O Estado e o Bronzeamento artificial: uma questão de saúde pública    

14/08/2020

A preocupação com a beleza é um tema recorrente na esfera pública. A cada ano que passa surgem novos procedimentos estéticos prometendo diversos benefícios à estética, porém, não necessariamente à saúde. Este é o caso do bronzeamento artificial realizado sem os devidos cuidados.

De acordo com a Internacional Agency for Research on Cancer (IARC), instituição vinculada à Organização Mundial de Saúde (OMS), a exposição à raios ultravioletas está inclusa na lista de práticas e produtos carcinogênicos para humanos, indicando ainda que o bronzeamento artificial aumenta em 75% o risco de desenvolvimento de câncer de pele em pessoas que se submetem ao procedimento antes dos 35 anos, além de acelerar o envelhecimento precoce e provocar outras dermatoses[1].

Esse parecer foi confirmado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), que se mostra veementemente favorável à proibição das câmaras de bronzeamento artificial. Em 2019 a SBD, alertou que o bronzeamento artificial é proibido no Brasil e envolve situação de risco à saúde, salientando que não há maneiras comprovadamente seguras para se realizar o procedimento, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia[2]. Sobre esta questão a ANVISA já havia se manifestado através da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 26, de 09 de Novembro de 2009, estabelecendo a proibição de utilização de equipamentos para bronzeamento artificial emissores de radiação ultravioleta (UV) destinados ao bronzeamento artificial estético. 

Atenta aos procedimentos que vêm surgindo e ao cuidado necessário com a população, a administração pública, com base nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, visando o interesse da coletividade em detrimento ao direito privado, tem tomado as providencias necessárias para interditar locais que realizam a  atividade de Bronzeamento Artificial sem as devidas credenciais. A título de exemplo, podemos citar o Código Sanitário do município de São Paulo (Lei Municipal 13.725/04, artigo 118, incisos III e X e artigo 129, incisos XXIII e XXIV).

Esta medida tem sido tomada em atenção a saúde pública, uma vez que, o câncer de pele é o tipo mais comum de câncer no Brasil. Em 2019, mais de 39.000 pessoas morreram por conta de algum tipo de câncer de pele[3]. A proibição da utilização de máquinas de bronzeamento artificial, ou a imposição de condições mínimas para sua operação não se restringe somente à saúde individual e a liberdade de escolha dos usuários, tratando-se de uma questão de Saúde Pública, envolvendo a utilização de recursos do Ministério da Saúde para tratamentos.

Por conta da necessária intervenção do Estado nesses casos, vários municípios têm recebido mandados de segurança que pleiteiam a possibilidade de utilização de máquinas para o bronzeamento artificial, alegando que os estudos nos quais a ANVISA se baseia são vagos e não demonstram a efetiva relação entre o desenvolvimento de câncer de pele e a utilização de máquinas de bronzeamento. Questionando, inclusive, a possibilidade de uma resolução da ANVISA obstar o exercício profissional.  Os impetrantes alegam também que não podem suportar o ônus da suspensão de suas atividades, pois esta medida lhes causa um prejuízo financeiro enorme. 

No entanto, segundo o artigo 5°, XXXII da Constituição Federal e o artigo 1° da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, e que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe, ou deveria saber, apresentar alto risco de nocividade ou periculosidade”, conforme artigo 10 do CDC. Inclusive, a conduta consciente em executar serviços de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de Autoridade competente (artigos 61 combinado com 65, do CDC), pode até tipificar crime.

A alegação de que compete somente à União legislar sobre as condições para o exercício de profissões, somente via Lei e nunca via Resolução ou Lei Municipal, não se aplica ao presente caso, pois não se trata de impedimento de exercício profissional e sim de proteção à saúde coletiva, pois a ANVISA proíbe a utilização de determinados equipamentos de bronzeamento artificial com finalidade meramente estética.

No que diz respeito à utilização para fins terapêuticos, quando efetivamente demonstrada, não há impedimento à liberação da máquina, desde que registrada e cadastrada na ANVISA, conforme regulamento sanitário aplicado, destinado a tratamento médico ou odontológico, devidamente supervisionado. Cabe salientar que é dever daquele que disponibiliza o serviço  apresentar a documentação comprobatória da rastreabilidade das câmaras de bronzeamento artificial, assim como, o procedimento estar de acordo com o disposto na RDC nº 308/2002, referente a exigência de avaliação médica prévia ao procedimento.

Sendo assim, tem-se que é possível a realização de procedimentos de bronzeamento artificial, desde que estes sejam realizados observadas as exigências mínimas propostas pela RDC nº 308/2002[4], que regula o procedimento justamente porque este oferece um risco à saúde pública. Por fim, destaca-que que o Código de Defesa do Consumidor estabelece a proteção da vida como um de seus vetores (artigo 6º, I) observando a relação de transparência entre o consumidor e fornecedor (artigo 6º, II), na qual o consumidor deve ser alertado de todos os riscos inerentes ao procedimento que realizará.

Por fim, destaca-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento realizado em 06/12/2016 referente RESP 1.635.384-RS[5], que ratificou a resolução da ANVISA e tratou a questão do bronzeamento artificial como uma questão de saúde pública que deve sim ser regulamentada e fiscalizada, sendo que o Estado pode exercer seu poder de polícia nesses casos, visando a proteção da saúde pública. 

 

Notas e Referências

[1] Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=248723&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=proibido-o-uso-estetico-de-camaras-de-bronzeamento&inheritRedirect=true. Acesso em: 11 jun. 2020.

[2] Disponível em: https://www.sbd.org.br/noticias/sociedade-brasileira-de-dermatologia-alerta-bronzeamento-artificial-e-proibido-no-brasil-desde-2009/. Acesso em 11 jun 2020.

[3] Disponível em: https://www.sbd.org.br/dezembroLaranja/noticias/cancer-de-pele-causa-mais-de-30-mil-mortes-e-quase-400-mil-internacoes-hospitalares-no-brasil-em-dez-anos/#:~:text=Diagn%C3%B3stico%20%E2%80%93%20O%20Painel%20Oncologia%2C%20uma,(tumores)%20malignas%20da%20pele.. Acesso em 11 jun 2020.

[4] Cumpre ressaltar que, se afastada a RDC nº 56/2009, na utilização da Câmara de Bronzeamento Artificial, os profissionais Esteticistas devem atender ao disposto na RDC nº 308/2002, especialmente no que se refere à: Regularidade do Equipamento utilizado (Art. 2º, 3 e 4 e Art. 3º, alínea “j” e “k”), Avaliação Médica Prévia ao procedimento em prazo igual ou inferior à 90 (noventa) dias (Art. 1º, § 2º, I e Art. 3º, alínea “c” e “e”), Termo de Ciência (Art. 1º, § 2º, VII e Art. 3º, alínea “f”), bem como, Registros Individualizados dos Procedimentos realizados com os dados de data, frequência e duração das sessões de bronzeamento (Art. 2º, I, 1, “a” e Art. 3º, “i”), dentre outros.

[5]“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANVISA. PODER DE POLÍCIA DE REGULAMENTAR, CONTROLAR E FISCALIZAR SERVIÇOS QUE ENVOLVAM RISCOS À SAÚDE. USO DE EQUIPAMENTOS PARA BRONZEAMENTO ARTIFICIAL. PROIBIÇÃO.ILICITUDE NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO AUTÔNOMO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284/STF.REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ALÍNEA "C". NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.(REsp 1635384/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 19/12/2016)”

 

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