O DIREITO MÉDICO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO  

24/10/2018

Coluna Substractum / Coordenadores Natã Ferraz, Juliana Jacob e Luciano Franco

 

A cada dia nos deparamos, com mais frequência, com a relação entre as ciências médicas e jurídicas, que, não obstante, à primeira vista, pareçam completamente distintas, se suplementam e complementam em diversas ocasiões.

Falar sobre direito médico nos remete à ideia de direito à saúde, integridade física e vida, resguardando-se um direito mínimo existencial universal. Entretanto, não pode ser analisado dissociado da noção da reserva do possível, que nos remete ao estudo da ausência de imputação ao médico da qualidade de garantidor universal, de modo que a medicina é uma ciência inexata, não se podendo afirmar a cura em qualquer situação.

Para tanto, doutrina e jurisprudência buscam encontrar um ponto de convergência, no qual, se garanta direitos fundamentais básicos aos seres humanos, sem desconsiderar o trabalho, através de hipóteses, da ciência médica, de modo que alguns entendimentos e teorias merecem atenção.

1- Do erro médico: obrigação de meio ou de resultado

Primeiramente, insta salientar que nosso ordenamento jurídico divide a responsabilidade civil em subjetiva e objetiva, de modo que essa dispensa a comprovação dos requisitos, dolo ou culpa, ao passo que aquela considera como requisito para apuração da responsabilização o animus de causar o dano, ou mesmo, a imprudência, negligência ou imperícia da conduta.

Nesse diapasão, tem-se que a responsabilização do médico é dita como subjetiva, sendo indispensável a comprovação de dolo ou culpa. Destarte que, não obstante se possa haver conduta dolosa por parte do médico, quando se fala em erro médico, o enfoque se torna a imprudência, negligência e/ou imperícia. Nesse sentido (GOMES; FRANÇA, 1998, parte IV):

Erro médico é o dano provocado no paciente pela ação ou inação do médico, no exercício da profissão, e sem a intenção de cometê-lo. Há três possibilidades de suscitar o dano e alcançar o erro: imprudência, imperícia e negligência. Esta, a negligência, consiste em não fazer o que deveria ser feito; a imprudência consiste em fazer o que não deveria ser feito e a imperícia em fazer mal o que deveria ser bem feito. Isto traduzido em linguagem mais simples.

Sendo assim, constatando a indispensabilidade de se apurar o elemento subjetivo, questiona-se, ainda, sobre a aplicabilidade de se entender a obrigação do médico como de meio ou resultado.

Traçando um breve comentário sobre essas figuras, tem-se que a obrigação de meio é observada quando uma parte da relação compromete empregar seus conhecimentos para atingir certo resultado, sem, no entanto poder responsabilizar-se por ele, como ocorre, em regra com a relação médico paciente, que se empenha na utilização das técnicas postas a sua disposição, contudo, sem poder garantir a cura, em decorrência de cada organismo reagir de uma forma ao tratamento empreendido.

Turno outro, a obrigação de resultado se refere ao caso em que a parte que se comprometeu a um resultado, só se exonera desse ao conseguir atingi-lo. Aqui vale ressaltar, para a maioria da doutrina e jurisprudência, o caso do médico especialista em cirurgia plástica estética. Corroborando com esse entendimento (JUNIOR, 2016, p.139):

Se o risco foi assumido pelo contratante (paciente), cumpre-lhe provar a culpa do contratado (médico) pelo dano. Esta é a obrigação de meios. Por outro lado, se o risco é assumido pelo contratado (médico), cumpre a este, para eximir-se de responsabilidade, provar que o inadimplemento da obrigação assumida decorreu de fato que escapou de seu âmbito possível de atuação, quer seja por culpa do contratante, quer seja por caso fortuito ou força maior. Esta é a obrigação de resultado.

Portanto, em regra, tem-se que o médico tem a garantia de que somente será responsabilizado em caso de que sua conduta tenha decorrido de imperícia, imprudência ou negligencia, e não pelo simples fato do resultado indesejado, bem como, em regra, só haverá responsabilização se demonstrado que não houve uso das técnicas postas a disposição, de modo que ocorreu falta de cautela por parte do profissional e não mero resultado, porém vê-se que no caso da cirurgia plástica estética, o efeito não buscado, por si só, pode acarretar um pleito de ressarcimento.

Através da exposição supracitada, em alguns casos, o paciente se via desamparado em virtude de que, por sua hipossuficiência técnica, não conseguia demonstrar o possível efeito prejudicial da conduta médica.

Sendo assim, buscou-se um maior equilíbrio da relação, concedendo ao médico a garantia de que (salvo exceção) não poderia ser responsabilizado por suas condutas - de meio - (quando empreendidas técnicas suficientes), e ao paciente uma hipótese de abrandamento da possibilidade de ressarcimento, criando-se a Teoria da perda de uma chance.

