses, nas mesmas condições daqueles que já foram condenados. Somente 3% estão cumprindo pena em regime aberto e 15% em semiaberto. [2] Essa pesquisa foi realizada em 2014 e o julgamento do STF foi em 2016. Será então que essa é uma porta aberta para que a maioria da população carcerária no Brasil seja os que ainda não foram condenados? Deve-se lembrar, que o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo.[3]
Sobre o assunto, o Ministro Gilmar Mendes proferiu no voto do RE 641.320, o seguinte:
"Atualmente, conforme o entendimento do Juízo da execução penal, há duas alternativas de tratamento do sentenciado que progride de regime, não havendo vagas suficientes: ou é mantido no regime mais gravoso ao que teria direito (fechado), ou é colocado em regime menos gravoso (prisão domiciliar). Tenho que já não nos basta apenas afirmar o direito ao regime previsto na lei ou ao regime domiciliar. Por um lado, é imprescindível cobrar dos poderes públicos soluções definitivas para a falta de vagas, seja pela melhora da administração das vagas existentes, seja pelo aumento do número de vagas. Sobre isso, tratarei na próxima parte do meu voto. Não há, no entanto, solução imediata possível. Assim, temos que verificar o que fazer com os sentenciados se a situação de falta de vagas está configurada. A prisão domiciliar é uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Não descarto sua utilização, até que sejam estruturadas outras medidas, como as que serão propostas neste voto. No entanto, é preciso avançar em propostas de medidas que, muito embora não sejam gravosas como o encarceramento, não estejam tão aquém do “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (art. 59 do CP).”
Já em uma recentemente palestra no EUA, o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, comentou sobre a possível revisão do entendimento do STF sobre a prisão antes do trânsito em julgado. Toffoli afirmou que “a decisão vai ser tomada de acordo com a maioria. É duro fazer prognóstico, se vai ser mantida ou não, porque é um enfoque diferente do que foi usado na decisão de fevereiro”.[4]
Depois de analisar o seguinte contexto, há de se observar a existência de contradição nas duas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que é a mais alta corte do país. Ora, será essa última decisão uma forma de eximir alguns futuros condenados, de cumprir inicialmente a pena em regime fechado, trocando assim, uma penalização que é consideravelmente mais gravosa, que é a prisão na própria penitenciária, pela prisão domiciliar que é mais cômoda e confortável? Para quem será que está dirigido esse benefício?
Em meios de vai e volta de decisões do STF, ora em favor do clamor público, ora contra, encontra-se uma pergunta que não quer calar: Querem prender o réu pela prática de determinada conduta típica descrita no nosso Código Penal, mas quem sustenta o nosso sistema punitivo? Se temos um valor X de despesa mensal por cada preso, quem está a bancar esse custo não seria acaso o próprio povo que clama por justiça? Eis uma pequena comparação de gastos:
Tirando uma base do ano de 2011, enquanto o Brasil investe mais de R$ 40 mil por ano em cada preso que está nos presídios federais, eles gastam uma média de R$ 15 mil por ano com cada aluno do ensino superior (cerca de 1 terço do valor gasto com detentos). Agora fazendo uma análise dos detentos de presídios estaduais, eles gastam em média R$ 21 mil por ano com cada criminoso, sendo nove vezes mais caro que um aluno do ensino médio, que gasta em média R$ 2,3 mil por aluno ao ano[5].
Há de se analisar que se somente restringir a liberdade do criminoso fosse uma solução eficaz contra os altos índices de criminalidade, o Brasil então, seria exemplo mundial em combate ao crime.
Notas e Referências:
[1] http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/02/maioria-do-stf-permite-prisao-logo-apos-condenacao-em-2-instancia.html
[2] http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf
[3] http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf
[4] http://www.conjur.com.br/2016-jul-06/stf-rediscutira-prisao-antes-transito-julgado-toffoli
[5] http://www.ultracurioso.com.br/quanto-custa-para-manter-um-preso-no-brasil-e-um-estudante-qual-e-mais-caro
. . Aicha Eroud é Acadêmica de Direito da FAFIG, Faculdade de Foz de Iguaçu. . . .
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