Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
Muito se fala na imprensa, principalmente a esportiva, que determinado jogador de futebol está com os “direitos de arena”, ou os “direitos de imagem” atrasados.
Certamente, aos operadores do direitos e fãs do futebol em geral, fica sempre a dúvida, sobre as características e principais diferenças entre os dois institutos, que integram a remuneração da maioria dos jogadores profissionais de futebol, principalmente aqueles de destaque, que atuam nos grandes clubes do país.
O primeiro deles, chamado “direito de arena”, decorre da comercialização – no caso do futebol, pelos clubes – dos direitos de transmissão de seus jogos, popularmente conhecidos como “direitos de televisão”.
Segundo o artigo 42, da Lei 9.615/1998 – a famosa “Lei Pelé” –, os clubes devem repassar aos sindicatos de atletas profissionais o equivalente a 5% da receita proveniente da exploração de referidos direitos audiovisuais, cabendo à entidade sindical, a seu turno, a sua distribuição aos atletas profissionais que participaram daquele evento, tanto na qualidade de titulares, quanto na qualidade de reservas. Tal montante é um mínimo garantido pela “Lei Pelé”, podendo as Convenções Coletivas de Trabalho atribuírem porcentagem superior.
Outro aspecto muito importante, é que a “Lei Pelé”, com a alteração trazida pela Lei 12.395/2011, sacramentou que o direito de arena possui natureza civil, muito embora a jurisprudência dominante até então, reconhecesse sua natureza salarial, na forma da Súmula nº 354 do Tribunal Superior do Trabalho. Desta forma, todos os valores recebidos pelos atletas após a entrada em vigor de tal dispositivo legal, não mais refletem nas demais verbas salariais recebidas em razão do contrato profissional, haja vista a fixação de sua natureza indenizatória. Nesse sentido, precedente do C. Tribunal Superior do Trabalho:
(...) DIREITO DE ARENA - PERÍODO CONTRATUAL QUE ANTECEDEU A LEI Nº 12.395/2011- NATUREZA JURÍDICA - REDUÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO FIXADO EM LEI - IMPOSSIBILIDADE O acórdão regional está de acordo com a jurisprudência desta Eg. Corte no sentido de que, no período anterior à edição da Lei nº 12.396/11, que alterou o art. 42, § 1º, da Lei Pelé, deve ser reconhecida a natureza salarial do direito de arena, bem como a invalidade da pactuação que reduz o percentual mínimo fixado em lei para o cálculo da rubrica. Julgados. (...)
(ARR - 613-08.2013.5.09.0028 , Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 07/03/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/03/2018) Grifos
Desta forma, verifica-se que o direito de arena não está relacionado à veiculação da imagem individual do atleta, mas sim à exposição de sua imagem enquanto partícipe daquele determinado evento futebolístico. Ademais, o direito de arena também é devido quando da participação do clube em competições internacionais (v.g. Copa Libertadores da América), onde, mesmo sendo a competição organizada por uma entidade internacional – neste caso, a CONMEBOL –, o clube recebe determinado valor pelos direitos de transmissão da competição.
Já de outro lado, temos a figura jurídica do “direito de imagem”. Esse sim, de forma oposta ao direito de arena, é devido apenas e tão somente quando o clube explora a imagem individual do atleta, consagrado de forma genérica no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal c/c artigo 20 do Código Civil, e mais especificamente, para atletas profissionais, no artigo 87-A da “Lei Pelé”.
O contrato de imagem deve ser pactuado individualmente pelo atleta profissional – ou por pessoa jurídica que detenha direitos sobre sua imagem –, juntamente com a entidade esportiva, residindo neste aspecto uma das principais diferenças entre o direito de arena e o direito de imagem.
Com efeito, enquanto o primeiro é de observação obrigatória, isto é, tendo o atleta participado daquela determinada partida, terá direito ao seu recebimento, o segundo é opcional, sendo firmado apenas quando a entidade esportiva tiver interesse na exploração da imagem pessoal daquele determinado atleta.
Outra diferença entre tais institutos, é que o direito de arena possui um valor mínimo já fixado pela norma legal – qual seja, 5% da receita, salvo disposição coletiva – ao passo que o direito de imagem é de livre pactuação entre as partes.
Além disso, e da mesma forma que no direito de arena, a “Lei Pelé” determina que o direito de imagem possui natureza civil, ou seja, não está atrelado ao salário, pelo que seu pagamento não possui reflexo nas demais verbas salariais percebidas pelo atleta.
Contudo, por ser de natureza voluntária – e por poderem as partes pactuá-lo da forma que melhor lhes convir – por vezes o contrato de imagem é utilizado como forma de fraudar os direitos trabalhistas do atleta, o fisco e a previdência social, sendo nele inserida grande parte da remuneração, como forma de esvaziar o contrato de trabalho e seus reflexos daí decorrentes.
Logo, uma vez verificado que o contrato de imagem foi celebrado com tal propósito, este pode ser declarado nulo pela Justiça do Trabalho, conforme predispõe o artigo 9º da CLT, ocasião em que a entidade desportiva deve cumprir com as obrigações legais daí correlatas, conforme precedente do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
ATLETA PROFISSIONAL (JOGADOR DE FUTEBOL). DIREITO DE IMAGEM. RECONHECIMENTO DE FRAUDE NO PAGAMENTO. NATUREZA SALARIAL RECONHECIDA. Não é crível que o pagamento efetuado ao atleta profissional, a título de direito de imagem, seja o dobro do salário pago para o mesmo participar de eventos desportivos disputados pelo Clube, restando evidente a dissimulação salarial havida, visando substituir o salário por outra forma de contraprestação pelos misteres desempenhados como jogador de futebol, evitando assim, a repercussão nas verbas contratuais e nos encargos fiscais e previdenciários. Devida, por conseguinte, a integração reconhecida na origem.
(RO 1000090-03.2013.5.02.0471. Rel. Des. VALDIR FLORINDO. 6ª T. Publicado em 26/08/2014) Grifos
Desta forma, apontamos tratar-se de institutos legais com natureza distinta, sendo o primeiro de cumprimento obrigatório, decorrente da receita percebida pela entidade esportiva com a transmissão dos eventos, enquanto o segundo decorrente de livre acordo entre a entidade e o atleta, fruto da exploração de sua imagem.
Imagem Ilustrativa do Post: Pelotas 0 x 1 Ypiranga // Foto de: Esporte Clube Pelotas // Sem alterações
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