Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira
A CRIAÇÃO DE PAINEL PARA GERENCIAMENTO DAS AÇÕES COLETIVAS NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ instituiu através da Resolução nº 339/2020 norma para criação de Núcleo de Ações Coletivas (NAC) e implantação de cadastros destas ações no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho, nos Tribunais Regionais Federais e no Trabalho e nos Tribunais de Justiça dos Estados e no Distrito Federal.
Visa a Resolução nº 339/2020 o tratamento escorreito das ações coletivas, conferindo uniformidade na gestão das ações coletivas, promoção de estudos sobre a efetividade das decisões judiciais, formação para a realização de políticas administrativas, judiciais e formativas relacionadas às coletivas e métodos adequados de solução de conflitos.
O NUGEPNAC possui outrossim a finalidade de auxiliar os órgãos julgadores na gestão do acervo de ações coletivas; informar ao CNJ os dados e informações solicitadas; manter atualizado o Cadastro Nacional de Ações Coletivas; e manter, na página do tribunal na internet, os dados e contatos atualizados de seus integrantes, visando a integração entre os tribunais do país e a interlocução com o CNJ.
No Tribunal de Justiça do Estado do Pará o NAC foi criado e passou a funcionar conjuntamente com o NUGEP, o que em atendimento a mencionada resolução passou a se chamar NUGEPNAC, conforme a Resolução nº 6/2021 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Desenvolvidas as metas do Planejamento Estratégico para atender os macrodesafios elencados, deve-se referenciar a de nº 6 relativa a Consolidação dos Sistemas de Precedentes Obrigatórios, buscou-se através do emprego de tecnologia o desenvolvimento de Painel capaz de suprir demanda no acompanhamento das ações coletivas em trâmite no TJPA, chamado de Painel de Gerenciamento de Ações Coletivas.
Os processos em transcurso possuem diversos dados que uma vez tratados de forma interoperacional, permitem alimentar o Painel de Gerenciamento de Ações Coletivas e daí extrair informações que permitam melhor condução dos feitos, observar a existência de coisa julgada ou litispendência, verificar se há mais de uma demanda coletiva com diferentes legitimados ou mesmo informações como a baixa.
Não bastasse o tratamento da matéria coletiva, é necessário observar que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, previstos na Agenda 2030, aos quais o Poder Judiciário Brasileiro aderiu, elencam uma série de obrigações que guardam forte intimidade com a essência dos direitos coletivos, especialmente o objetivo 16.
Apesar de as informações colhidas serem de painéis do CNJ que trazem dados meramente quantitativos[1] (identificam apenas a quantidade de ações coletivas que ingressam no Poder Judiciário sem mostrar se realmente são direitos coletivos ou são direitos individuais acionados via ações coletivas, se foram julgadas procedentes ou foram extintas[2]), essa é uma primeira percepção, numérica, sobre a análise das ações coletivas no Estado do Pará a partir de dados que podem ser utilizados para construir os novos rumos para efetividade da tutela coletiva em território paraense.
Diante disso, pode-se extrair a conclusão de que para se aferir a efetividade do sistema de ações coletivas o acesso e o resultado devem ser analisados. O que importa não é simplesmente ter acesso a um tribunal, mas, calcado em garantias do devido processo legal, obter a tutela efetiva dos direitos transindividuais, lesados ou ameaçados de lesão. Assim, o acesso à justiça não se esgota somente com a propositura da ação no Poder Judiciário. Se a tutela jurisdicional não tiver meios para assegurar e realizar suas decisões, não adiantará o ingresso, tendo em vista a inefetividade do acesso à justiça e ao direito[3].
Expandir a efetividade da tutela coletiva é proporcionar que o Poder Judiciário alcance a resolução de inúmeras controvérsias em um único processo, atingindo número maior de jurisdicionados e evitando a propositura de milhares de ações individuais. Além e mais importante é sua função de ser instrumento de concretização de direitos humanos de excluídos, vulneráveis e marginalizados que não conseguem ter a cidadania reconhecida diante da omissão pública ou particular na atuação dos direitos fundamentais, individuais e sociais, assegurados pela Constituição da República, o que revela uma função prospectiva das ações coletivas, por meio da qual a atuação jurisdicional pode provocar uma verdadeira promoção dos direitos metaindividuais[4].
Durante os trabalhos e reuniões visando a implantação do Painel de Gerenciamento de Ações Coletivas estabeleceu-se a necessidade de implantação a partir de uma Vara piloto para análise de como a implementação do Painel irá influenciar no tratamento das ações coletivas.
A Unidade Judicial piloto deverá identificar as ações coletivas e seus recursos, quais dados qualificados são necessários à alimentação do Painel de Gerenciamento de Ações Coletivas, como titulares do direito, legitimados, questão submetida a julgamento, inclusive prevenindo fatos como coisa julgada, litispendência, continência ou conexão, amplamente prováveis pela abrangência da ação coletiva.
Para melhor atendimento, as Unidades Judiciais de Segundo Grau que porventura estejam processando os recursos estarão vinculadas no atendimento do projeto.
Promovidas as ideias desenvolvidas nas reuniões, no dia 19/10/2022, a presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará baixou a Portaria n. 3861/2022 atendendo o desenvolvimento do projeto de implantação do Painel de Gerenciamento de Ações Coletivas a partir da 5ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Belém para funcionar como unidade judiciária piloto, titularizada pelo juiz de Direito Raimundo Rodrigues Santana, local em que se desenvolverá as atividades de identificação, seleção, gerenciamento e tratamento das ações coletivas de seu acervo.
A Portaria nº 3861/2022 alinha-se aos reclamos do Conselho Nacional de Justiça por efetividade na prestação jurisdicional, especialmente no processamento das ações coletivas, com emprego de recursos tecnológicos, sem prejuízo de evoluções posteriores à medida em que houver a alimentação dos dados e seu aproveitamento pela unidade judiciária piloto.
O desenvolvimento do Painel deu-se integralmente no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, pelo Departamento de Planejamento, Gestão e Estatística (DEPGE), com apoio da Secretaria de Informática, a partir do uso de Power BI, extraindo dados locais para alimentação do Painel, que será hospedado em local próprio.
Aliou- se, assim, a inovação não só tecnológica, mas de ideias originadas de forma horizontal e consensualizada.
Demonstra-se, portanto, que o uso de recursos tecnológicos é ordem do dia do Poder Judiciário, exemplo dos esforços para evoluir a gestão de processos, monitorando o seu tratamento e favorecendo a efetivação de direitos, notadamente os conhecidos como difusos, coletivos e individuais homogêneos, segundo classificação legal, como traço de um Poder republicano e democrático, cujos esforços se voltam ao atendimento focado na satisfação das necessidades sociais submetidas a julgamento.
Notas e Referências
[1] Acerca da crítica da ausência de dados qualitativos no Poder Judiciário, Ivo Teixeira Gico Jr reflete: “Todavia, tal análise é extremamente difícil de ser realizada, pois os Tribunais brasileiros não possuem bancos de dados adequados, nem uniformizados 3), sobre as ações em curso, as partes litigantes, as teses defendidas, nem os fundamentos das decisões que permitam hoje realizar tal investigação a baixos custos”. Cf. GICO JÚNIOR, Ivo Teixeira. A tragédia do juduciário. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 267, p. 163-198, set./dez. 2014. p. 169-170.
[2] Os dados qualificados das ações coletivas são os previstos na Recomendação do CNJ nº 76, de 8.9.2020 (art. 4º)
I- o(s) grupo(s) titular(es) do(s) direito(s) coletivo(s) objeto do processo coletivo, com a identificação e delimitação do(s) beneficiário(s); II – a legitimação e a representatividade adequada do condutor do processo coletivo; III – as principais questões de fato e de direito a serem discutidas no processo; e IV – a existência eventual de conexão, continência, litispendência ou coisa julgada, em relação a outras demandas coletivas ou individuais e a possibilidade e conveniência de suspensão das ações individuais correlatas. Cf. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 76, de 8 de setembro de 2020. Dispõe sobre recomendações a serem seguidas na gestão dos processos, em termos de ações coletivas, no âmbito do Poder Judiciário. Brasília, DF: CNJ, 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3462. Acesso em: 8 jun. 2022.
[3] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Bases para uma atual teoria geral do processo: as técnicas processuais a serviço do acesso à justiça como tutela jurisdicional adequada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 301.
[4] VENTURI, Elton. Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil: perspectivas de um código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 126.
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