O Direito Internacional dos Conflitos Armados: O Paradoxo entre o Direito Internacional Humanitário e o Direito Penal do Inimigo  

22/09/2018

Inúmeros filmes de guerra retratam nos conflitos armados, exércitos beligerantes combatendo com força total e extrema violência, com o único objetivo da vitória. É bem verdade que o militar não deseja a guerra, todavia o mesmo é preparado física e psicologicamente à exaustão para o combate, onde a derrota não é uma opção.

Porém, até mesmo no teatro de operações, há regras internacionais as quais todo combatente[i] deve seguir no sentido de travar uma “guerra limpa”, em que pese os países signatários destes tratados interenacionais se comprometem formalmente a seguir tais regras, sob pena de sofrer punições internacionais[ii].

Dentre outros tratados, há aqueles proibindo o uso de armas químicas e biológicas, quais sejam: a Convenção de Haia[iii] (1899) e o Protocolo de Genebra[iv] (1925), sendo que muitas vezes estes tratados internacionais não são respeitados, a exemplo da guerra Irã-Iraque (1980-1988), onde foram utilizadas contra civis.

É a partir da Guerra do Golfo (1990-1991) que os militares começam a se preocupar com os vários efeitos colaterais da guerra e, através das mudanças das estratégias de guerra, utilizam diferentes meios de ataque ao inimigo de modo a causar o menor número de vítimas possíveis, evitar ao máximo as baixas entre os civis, preocupando-se em destruir alvos estratégicos do complexo industrial-militar e, evitando portanto, a destruição dos chamados patrimônios da humanidade.

Se por um lado as forças regulares dos Estados muitas vezes são acusadas de usarem força desproporcional e promoverem ataques indiscriminados contra civis e militares, por outro lado temos a convalescência e, em alguns casos, até mesmo o apoio destes Estados ao conflito armado, no sentido de armar grupos de não combatentes[v], ou seja, aqueles que não são militares profissionais que fazem parte das Forças Armadas regulares de um país.

Quando isso ocorre, com Estados como o Afeganistão, Paquistão, Irã, Síria, Coreia do Norte, somente para citar os mais em evidência no cenário internacional, armam e treinam civis, os quais passam a atuar como grupos paramilitares, formando grupos de terroristas, rebeldes, insurgentes ou guerrilheiros os quais, obviamente, por não serem militares, não estão protegidos pelas leis de guerra internacionais.

Assim sendo, quando são vitimados por ataques aéreos ou emboscados pelas forças regulares inimigas ou até mesmo capturados, não podem avocar direitos internacionais para prisioneiros de guerra[vi], ficando tão somente protegidos pelos tratados de direitos humanitários.

Em que pese este fator determinante de que estes grupos não são forças regulares e profissionais, acabam por se prevalecerem de certa vantagem quando em comparação com os exércitos profissionais, basicamente sobre dois aspectos: o primeiro diz respeito ao fato de que como não são militares, não utilizam uniformes e, portanto, misturam-se facilmente entre a população civil da região em conflito, dificultando assim sua identificação. Outro fator é se dá pelo fato de em não sendo militares, não estão sujeitos às leis de guerra, o que lhes dá a visão destorcida de que podem utilizar de meios proibidos de combate, tais como o uso indiscriminado de minas terrestres[vii] e, mais recentemente, como foi amplamente difundido pela mídia internacional, a decapitação de prisioneiros como forma de guerra psicológica para minar e aterrorizar o inimigo.

Mesmo depois de um século da I Guerra Mundial e após mais de 70 anos do término da II Guerra Mundial, no que tange ao tratamento degradante dado aos prisioneiros de guerra, nada foi extraído como aprendizado no sentido de não se repetir os mesmos erros do passado.

É justamente por conta deste tipo de ação ilegal e imoral que faz com que muitos militares profissionais acabem se questionando no campo de batalha se devem seguir as normas e tratados internacionais de guerra os quais estão sujeitos, pois além de não estarem combatendo militares regulares, pensam estar lutando contra grupos de assassinos, os quais não tem nenhuma consideração pelas vidas humanas, nem respeito aos mortos, vilipendiando seus cadáveres.

