“Estamos em pleno mar”, Castro Alves já anunciava.
Perdidos em um espaço de limites que não respeitamos, de regras que não acreditamos, de poderes que não legitimamos.
Somos o Estado e o Estado é o limite da nossa liberdade. E, aparentemente, existe algo nesse ambiente que nos incomoda: por que não somos realmente livres?
Na verdade, talvez, o incômodo venha da aflição do porquê queremos ser livres se a convivência e a interdependência entre as pessoas nesse ambiente estatal nos traz alguns benefícios e confortos de falsas sensações de estabilidade?
Ora, é fato notório que ´ser livre´ não é possível em um Estado.
Isso porque, se compreendemos que parte da construção de um Estado é formada pela aceitação de que uma parcela de sua liberdade está sob a gestão de seus representantes estatais, normalmente, indicados pelos próprios titulares de tais liberdades, temos que o Estado é, simplesmente, a representação concreta da não liberdade e, também, o garantidor da real liberdade – paradoxalmente.
Então, estamos em um campo de uma vontade não realizável, ou, até mesmo, de desejos utópicos. Utopia que representa um outro possível paradoxo: o da eficiência estatal, que indica que o bom Estado é aquele suficiente ou proporcional.
É paradoxal pensar na atuação estatal eficiente como aquela que não atua em demasia, tampouco a que faz menos do que o esperado. Ou, talvez, seja razoável aceitar que não há paradoxo, mas, sim, um possível infinito loop temporal da eficiência proporcional como algo realmente suscetível de ser buscado e concretizado, fora dos padrões ´ótimos´ que deturpam a eficiência administrativa do serviço público.
Sim, pois o Estado que se intromete demais nas liberdades que o justifica se aproxima da tirania. Doutro lado, aquele Estado que se afasta demais de suas tarefas regulatórias, perde a razão de existir, na representação de ente que auxilia aqueles ´pseudoslivres´ que não possuem qualquer competência de gestão de suas liberdades.
Logo, o Estado existe porque não deveria existir e não deixa de existir porque precisa-se de sua existência em razão de sua incompetência de realizar o objetivo de sua criação: promover o melhor desenvolvimento intersubjetivo possível de seus partícipes.
Trata-se da assunção da incompetência humana de ser humano como um ser que deveria refletir o humano que há em si. Ou seja, o Estado é quem espelha o reflexo do homem; é como o homem se vê e se reconhece.
Nesse sentido, o Estado, obviamente, não é o cidadão, mas, o cidadão, sim, é o Estado, como o homem que, para se identificar como tal, cede sua liberdade para um ente inexistente, com uma gestão insuficiente para um futuro deficiente.
É o Estado (que vem para o chá) embriagado e, mesmo assim, nutre nossas esperanças de que, sempre após a ressaca, ajudar-nos-á nos almejados amanheceres melhores, buscados mesmo quando fraquejamos nos nossos misteres individuais e coletivos.
Nesse sentir:
“Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.”
Assim continuamos a sentir, como no ´navio negreiro´, eternizado na dor daqueles que chegaram e aqui ficaram sem liberdade mínima, mas com angústia máxima de um mundo melhor, sem dor, para suas novas gerações.
E, desse modo, a Constituição de 1988 foi forjada. Ao estabelecer a tão bravejada, mas pouco compreendida, dignidade da pessoa humana como o eixo de todas as relações desenvolvidas no Estado, a Carta Maior indicou que o caminho é de proteção, promoção e de preservação do homem e de suas próximas gerações para que o próprio Estado possa continuar a existir.
Pelo homem e para o homem, aparentemente, representaria um pedido demasiadamente fora da possibilidade do Estado. Mas, não. É, pois, evidentemente, a tarefa primordial de tal ente irreal detentor de um grandioso poder de influência no mundo real sob sua gestão, advindo de parcelas de liberdades dos cidadãos.
O que esperar, então, do Estado que ainda trata seus criadores como vassalos, com traços de súditos e indícios de escravos desprovidos de direitos fundamentais?
Nada.
Não esperamos. Agimos.
Destruímos o Estado?
Não, instruímos-lhe de quem realmente Ele é.
E, ao contrário do monarca francês que anunciava que ´l'Etat c'est moi". Agora, o Estado somos nós.
Destarte, arrumais a casa, pois a visita vai chegar.
E, sim, teremos bolo.
O Estado vem para o chá e, finalmente, Castro Alves terá razões para se orgulhar.
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