As novas tecnologias desafiam toda a comunidade empresária, e não menos aos advogados. O entendimento desse mercado e o sucesso dos novos negócios, desde a origem de um projeto em uma startup, por exemplo, estão condicionados ao compartilhamento do conhecimento, de habilidades e competências entre o empresário, o advogado e o engenheiro da computação/desenvolvedores.
Trata-se da orientação consciente e eficiente do processo decisório. Não raras as vezes, quanto o empreendedor/inovador chega ao advogado/escritório, sem ter tido o acompanhamento inicial das suas operações estruturadas, encontra um caminho sem volta, com muitas externalidades negativas, custos de transação elevadíssimos e o comprometimento total da ideia/empreendimento.
Percebem-se decisões equivocadas, sobremaneira equivocadas (elevado grau), seja por não ter submetido a ideia ao crivo da análise do direito, da verificação do mercado, da etiquetação técnico-jurídico do produto ou serviço, da regulação e da análise econômica do direito. Agregue-se a isso, a desorientação quanto a proteção da ideia/projeto/software/marca/patente, e sobretudo das questões societárias e acionárias iniciais, além do comprometimento do projeto em razão da má formulação dos contratos de captação de investimentos. Enfim quando nos deparamos com a frustração dos projetos (empresa nova ou consolidada), percebe-se, que daquela equipe multidisciplinar, faltou o advogado, um erro primário.
Destaque-se, desde logo, que a profissão da advocacia, ao contrário do que muitos estão a dizer, não se fragilizará diante das novas tecnologias, pois um novo mundo ou dois mundos já se abrem (D+1) e as assimetrias informacionais aumentarão sobremaneira na nova economia cujo poder está nos dados, nas plataformas, enfim nos algoritmos. O advogado será ainda mais necessário e indispensável, não para resolver questões equacionáveis pela máquina, ou de repetição, ou de pesquisa padronizada, mas para orientar de modo criativo os processos decisórios e dar segurança a todas as estruturas jurídicas necessárias para o desenvolvimento das atividades econômicas da empresa, em quaisquer mercados, mesmo que descentralizados.
As operações estruturadas que envolverem investimentos de maior envergadura na arregimentação e tratamento de dados qualificados (de boa qualidade), performarão melhor em se tratando de matéria concorrencial. A micro e pequena empresa terão dificuldades concorrenciais em razão de dados menos qualificados, diante da diferença dos aportes e, portanto, em seus contratos. Aliás em todos os contratos de empresas de qualquer porte, a atenção do advogado deverá ser redobrada no Estado-Plataforma, onde o poder dos algoritmos ou de quem os controla estará realçado. Os algoritmos são entendidos como agentes econômicos, em que pese, inanimados e relativamente dependentes.
É por essas razões, que a união entre o empresário, o advogado, o cientista/desenvolvedor e todas as demais competências em torno dos projetos empresariais e da nova empresa, tecnologicamente integrada, será fundamental para o desempenho positivo, ancorado nas seguintes premissas:
a) Atendimento da racionalidade jurídica (padrão legal = previsibilidade).
b) Atendimento da racionalidade econômica (lucro).
c) Atendimento da responsabilidade ambiental, social e governança (ESG, cujos critérios são aderentes aos ODSs).
Veja! O advogado robô, a exemplo do Ross (em que pese a sua capacidade de leitura), não substituirá o advogado (pessoa natural), servirá a este, ao qual (humano) caberá a soberania das decisões e das revisões.
A Web3 desafia o direito e por consequência a advocacia, no caso aqui, o foco é a advocacia empresarial.
Tradicionalmente a área do direito não tem a mesma velocidade, em termos de legislação, para acompanhar os avanços tecnológicos, incluindo-se, aqui, os profissionais do direito não tão habituados com programas ou conteúdos formativos voltados às habilidades e competências exigidas pelo mundo cibernético. Encaixa-se, aqui, e nessa mesma problemática, o mercado da advocacia empresarial, isto porque, as empresas estão sendo emburradas para novas formas de gerir as suas atividades econômicas, diante da aceleração do mundo digital. Desacompanhar tendências repercute em crise frente à concorrência.
