O DIREITO DO CONSUMIDOR E A VULNERABILIDADE DE DADOS A LUZ DA NT35/2021

26/08/2022

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

A conduta abusiva na oferta e concessão de empréstimos consignados por instituições financeiras, passou a ser motivo de investigação e até mesmo sanções aplicadas aos mesmos. A abordagem nociva por telefone a idosos aposentados e pensionistas do INSS e o número expressivo de reclamações foram motivo de uma Nota Técnica de número 35, nela temos a noção exata da vulnerabilidade de nossos aposentados, os quais diante da facilidade de ganhos rápidos, fornecem seus dados e movimentam todo um mercado financeiro ávido por seus dados (SENACON, 2022).

Em setembro de 2003, surgem as normas de autorização, desconto, consignação em folha de pagamento, empréstimo, operação financeira, financiamento, arrendamento mercantil, concessão, empregado, servidor, a qual em seu Art. 5º, III nos relata que:

“Art. 5º Para os fins deste Decreto, são obrigações do empregador:

I – Prestar ao empregado e à instituição consignatária, mediante solicitação formal do primeiro, as informações necessárias para a contratação da operação de crédito ou arrendamento mercantil, inclusive:

III – efetuar os descontos autorizados pelo empregado em folha de pagamento e repassar o valor à instituição consignatária na forma e prazo previstos em regulamento.

§ 3º A liberação do crédito ao mutuário somente ocorrerá após:

I – A confirmação do empregador, por escrito ou por meio eletrônico certificado, quanto à possibilidade da realização dos descontos, em função dos limites referidos no art. 3º;

II – A assinatura, por escrito ou por meio eletrônico certificado, do contrato entre o mutuário e a instituição consignatária;”

Essa medida foi convertida na Lei n. 10.820, em 17 de dezembro de 2003. Conforme o Art. 1° da referida lei, na qual vemos que:

“Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.”          

Viu-se crescer a oferta rápida de dinheiro a trabalhadores necessitados e endividados por meio de empréstimos consignados que sugeriam uma forma rápida para quitação de dívidas antigas, adquirindo uma nova, a qual à primeira vista, inocente, pois seria descontada em longas prestações no salário e com parcelas até então reduzidas.

O crédito consignado se apresenta como um valor sem grandes riscos é um negócio seguro para os bancos, uma vez que os trabalhadores não têm a escolha do não pagamento, pois o dinheiro não lhes chega, é transferido diretamente do fundo público para os bancos (MOURA, 2016).

Contudo, para que isso ocorresse, o colaborador necessitaria dar sua anuência por escrito ou por meio eletrônico certificado, do contrato entre o mutuário e a instituição consignatária, fato este que passaremos a questionar mais à frente. Insta informar, que a princípio somente bancos públicos possuíam esta autorização, porém bancos privados de igual forma passam a ganhar esta autorização e vemos o início de uma grande corrida aos trabalhadores e pensionistas.

Os aposentados surgem neste mercado, visto as suas perdas salariais e anos sem qualquer aumento de seus benefícios e com a MP 130/2003 vem a oportunidade para aquisição de bens, remédios e até mesmo serviços. Contudo uma lacuna surge no que tange a segurança ao que preceitua o Art. 5º, § 3º, II da MP 130 e 6º da referida lei.

“Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Lei 10.820/03)”

Vale lembrar que a Autarquia possui uma Instrução Normativa de número 28 de 16 de maio de 2008, na qual o benefício do crédito consignado está disponível somente para aposentadorias de qualquer espécie e pensões por morte, não aplicando este produto bancário a benefícios como: renda mensal vitalícia por invalidez ou idade, pensão mensal vitalícia do seringueiro, pensão alimentícia e o Benefício de Prestação Continuada-BPC, hoje os BPCs também já podem adquirir os consignados.

