O Direito e a organização do amor – Por Léo Rosa de Andrade

07/06/2015

A eternização de uma organização de convivência de pessoas pede a perpetuação do modo vigente de organizar a convivência de pessoas. Seja: para que tudo sempre fique como está hoje, tudo tem que se manter organizado do jeito que se encontra. Se mexer na organização das coisas hoje, a coisas não serão iguais amanhã.

Isso parece óbvio e é óbvio. Mas não é tão percebido. Olhe-se o formato de família ainda predominante. As famílias têm-se mantido iguais por tanto tempo porque sistemas de poder, como igrejas, mídias, direito e as próprias famílias investem para que o modelo vigente produza e reproduza as famílias como elas são.

As pessoas não vêm a família tradicional como uma simples maneira de arranjar a convivência, mas como natureza ou emanação divina. Pensa-se que esse modo de constituir a família é assim por que assim sempre foi. Dificilmente se compreende que essa forma é uma arrumação social modificável.

Com o afrouxamento das rédeas religiosas sobre a sociedade, houve mais folga na formatação das maneiras de viver afetos. As pessoas passaram a se compor e recompor em múltiplas formas de família. O patriarcado monogâmico, compromissário da relação eterna entre dois sexos, perde acentuadamente prevalência.

Para indignação dos conservadores, corpos masculinos trocam carinhos em público; um par de mulheres passeia com a filha; a televisão traz beijos homoafetivos; um livro faz sucesso entre crianças e adolescentes: ele narra a história de dois príncipes que se descobrem e dispensam a princesa.

Um horror: o pecado impera sobre o pudor; a desvergonha se impõe sobre os bons costumes. Ainda bem, é verdade: não havendo crença religiosa incidente sobre as vontades, o pudor não faz repressão sexual; se os costumes já não são tão patriarcais, não há vergonha em viver abertamente outras formas amorosas.

Está-se, pois, desestruturando a célula mater da sociedade? Bem, a família tradicional está ainda bastante forte, mas já não é o único meio social humano de organizar o amor. A família convencional já concorre com outros arranjos afetivos; jeitos, nem piores, nem melhores, mas diferentes de viver.

Maria Berenice Dias: “As pessoas querem ser felizes, amar quem quiserem. Quando nada é reconhecido, gera invisibilidade com consequências perversas. Está havendo todo esse alargamento de conceitos da família. Uma inclusão, um reconhecimento. No fundo, soluções éticas. Ou seja, atribui responsabilidade a quem assume.

A Justiça começou a reconhecer estruturas formadas à margem do casamento. Toda tentativa de amarrar as relações vivenciais dentro de um determinado padrão deixa as pessoas fora da tutela jurídica do Estado. O juiz supre a lacuna da lei, acha uma saída, analogia, princípios constitucionais.”

Há reações, o conservadorismo religioso se articula no Congresso. Esse embate faz parte do processo de mexer nas coisas presentes para que as coisas futuras mudem. Coraci Pereira da Silva: “Estamos passando por uma quebra de paradigma. Mudanças exigem tempo e amadurecimento da mentalidade das pessoas.

A família deixou de ser uma unidade de caráter econômico, social e religioso para se tornar um grupo de afetividade e companheirismo.” Alfredo Homsi: “Qualifica-se pela diversidade, decorrente da busca pelo afeto e pela felicidade, desvinculando-se do conceito tradicionalista e passando a aceitar sua variedade de constituição.”

As citações, eu as edito, a primeira de http://migre.me/q53Aa, e as duas últimas de http://migre.me/q55fo. São reportagens de Julia Affonso no Blog de Fausto Macedo. Vale ler os textos. Palavras lúcidas mostram como as pessoas mesmas e o Direito vêm, amorosamente, franqueando a reorganização do amor.                                                                        


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