Deste modo, exercer liderança no mercado exigirá, cada vez mais, capacitação continuada diante das novas formas de se pensar o mundo. Para o mercado do direito empresarial isso não é diferente, pois auxiliar o empresário a tomar as decisões mais eficientes e racionais dependerá, no curto prazo, da capacidade cognitiva de interagir em diferentes ambientes e tecnologias, a exemplo do Blockchain e do Metaverso ou Metaversos (diversas plataformas).
É certo que a empresa é liderada, e a advocacia também têm líderes, sem os quais as atividades cessam.
Como diz Andrea Iorio, em podcast promovido pela Oi Soluções[i]: a web1 surgiu com o nascimento da internet, como ferramenta para digitalizar a informação, sob o controle e poder dos algoritmos, destacando-se aqui, o domínio pelo google. Já a web2 chegou com as redes sociais e sua tecnologia voltou-se à digitalização de pessoas e suas relações, encontrando no smartfone o ambiente de maior propagação, e cujo domínio foi do facebook. Por sua vez, a Web3 irá digitalizar o mundo como um todo, lugares, pessoas e coisas, que serão legíveis por máquinas e estarão sujeitos ao poder dos algoritmos, e a diferença marcante aqui é que você poderá criar conteúdo, consumir e ser dono dele, mas quem dominará esse universo? Como diz Iorio, provavelmente ninguém e todos ao mesmo tempo. Com a Web3 as tecnologias serão descentralizadas como o Blockchain, com interface no metaverso, tokens fungíveis, como as criptomoedas e NFTs, impulsionando o surgimento de novas organizações, a exemplo das DAOs (Decentralized Autonomous Organization – Organização Autônoma Descentralizada).
Em aparte, para trazer essa realidade à advocacia, observe-se: enquanto você caminha pelo Parque Barigui — Curitiba-PR (e obviamente se assim desejar), com seus óculos de sol, será possível estar conectado (internet 5G) recebendo informações em tempo real sobre as peculiaridades do caso submetido ao seu Escritório, sobre o segmento do mercado que o envolve, as características do Cliente e até o perfil psicológico dos gestores da empresa e dos sócios, em se tratando de um caso que envolva a empresa. Ao mesmo tempo, será possível acessar instantaneamente o perfil da contraparte, dos seus advogados e até mesmo do juiz, juízo ou tribunal (judicial ou arbitral) a que está ou será submetido o caso concreto. Entender e conectar tudo isso, é o grande desafio da Advocacia Inovadora.
Enquanto advogados parecia distante pensar em um contrato inteiramente criado, firmado e executado por meio da tecnologia Blockchain (os smart contracts). Percebeu-se o contrário, pois os contratos inteligentes já estão espraiados, inclusive no cotidiano de nossas vidas. É certo que estaremos a serviço, construindo contratos inteligentes onde couber, a exemplo de alguns contratos de adesão, de peculiaridades próprias adaptáveis, e irretratáveis, com o uso das plataformas e a tecnologia Blockchain para inseri-los e firmá-los.
Genevieve bem observa: “como o Direito enfrentará a questão relativa aos contratos completos e incompletos, em função da irretratabilidade dos smart contracts, é questão a ser experienciada, sopesada e maturada. Numa possível concepção, compreendendo-se o Blockchain como alternativa, negociantes podem escolher esta estrutura de governança, dentro da linha da autonomia da vontade, assumindo riscos decorrentes das imperfeições e da irretratabilidade tendo como contrapartida a redução dos custos de transação”[ii].
Ainda, no contexto da interação retratada, nos termos acima, outra questão de alta indagação surge, o da Inteligência Artificial (IA) aplicada. Ainda em 1950, o cientista da computação, Alan Turing, elaborou um teste, cuja premissa era: “se um ser humano conversa com uma máquina por cinco minutos sem perceber que ela não é humana, o computador passa no teste”. Tal experimento serviu de base para o que hoje se chama “Inteligência Artificial” (AI), pois se vislumbrava a possibilidade de uma máquina imitar o pensamento humano[iii].
Para efeito ilustrativo, e levando-se em consideração o ambiente tecnológico existente e emergente, por analogia as evoluções da web, foi possível avançar o raciocínio a partir de 4 (quatro) pressupostos, a saber:
1) O mercado não espera — O Cliente bate a nossa porta. O Direito Empresarial está no epicentro. Nossas soluções ao mundo ou aos dois mundos estarão ancoradas na autonomia privada. O direito costuma desacompanhar tendências, mas não está imune a essa revolução tecnológica.
2) Advocacia 1.0 e 2.0 — Para dar eficiência aos problemas jurídico-empresariais combinamos o uso da racionalidade jurídica (um padrão para revestir o negócio de previsibilidade) com a racionalidade econômica (maximização do proveito = lucro).
3) Advocacia 3.0 — Para dar eficiência aos problemas jurídico-empresariais aprimoramos o uso da racionalidade jurídica e econômica, devendo-se agregar a capacidade cognitiva para bem transitar na Web3, onde as tecnologias serão descentralizadas como o Blockchain, com interface no metaverso, tokens fungíveis, como as criptomoedas e NFTs, como destacado acima (Andrea Iorio).
4) Inteligência Artificial (IA) — A máquina pode aprender e gerar novos conhecimentos. Ela é preparada para uma etapa suplementar à automação, e toma decisões (nem sempre controláveis – distintas da intenção original, e por vezes, comprometidas pelo viés).
Os pontos 1, 2 e 3 já foram tratados acima, e resumidos, e continuarão sendo avaliados no contexto. Por outro lado, sobre a IA, 4ª premissa eleita, cabem considerações adicionais, a saber: As máquinas nos surpreendem, segundo Turing, pela capacidade de entregar resultados distintos da programação ou da intenção original. Para ele isso não é inteligência, mas aleatoriedade[iv].
A dinâmica do cérebro é altamente modulável, não é uma cadeia de informação linear que leva diretamente ao resultado previsível, segundo o neurocientista Robert Lent, in Dora Kaufman[v].
Para Andrew Ng, também citado por Kaufman, “a inteligência artificial que atualmente permeia aplicativos, plataformas on line, sistemas de rastreamento e de reconhecimento facial, diagnósticos médicos, modelo de negócio, redes sociais, plataformas de busca, otimização de processos, chatbots e mais uma infinidade de tarefas automatizáveis é apenas um modelo estatístico de probabilidade de dados, ‘anos-luz’ distante da complexidade do cérebro humano”[vi].
Em um Estado baseado em dados e informações, a identificação de bases tendenciosas desafia os analistas. Isto porque, o problema do viés nos resultados dos sistemas de inteligência artificial, gradativamente, tem sensibilizado a sociedade. São múltiplas as origens do viés, desde a geração dos dados até as escolhas dos desenvolvedores[vii].
A repercussão de bases tendenciosas no processo decisório é enorme, pois carrega para o negócio assimetrias nem sempre equalizáveis no momento da formalização.
É certo que o viés e a opacidade/caixa-preta (a máquina apresenta resultados não explicáveis pela ciência), atraem variáveis de incerteza nos modelos estatísticos de probabilidade e de senso comum. É, portanto, indispensável o auditamento dos dados pelas agências reguladoras, em especial, nos setores mais sensíveis (saúde, educação, meio ambiente, segurança, dentre outras)[viii].
Atualmente, é senso comum que a IA se desenvolve por meio de duas técnicas[ix]: machine learning ou aprendizado de máquina, utilizam redes neurais e sistemas de computador com nós interconectados para fazer as vezes de neurônios humanos e deep learning ou aprendizado profundo que se utilizam de grandes redes neurais com diversas camadas de aprendizado/processamento, com maior potencial para aprender padrões mais complexos e com maior velocidade.
Cabe, aqui, estabelecer um pequeno paralelo entre a máquina e o ser humano. A máquina, pela percepção humana, pode apresentar maior velocidade para processar dados e resultados instantâneos, por outro lado, está longe de realizar tarefas como ser humano fosse, tanto de interação e relação, como de capacidade criativa, de inteligência e de decisão.
O Robô Sophia, desenvolvido pela empresa Hanson Robotics, é composto de um dos sistemas mais sofisticados de IA do mundo, no entanto, não chega a tangenciar a complexidade do funcionamento do cérebro biológico. O aprendizado humano depende de um grande número de neurônios, que formam circuitos complexos e são responsáveis pela estrutura cognitiva e comportamental[x].
Kaufman, ao citar a obra “o cérebro aprendiz” do neurocientista Robert Lent, esclarece que cada ser humano tem 86 bilhões de neurônios, e cada neurônio recebe cerca de 100 mil sinapses (o que representa 8,6 quatrilhões de circuitos mutáveis continuamente). A partir da décima semana de gestação, por exemplo, a produção de novos neurônios chega a atingir a velocidade aproximada de 256 mil novas células por minuto. O tempo que pesquisadores chineses levaram para estudar as conexões de 135 mil neurónios de uma mosca foi de 10 anos. Estima-se em 17 milhões de anos para fazer o mesmo procedimento com o cérebro humano[xi].
Deste modo, a IA ainda não foi capaz de atingir a riqueza de possibilidades da interação entre humanos. A IA hoje é fundamentalmente dotada de modelos estatísticos que, baseados em dados, calculam a probabilidade de eventos ocorrerem. Russell prefere chamar de máquinas benéficas que atingem objetivos humanos, e podem encontrar melhores soluções que os seres humanos. Por outro lado, crítico da expressão, diz que máquinas inteligentes, por enquanto, somente no campo da ficção[xii].
Logo! A capacidade cognitiva e criativa do ser humano, é tão ampla e com tantas possibilidades, que decisões de cunho subjetivo e de análise comportamental (até mesmo de valoração da prova), continuará reservada aos humanos, dotados de consciência e, portanto, percebem a realidade das coisas no contexto social a que estão inseridos.
Entende-se que a legislação não será impeditiva para os avanços dessa tecnologia, pois a depender do tipo de barreiras legais (e a regulação deve ser mínima, pontual), descartaríamos o Waze que programa itinerários, a Sofia, assistente virtual o TJBA, os robôs Victor e Athos (Tribunais Superiores), que auxiliam na distribuição de recursos e avaliação de temas repetitivos, o Sniper do Programa Justiça 4.0 que propicia investigação patrimonial e recuperação de ativos, a Netflix na identificação de preferências e filmes pelo perfil do usuário, músicas pelo Spotify, os assistente virtuais, como a Siri (Apple) e a Alexa (Amazon), os smart contracts, e até mesmo os robôs a serviços dos advogados/consumidores, e disponibilizados por startups (Lawtechs e Legaltechs), que prestam auxílio e trazem insumos, por exemplo, aquelas dedicadas ao monitoramento de fraudes societárias, de investigação patrimonial, dados de jurimetria, automação de documentos, portais com informações jurídicas, gestão de escritórios e até mesmo design de petições.
A Emerj, The AI Research and Advisory Company, avaliando empresas e ofertas no campo jurídico, indicam seis categorias principais de aplicação da IA, a saber:
-Due diligence: os litigantes realizam due diligence com a ajuda de ferramentas de IA para descobrir informações básicas; - Tecnologia de previsão: um software de IA gera resultados para prever a solução do litígio; - Análise jurídica: os advogados podem usar pontos de dados de jurisprudência anterior, taxas de ganhos/perdas e o histórico de um juiz para serem usados para tendências e padrões; - Automação de documentos: os escritórios de advocacia usam modelos de software para criar documentos preenchidos com base na entrada de dados; - Propriedade intelectual: as ferramentas de IA orientam os advogados na análise de grandes portfólios de propriedade intelectual e na obtenção de insights do conteúdo; e Faturamento eletrônico: as horas faturáveis dos advogados são computadas automaticamente[xiii].