Na esfera do Direito Internacional há duas modalidades de direitos antagônicos, ou seja, o conceito do jus in bello o qual concede prerrogativas aos combatentes diretamente envolvidos em conflitos armados determinando como as guerras podem ser combatidas e, o jus ad bellum, o qual determina como as guerras podem ser empreendidas, ambos pertencentes ao direito consuetudinário internacional e reconhecidos através de tratados e resoluções da ONU.

Com o desencadeamento dos ataques terroristas de “11 de setembro” aos EUA, o governo americano, como forma de coibir futuras agressões, adota o conceito do jurista alemão Günter Jakobs, chamado Direito Penal do Inimigo, de forma unilateral, de modo a impor aos terroristas e governos que os apoiam, uma forma de punição, fazendo prevalecer sua opinio juris, mesmo que para isso, ignorem os tratados internacionais.

Enquanto a comunidade internacional através dos organismos da ONU e do TPI não apresentarem uma alternativa para salvaguardar a simetria dos direitos de guerra dos militares profissionais quando combatendo não militares, deve prevalecer o pensamento do Direito Penal no Inimigo, pois estes combatentes irregulares não foram convocados e recrutados por nenhum Estado, portanto estão agindo por conta própria e, assim sendo, estão assumindo o risco, em sendo capturados, de perderem seus direitos.

 

 

Notas e Referências

[i] Para que um combatente seja protegido pela Convenção de Genebra, este deve envergar um distintivo fixo (no ombro ou no peito), ser uniformizado, deve portar abertamente as suas armas, representando uma Força ou Estado e agir de acordo com o Direito Humanitário Internacional. A exceção se dá para as Forças Especiais e Comandos, pois caso sejam capturados em ação sem uniforme, não tem direito às proteções previstas para prisioneiros de guerra, pois soldados que não usam seus uniformes não estão combatendo lealmente.

[ii] O Tribunal Penal Internacional é responsável pelo julgamento e condenação de indivíduos suspeitos de cometer crimes contra os direitos humanos. O Tribunal Internacional de Justiça é responsável pelo julgamento e condenação de crimes cometidos por Estados, sendo que ambos detêm mandato instituído pelo art. 92 da Carta das Nações Unidas.

[iii] Também conhecido por Direito de Haia. É constituído por acordos internacionais que proíbem ou regulam a utilização de armas, estabelecendo os direitos e deveres dos beligerantes durante as operações militares, estabelecendo limitações aos meios empregados para causar danos aos inimigos.

[iv] Precursor da Convenção de Genebra de 1949, a qual estabelece normas para a proteção de vítimas dos conflitos armados, objetivando salvaguardar e proteger as vítimas, quais sejam: membros das Forças Armadas fora de combate, feridos, doentes, náufragos, prisioneiros de guerra, população civil e demais pessoas que não participaram ou deixaram de participar dos conflitos.

[v] São considerados os civis comuns e podem ser alvejados a qualquer momento, não estando, portanto, protegido pela Convenção de Genebra.

[vi] O Art. 5º, III da Convenção de Genebra, encerra em si o tratamento que deve ser dado aos prisioneiros de guerra, sendo que, dentre outros, os mesmos não podem trabalhar, tem que ser dignamente alimentados, não podem ser assassinados e não podem ser usados para desarmar minas.

[vii] O Tratado de Ottawa (Convenção Sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e Sobre sua Destruição), passou a vigorar em 1997, tendo sido assinado por 157 países. Este tratado proíbe o uso, a produção, a estocagem e a transferência de minas terrestres antipessoais.

 

Imagem Ilustrativa do Post: brown wooden gavel close up photography // Foto de: rawlpixel // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/brown-wooden-gavel-close-up-photography-1415558/

Licença de uso: https://www.pexels.com/photo-license/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura