Recentemente, buscamos refletir acerca do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI, bem como suas características(AQUI).
Assim, dando continuidade a essa breve reflexão, passa-se a discorrer quanto aos pressupostos do referido instituto, bem como pontos considerados essenciais do ECI, esboçando seus possíveis efeitos e requisitos para o reconhecimento, a fim de delimitar o tema que se encontra em constante construção.
Diante disso, necessário se faz estabelecer a importância da delimitação das hipóteses e os limites das decisões estruturais que reconhecem um ECI, a fim de fortalecer a ideia de excepcionalidade do instrumento, sem prejudicar a vulgarização juntamente com a má compreensão deste, preservando toda a sua força de desenvolvimento e, deste modo, aperfeiçoa-se a constitucionalidade dos demais países.[1]
Quanto ao contexto colombiano, Libardo Ariza[2], afirma que haveria a configuração desse instituto em casos de violações generalizadas em conformidade com os direitos fundamentais acarretadas por uma insuficiência de políticas institucionais do Estado.
De forma mais específica, as características, de acordo com Cesar Garavito Rodriguéz[3], o qual destaca uma jurisprudência do ECI na Colômbia, envolvendo litígios estruturais com significativo número de pessoas atingidas por uma série de violações de direitos fundamentais e multiplicidade de órgãos estatais responsáveis pelas falhas estruturais no que diz respeito à implementação de políticas públicas.
Frisando ainda acerca da Corte Colombiana, julgando tal caso do deslocamento forçado de pessoas foi estabelecido alguns requisitos que deveriam ser imprescindíveis para uma configuração de qualidade do ECI, sendo elas: i) violação massiva e generalizada de grande número de pessoas; ii) prolongada omissão das autoridades no cumprimento das obrigações de garantia destes direitos; iii) adoção de práticas inconstitucionais, como a incorporação de ações judiciais como procedimento exigido para garantir os direitos violados; iv) ausência de expedição de medidas legislativas, orçamentárias ou administrativas necessárias para assegurar os direitos; v) existência nítida de um problema social cuja solução necessita da intervenção de várias entidades e de pluralidade de ações e recursos financeiros; vi) o congestionamento judicial caso todas as pessoas afetadas ingressassem com ações no Poder Judiciário.[4]
Diante dessa problemática de inconstitucionalidade – considerado até então insanável e insolúvel – era de responsabilidade da Corte Constitucional o poder da atribuição e consequentemente de estabelecer políticas públicas e alocação de recursos, aplicando sua função de forma atípica de legislar e principalmente de administrar, tal função própria do Poder Legislativo e do Executivo, para as devidas resoluções.[5]
Owen Fiss[6] define ações estruturais igualando como aquelas em que o juiz confronta a burocracia estatal no que tange aos valores constitucionais, na tentativa de reestruturar determinada instituição ou organização. O autor afirma ainda que tais ações possuem como objetivo central o funcionamento de organizações com larga escala impactando diretamente na qualidade de vida social de muitos indivíduos, sem nenhuma restrição.[7]
Ressalta-se ainda que diante deste novo modelo estrutural, no que se refere ao diálogo entre os poderes, vem sendo muito vivo em demais países que se moveram no sentido de um constitucionalismo transformativo.[8]
Ademais, importa destacar outro aspecto quanto a teoria do ECI vem ganhando corpo no Poder Judiciário brasileiro, valendo mencionar iniciativas a adoção pelo Conselho Nacional de Justiça, no sentido de organizar projeto intitulado “Cidadania nos Presídios”.[9]
O termo de abertura foi elaborado pelo Juiz Luis Geraldo Sant’ana Lanfredi, sendo que a premissa que norteia as diversas orientações constantes no memorando é, justamente, a existência do ECI. Em suma, o projeto constata que a iniciativa dos mutirões, constantemente adotadas nas diversas unidades judiciárias, são completamente ineficazes para a diminuição da população carcerária.[10]
Destaca-se que o ECI pode ser considerado como um instrumento o qual tem como finalidade precípua de coordenador de forças políticas que, apenas por si próprio, podem ser incapazes de efetivar os direitos fundamentais positivados na Carta Magna e, desse modo, como medida excepcional que o instituto pode ser aplicado pela Corte Constitucional, orientando esse grave entre interdependentes e responsabilidades recíprocas.[11]
Tal instituto possui uma certa função jurídica e de forma fundamental a função política, sendo considerado também como seu traço principal e, de acordo com César Rodriguez Garavito[12], as declarações de ECI, possuem uma finalidade prática fundamental, qual seja, a de “impulsionar o aparato estatal a elaborar, implementar, financiar e avaliar as políticas públicas necessárias para fazer cessar a violação massiva de direitos que foi declarada”.[13]
Sobretudo, analisando essa técnica como uma forma de responsabilização coletiva dos poderes e órgãos públicos, incentivando-os a alterar estruturas, corrigir falhas sistêmicas, implantando novas políticas, alocar recursos de forma conscientes, tudo para que as ilegalidades sejam sanadas com suas devidas especialidades.[14]
É seguindo essa linha de pensamento, que se deve observar o ECI, sendo uma medida jurídica estratégica, surgindo diante de situações concretas de paralisia administrativa ou até mesmo considerada como parlamentar.