Como visto a IA já faz parte do dia a dia e continuará sendo útil, e a regulação paulatina, enquanto mínima, deverá levar em conta, dentre outros valores, questões éticas e morais. Outro ponto de destaque, diz respeito a riqueza das relações humanas, do contato entre as pessoas e do estímulo constante para um mundo mais inclusivo, e ambientalmente sustentável.
Sobre a regulação da IA no Brasil, destacam-se, a princípio, três Projetos de Lei (PL 21/2019, PL 5051/2019 e PL 872/2021). Foi instalada uma Comissão de Especialistas trabalhando nesse assunto, com a Relatoria da Profa. Laura Schertel Ferreira Mendes, da Universidade de Brasília (UNB), encarregada do anteprojeto para regular a inteligência artificial.
No dia 20 de outubro de 2022, no Senado Federal, foram apresentadas as linhas gerais do texto final, com os seguintes destaques: direitos fundamentais, dados pessoais, modelo regulatório, governança multissetorial, responsabilização, ética, discriminação, transparência e explicabilidade, pesquisa, desenvolvimento e inovação, educação, capacitação e trabalho, inteligência artificial na administração pública, mineração de dados, direitos autorais e outros assuntos[xiv].
O tratamento do assunto por especialistas é fundamental, pois a interlocução direta do legislador com os criadores, desenvolvedores e cientistas da computação seria demorado e as soluções certamente ineficientes do ponto de vista do direito.
No âmbito do Poder Judiciário existem pelo menos 111 projetos de IA nos Tribunais Brasileiros, identificação derivada do Programa Justiça 4.0[xv]. Cabe destacar a Resolução CNJ nº 332/2020 que dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e uso da inteligência artificial, e a Portaria 271/2020 que de fato regulamentou o uso da IA no âmbito do Poder Judiciário. Para o CNJ, são considerados como de inteligência artificial os projetos voltados a: I – criar soluções para automação dos processos judiciais e administrativos e de rotinas de trabalho da atividade judiciária; II – apresentar análise da massa de dados existentes no âmbito do Poder Judiciário; e III – prover soluções de apoio à decisão dos magistrados ou à elaboração de minutas de atos judiciais em geral.
Observe-se que não há qualquer delegação do poder judicante para a máquina, até porque tal desiderato encontraria óbice no princípio constitucional do juiz natural, ressalvando-se, ademais, que não se mostra viável a tomada de decisões estruturadas pela máquina, salvo de cunho analítico-repetitivo testado.
A plataforma Sinapses, disponibilizada pelo CNJ em parceria com o TJ de Rondônia, foi eleita para recepcionar e concentrar projetos deste segmento, otimizando recursos em razão do compartilhamento (parágrafo único, artigo 4º da Portaria 271/2020).
Por sua vez, enquanto não há uma regulação mais detida, abrangente e de âmbito nacional sobre o uso da IA (por mínima que seja, e apenas pontual para não desestimular a tecnologia benéfica), muitos projetos estão em desenvolvimento. Todavia, atividades econômicas relevantes não esperam pela regulação, sendo primordial o acompanhamento dos projetos por profissionais da área do direito para o fim de estabelecer limites éticos, morais e de regulação, porventura, já inseridos no âmbito da norma jurídica, mesmo que pulverizada e estravagante.
A compreensão sobre os limites e as premissas para o uso pacífico da IA é fundamental, até porque experimentos, a exemplo do projeto de iniciativa da Neuralink, de Elon Musk, que promete conectar a mente humana a uma máquina, deverá passar pelo crivo da legislação reguladora, para o fim de aferir potenciais riscos e impactos na saúde dos participantes, e no modo de viver em sociedade[xvi] .
É por essas e outras razões que se propôs uma leitura a partir de inteligências combinadas entre o empresário, o advogado e o cientista da computação. O direito, enquanto legislação específica até pode não acompanhar tendências, mas esse acompanhamento é feito pelos advogados, e cujas soluções não dependem necessariamente da regulação, mas do mercado enquanto instituição social espontânea.
A Lei 13.874/2019, ao declarar os direitos da liberdade econômica, trouxe repercussões importantes para o dia a dia da advocacia na prática empresarial. Com alterações e acréscimos no Código Civil, a interpretação dos negócios jurídicos levará em conta a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (CC, art. 113), e deve lhe atribuir o sentido que: for confirmado pelo COMPORTAMENTO das partes posterior à celebração do negócio; corresponder aos usos, costumes e PRÁTICAS DO MERCADO relativas ao tipo de negócio; corresponder à boa-fé; for MAIS BENÉFICO À PARTE QUE NÃO REDIGIU O DISPOSITIVO, se identificável; e corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da RACIONALIDADE ECONÔMICA DAS PARTES, consideradas as INFORMAÇÕES disponíveis no momento de sua celebração.
A potencialidade da autonomia privada foi realçada no parágrafo 2º do referido artigo 113 do CC, ao estabelecer: “As partes poderão LIVREMENTE pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei”.
Por sua vez, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro já havia convergido, de igual forma, com o uso da Análise Econômica do Direito (AED), a partir da entrada em vigor da lei 13.655/2018, ao acrescer que: “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.
Conclui-se que uso aprimorado da AED (Análise Econômica do Direito) continuará sendo uma das principais ferramentas para aplicação preventiva e para a solução de casos que envolvem as novas tecnologias. Enquanto que, as competências combinadas (empresário, advogado e cientista/desenvolvedor), responderão melhor, e de forma mais eficiente, para com as atividades produtivas decorrentes das novas tecnologias. Por sua vez, a intervenção do Estado/Juiz/Legislador no mercado, depois da regulação primária (atribuição das premissas e dos limites para o uso da inteligência artificial), somente caberá para corrigir falhas de mercado, decorrentes do abuso do poder econômico, das assimetrias informacionais, dos custos de transação elevados e de externalidades negativas relacionadas a esse ou aquele projeto, essa ou aquela iniciativa.
Notas e Referências
[i] Episódio de Podcast (Ep. 101). O meta-líder: Inteligência Artificial, Web3, Metaverso e o novo estilo de liderança. Disponível em <https://open.spotify.com/episode/2FFTwCIDLfvoxm7ByJeup1?si=hZcn2JzeQiCIwrm0KWEgLg&utm_source=whatsapp&nd=1>. Acesso em 15/10/2022.
[ii] PAGANELLA, Genevieve Paim. Blockchain e Governança Empresarial: Aspectos econômicos e jurídicos. São Paulo, Dialética, 2021, p.171.
[iii] <https://atozofai.withgoogle.com/intl/pt-BR/turing-test/>. Acesso em 01/11/2022.
[iv] KAUFMAN, Dora. Desmistificando a inteligência artificial. Belo Horizonte: Autêntica, 2022, p. 31.
[v] KAUFMAN, Dora, p. 35.
[vi] KAUFMAN, Dora, p. 36.
[vii] KAUFMAN, Dora, p. 46.
[viii] KAUFMAN, Dora, p. 46.
[ix] D’Arc, Tânia. O que é inteligência artificial. Disponível em <https://www.smarthint.co/o-que-e-inteligencia-artificial-exemplos/>. Acesso em 01/11/2022.
[x] KAUFMAN, Dora, p. 28.
[xi] KAUFMAN, Dora, p. 28-29.
[xii] KAUFMAN, Dora, p. 31-32.
[xiii] FAGGELLA, Daniel. AI in Law and Legal Practice – A Comprehensive View of 35 Current Applications. <https://emerj.com/ai-sector-overviews/ai-in-law-legal-practice-current-applications/>. Acesso em 01/11/2022.
[xiv]<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/10/20/inteligencia-artificial-ja-tem-esboco-de-regulacao>. Acesso em 01/11/2022.
[xv] <https://www.cnj.jus.br/justica-4-0-inteligencia-artificial-esta-presente-na-maioria-dos-tribunais-brasileiros/>. Acesso em 15/10/2022.
[xvi] <https://canaltech.com.br/saude/neuralink-projeto-de-elon-musk-preocupa-especialistas-208223/>. Acesso em 31/10/2022. Por Nathan Vieira, editado por Luciana Zaramela. Fonte citada: The Daily Beast.
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