O sucesso do empréstimo consignado entre aposentados e pensionistas do INSS se dá principalmente devido a taxa de juros oferecida por estes, a qual se apresenta bem inferior as taxas praticadas por outras modalidades de empréstimos, outro aspecto a ser levado em conta dá se ao fato do pagamento das parcelas serem vinculadas ao desconto direto na fonte, o que de certa forma praticamente impossibilita a inadimplência por parte dos colaboradores, uma ideia magnifica e o surgimento de um problema de dimensões estratosféricas.

A evolução tecnológica propiciou toda uma gama de agilidade de informações e negociações. Contratos antes assinados de forma presencial passaram a ser aceitos de forma digital e esta crescente evolução nos força sempre, para que obtenhamos produtos e serviços, termos que informar nossos dados pessoais. Dados esses que entram em um câmbio negro de financeiras, bancos, telemarketing e afins.

Para termos uma ideia, a Senacon - Secretaria Nacional do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, multou o Banco BMG em R$ 5,1 milhões pelo uso indevido de dados pessoais de consumidores idosos. Os dados teriam sido utilizados para fraudes financeiras, como a oferta abusiva e contratação de empréstimos consignados. A Secretaria entendeu que o banco infringiu dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, por não exercer o seu dever de vigilância e de fiscalização das atividades realizadas por seus correspondentes bancários.

De igual forma o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, multou em R$ 8,8 milhões ao Banco Pan S.A., infração aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor sobre ofertas e contratações de empréstimos consignados. De acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, que apurou a infração, a instituição financeira não exerceu de forma aplicada o seu dever de vigilância e de fiscalização das atividades realizadas por seus correspondentes bancários, que praticaram abusos aos consumidores mais vulneráveis. O departamento responsável pelo início da ação contra o banco identificou a utilização indevida de dados pessoais dos aposentados, violando as normas de proteção ao consumidor, visto que eles não eram informados desse uso.

Diante de todo o exposto vemos que a NT 35 vem ratificar o que de fato todos já sabemos, apesar do Art. 4º do CDC, caput e I e III o qual nos reporta ao atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos (...) nos deparamos com uma outra realidade, nossa segurança se tornou fictícia e estamos à mercê de empresa famintas contratos sem a anuência do consumidor.

Não obstante, vemos que o banco em tela e até mesmo os demais prevalecem-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para imprimir-lhe seus produtos ou serviços; derrubando o que preceitua o Art. 39 do CDC, já que os beneficiários do INSS são os preferidos. Afinal contribuímos a vida toda e quando almejamos a famosa paz social nos vemos sendo perturbados com ligações, que absurdamente segundo a SENACON já atingiram o patamar, para um único idoso o número de três mil ligações.

Quem freará estas empresas que rasgam a Constituição Federal? CDC, Lei Geral de Proteção de Dados, CC dentre outras. Hoje, estamos vendo um número extraordinário de idosos endividados e vivendo em estado de miserabilidade. Dessa forma, concluímos com o Artigo do Dr Catalan, menos leis, melhores leis, que precisamos de melhores Leis, não leis em demasia. Elas em excesso se tornam ineficazes, precisamos preparar melhor os advogados e políticas públicas eficientes para combatermos essa luta de “Davi e Golias” e enfim, consigamos ter de fato o respeito ao consumidor com papel preponderante dentro de qualquer relação.

  

Notas e Referências

BERCOVICI, Giberto. Parecer sobre a inconstitucionalidade da Medida Provisória da Liberdade Econômica (Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019). Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico. Belo Horizonte, a. 8, n. 15, p. 173-202, mar./ago. 2019.

CATALAN, Marcos. A morte da culpa na responsabilidade contratual. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2019.

CATALAN, Marcos. Menos leis, melhores leis: brevíssimas digressões acerca da medida provisória 925/2020 e como ela despoticamente provoca a desproteção dos consumidores no Brasil. Revista IBERC v. 3, n. 2, p. 23-36, maio/ago. 2020.

SENACON, Secretaria Nacional do Consumidor. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acesso em 3 de agosto de 2022.

 

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