Prosseguindo com o pensamento, o ECI, pode ser considerado também como um reflexo totalmente difuso de um neoconstitucionalismo que de certa forma, tenta consagrar-se, com um mecanismo de instituições governamentais, por meio do qual as várias demandas podem ser analisadas e estudadas.[15]
Deste modo, pode ser compreendido como um processo pedagógico no que tange o mundo. Todos os valores fundamentais do próprio ser humano sejam compartilhadas de forma intencional que reflete em um procedimento dialético de estudo e aprendizado em conjunto entre outros países, ressalvando os Estados e governos. Assim, possuindo uma característica pelo seu potencial transformador conforme criam-se fatores para que os impasses estruturais focados a violações de direitos fundamentais sejam esclarecidos.[16]
É muito significativo romper o pensamento no que tange as decisões e sentenças do Poder Judiciário, que corriqueiramente decide e se cumpram importantes determinações providas da lei. Entretanto, sobre as demandas estruturais, a jurisdição constitucional prefere declarar que as situações de inconstitucionalidade, decretando que os poderes públicos superem a situação de modo coletivo, mas, com a imposição de medidas abertas, tolerantes.[17]
Sendo assim, manifestado quanto aos pressupostos do ECI, buscar-se-á nos próximos dias, mesmo que de forma sucinta, discorrer de críticas e problemas quanto a sua aplicabilidade como instrumento de ressocialização.
Notas e Referências
[1] DANTAS, Eduardo Sousa. Ações estruturais, direitos fundamentais e o estado de coisas inconstitucional, p. 12. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/12258/8487>. Acesso em: 14 jul. 2021.
[2] ARIZA, Libardo José. The Economic and Social Rights of Prisoners and Constitutional Court Intervention in the Penitentiary System in Colombia. In: MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitutionalism of the Global South. The Activist Tribunals of India, South Africa and Colombia. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 129.
[3] RODRIGUÉZ, Cesar Garavito. Más alla del desplaziamento o como superar un estado de cosas inconstitucional. In: RODRIGUÉZ, Cesar Garavito (Coord.). Más alla del desplaziamento políticas, derechos y superación del desplazamiento forzado en Colombia Bogotá: Universidad de los Andes, Facultad de Derecho, Ediciones Uniandes, 2016, p. 435
[4] COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentença T-025/04. Terceira Sala de Revisão. Rel. Juiz Manuel José Cepeda-Espinoza. J, p. 71 e ss.
[5] ARIZA, Libardo José. The Economic and Social Rights of Prisoners and Constitutional Court Intervention in the Penitentiary System in Colombia, p. 129.
[6] FISS, Owen. Foreword: The Forms of Justice. Harvard Law Review. Vol. 93. nº 1. nov. 1979, p. 2
[7] DANTAS, Eduardo Sousa. Ações estruturais, direitos fundamentais e o estado de coisas inconstitucional, p. 6.
[8] PAIXÃO, Juliana Patricio da. O estado inconstitucional na saúde pública e metáfora da árvore. Rio de Janeiro. 2016, p. 40. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/biblioteca_videoteca/monografia/Monografia_pdf/2016/JulianaPatriciodaPaixao_Monografia.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2021.
[9] GRAU, Eros Roberto, Por que tenho medo dos juízes 8 Ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
[10] GROBA BANDEIRA. Regina Maria. O atual processo de escolha dos membros dos tribunais superiores. Brasília: Bibioteca Digital da Cãmara dos Deputados, 2016.
[11] PAIXÃO, Juliana Patricio da. O estado inconstitucional na saúde pública e metáfora da árvore, p. 44.
[12] GARAVITO, César Rodríguez. Más allá del desplazamiento, o cómo superar un Estado de cosas inconstitucional. In: GARAVITO, César Rodríguez (Coord.). Más allá del desplazamiento: políticas, derechos y superación del desplazamiento forzado en Colombia. Bogotá: Universidad de Los Andes, Faculdad de Derecho, Ediciones Uniandes, 2009.
[13] GARAVITO, César Rodríguez. Más allá del desplazamiento, o cómo superar un Estado de cosas inconstitucional. "un fin práctico fundamental: impulsar al aparato estatal para que diseñe, implemente, financie y evalúe las políticas públicas necesarias para cesar la violación masiva de derechos que dio lugar a dicha declaratoria”, p. 438.
[14] PEREIRA, Luciano Meneguetti. O estado de coisas inconstitucional e a violação de direitos humanos no sistema prisional brasileiro, p. 13. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/472/206>. Acesso em: 14 jul 2021.
[15] PAIXÃO, Juliana Patricio da. O estado inconstitucional na saúde pública e metáfora da árvore, p. 45.
[16] PAIXÃO, Juliana Patricio da. O estado inconstitucional na saúde pública e metáfora da árvore, p. 45.
[17] DANTAS, Eduardo Sousa. Ações estruturais, direitos fundamentais e o estado de coisas inconstitucional, p. 15.
Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações
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