Podemos ser definidos de muitos modos. Aqui, agora, para mim, somos um complexo bioquímico. Um complexo bioquímico que se recompõe a si mesmo quando sofre alterações no seu estado emocional.
Ou talvez seja o contrário: bem podemos nos ver como um complexo bioquímico que, em sendo provocado por determinadas situações externas, reage, alterando-se, afetando o seu estado emocional.
Suponho que sejamos ambas as possibilidades em permanente afetação recíproca: um complexo bioquímico variável e uma condição emocional instável. Esses dois estados interagiriam permanentemente entre si e com o meio.
Como estado emocional todos nos admitimos. Temos pelas emoções uma conta elevada, como se fosse um apanágio, um valor definidor da condição humana. Quem não tem emoções não teria sentimentos, não seria humano.
Emoção é coisa vista como algo do “coração”. Bem, emoção é uma manifestação orgânica. É que temos essa herança platônica, acredita-se na dualidade corpo e mente. Mas nós somos um corpo-que-pensa.
Somos uma complexidade ambulante contida num espaço organizado que se chama corpo. Essa complexidade move-se, pensa (algumas pensam-se), sente, emociona-se, ama. Aliás, amor é uma emoção.
Amor é uma emoção que objetifica outro alguém. Estamos tomados de emoção amorosa quando dirigimos nosso anseio para outra pessoa e a fazemos objeto desse sentimento. Nós a queremos.
Esse querer gera alterações no complexo bioquímico que somos. Ou alterações no complexo bioquímico que somos produz esse querer. Ou ambas as coisas são uma só. Ou se desencadeiam concomitantemente, “dialeticamente”.
Quando o lance acontece, produz oxitocina. Ou a produção de oxitocina faz com que a coisa aconteça. Importa saber que a oxitocina é um hormônio que se acrescenta ao complexo bioquímico enquanto perdura o amor. Ou vice-versa.
Então, sob oxitocina, já não comandamos muito nossa vontade. O amor, parece, nos faz um tanto irracionais. Em estado de amor, ou estamos tomados de emoção, ou estamos tomados por um hormônio. É questão não resolvida.
Não sou bioquímico, mas se vale um “causo” que me foi contado, narro-o: a mulher percebeu que o “seu” homem perdeu o “interesse”. Providenciaram uma injeção de oxitocina. O amor voltou.
Voltou mas sumiu em breve tempo. Ou mais injeção, ou nada. O casal foi sensato. Cada parte se foi da outra. Acontece que muitas vezes acaba a vontade “interna” de um casal, e se despertam vontades por “externos”.
Vontade por “externos” é normal, mas os casais a sacrificam pelo que chamam de fidelidade amorosa, o que denomino monogamia, porque não há monotesão. A coisa se arrasta, se houver alguma oxitocina circulando.
Muitas vezes, com pouca oxitocina (desejo escasso), mas com a ajuda de tadalafila (viagra) a coisa vai. Se não houver vontade, a sildenafila (um “eretor”) faz o homem pegar no tranco. A mulher, se quiser, “concede”.
Nessas alturas as partes amorosas já estão se aturando. Alguns o fazem em nome de valores relevantes (filhos, companhia terna, bens, aparência social etc). Outros se aturam numa nutrição doentia de ódio.
Ódio também é hormônio. Ou o hormônio gera o ódio, ou o ódio gera o hormônio. A relação é raiva, cortisol, estresse, mas não sei a ordem dos acontecimentos. Sei que isso mantém a relação afetiva (ódio é afeto).
Filósofos pensaram o amor, ou divagaram sobre ele. A bioquímica e a endocrinologia o investigam. As religiões o enquadraram, constrangendo corpos. As ambições normativas trouxeram contornos jurídicos à relação amorosa.
As dificuldades do Direito para tutelar o amor estão às vistas. As normas apenas resolvem suas violências derradeiras. Nos processos que desmancham relações as partes se insultam a si e ao seu contrato nupcial.
É impraticável dar molde jurídico às coisas do querer. É insensatez buscar garantia legal para a relação amorosa. A sua legalização burocratizou o afeto, circunscreveu o sexo, contratou o tesão. O corpo vai desobedecer.
Imagem Ilustrativa do Post: Two Lovers // Foto de: Timothy Tolle // Sem alterações
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