 

2- Da teoria da perda de uma chance

Ao traçar breves comentários sobre a Teoria da Perda de uma Chance, se mostra de extrema importância seu conhecimento e possíveis aplicabilidades na seara médica jurídica, de modo se tornar possível o recebimento de uma indenização, independente do resultado final, bastando que haja a chance séria e real, e não mera possibilidade, de dano.

Assim, para se evitar seu uso desarrazoado, para maioria da doutrina e jurisprudência, só é aplicada em caráter subsidiário e apenas em casos de erro grosseiro do médico, evitando um grande acervo de ações judiciais muitas vezes descabidas acarretando uma “indústria do dano moral”, garantindo um plus ao direito do paciente, que consegue pleitear indenizações em casos até então não abarcados pela teoria subjetiva e obrigações de meio, mas, sem atentar-se contra a respeitabilidade da profissão médica, que temeria sua atividade, em virtude de ser irrealizável a cura em determinadas circunstâncias.

Entretanto, merece guarida salientar que há entendimentos favoráveis no sentido de que a mera falta de informação do médico, ou mesmo, um sério risco a vida (considerando seu valor constitucional e fundamental) já ensejaria a aplicação dessa teoria.

Portanto, inconteste que, no decorrer dos anos, com a globalização, estreitando as relações, através da celeridade das comunicações e facilidade na busca de informações (verídicas ou inverídicas), o ser humano tem se tornado mais consciente de seus direitos e mais exigente quanto à responsabilização dos atos praticados contra si (não obstante constatam-se inúmeros excessos, com uso do processo judicial como forma de buscar locupletamento), de modo que o profissional médico, precipuamente, por lidar com direitos fundamentais indisponíveis da coletividade, deve buscar atentar-se para essa nova realidade social.

 

3- Do gerenciamento de risco e o direito à informação – Full Disclosure

Como forma primordial de se evitar, ou mesmo solucionar, uma questão judicial envolvendo médico e paciente surgiu o gerenciamento de risco, buscando melhoria dos serviços, através da satisfação do paciente e seus familiares, bem como se atentando para os possíveis focos de ações judiciais.

Apesar da existência de vários métodos e condutas a serem utilizados no gerenciamento de risco, no presente ensaio, enfatiza-se o direito constitucional à informação (Full disclosure), tanto repassadas ao paciente com clareza, evitando-se termos técnicos de difícil compreensão, quanto mantendo o acervo documental completo, respaldado no consentimento escrito, expresso e consciente do paciente sobre possíveis efeitos colaterais, circunstancias, consequências, responsabilizações, dentre outros requisitos analisados no caso concreto, buscando trazer o paciente para participar efetivamente de seu tratamento, para que haja um maior equilíbrio na relação e, consequentemente, menor frustração e insatisfação.

 

Conclusão

Através desse breve ensaio, buscou-se enfatizar a importância da relação médico jurídica, considerando a dinamicidade da vida social, precipuamente, considerando a era da globalização, do fácil acesso a informações e da maior conscientização da população.

Buscou-se dissertar sobre o equilíbrio que deve nortear a relação, de modo que o paciente não fique desamparado em virtude da negligencia, imperícia ou imprudência quanto aos seus direitos fundamentais à vida, à saúde e à integridade física, mas também, se evitar a “indústria do dano” com demandas judiciais desarrazoadas.

“Que os médicos se confortem: o exercício de sua arte não está em perigo; a glória e a reputação de quem a exerce com tantas vantagens para a Humanidade não serão comprometidas pela culpa de um homem que falhasse sob o título de Doutor.” Procurador-Geral Dupin.

 

Referências Bibliográficas:

DINIZ, Maria Helena Diniz. O estado atual do Biodireito. 3ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. 8ª ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2011.

GOMES, Júlio Cézar Meirelles; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro Médico in Iniciação Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

GOMES, Nathália Christina Caputo. A saúde humana: Uma análise interligada das ciências médicas e jurídicas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 145, fev 2016. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16825>. Acesso em abr 2017.GOMES, Nathália. Direito Médico e a Teoria da perda de uma chance e perda de tempo útil. Disponível em: http://www.amodireito.com.br/2016/07/direito-medico-e-teoria-da-perda-de-uma-chance-e-perda-de-tempo-artigo-de-nathalia-gomes.html. Acesso em abr 2017.

-JÚNIOR, Waldemar Antônio das Neves; ARAÚJO, Laís Záu Serpade; REGO, Sergio. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.), CFM, 2016.

 

Imagem Ilustrativa do Post: healthy clinic doctor // Foto de: pixabay.com // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/healthy-clinic-doctor-health-42273/

Licença de uso: https://www.pexels.com/creative-commons-images/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura