O DIREITO CONTRATUAL PARA AKAKI AKAKIÉVITCH

17/07/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenação Marcos Catalan

O capote, de Nikolai Gógol, é um conto do qual podemos associar a diversos fatores que podem ser encontrados até hoje em meio à sociedade, retratados na obra no dia a dia do personagem principal, Akaki Akakiévitch, como por exemplo, a hipocrisia social, perceptível no momento em que Akaki adquire seu novo capote e os homens que trabalhavam com ele na repartição “mudam” a forma de enxerga-lo, o tratando quase que amistosamente, sendo que anteriormente ele era motivo de chacota em seu ambiente de trabalho; os aspectos sociais, retratados nas passagens da obra das quais são citadas as dificuldades que a personagem principal tivera passado para conseguir dinheiro para subsequentemente adquirir seu capote novo e também na busca por justiça quando seu capote novo fora roubado, retratando os diferentes tipos de influências na pirâmide de poder da qual Akaki corre atrás em busca de solidariedade, chegando até o personagem citada como “personagem importante”, da qual na obra apenas com um discurso maldoso e atroz humilha Akaki, que teve como maior objetivo demonstrar seu alto nível de poder ao irmão, que estava ali presente no momento do diálogo dos dois. Akaki não conseguiu se recompor após esse ultraje, esse acontecimento então ficou marcado como um estopim para o falecimento do personagem.

Da questão da relação da obra com os contratos, é possível extrair alguns aspectos, dos quais ocorrem em meio ao cenário destacado por Gógol. O primeiro deles, que é também o principal objetivo do direito contratual, é a função social do contrato, por tratar de questões como o individualismo e o voluntarismo e pela ideia da implementação de uma humanização das relações e da tentativa de conter a desigualdade entre os indivíduos, criando avanços nas atividades econômicas dentro da sociedade e nas tecnologias relacionadas, determinando o progresso como inevitável. Outro princípio que pode também ser citado é o da boa-fé objetiva, da qual pode ser encontrada no Código Civil de 2002, no artigo 113, que diz que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e no artigo 422, acentuando que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A boa fé é introduzida no código civil como uma forma de autodefesa nos contratos, salvaguardando os indivíduos nele envolvidos de serem atingidos por condutas que se afastem de uma perspectiva idealizada de lealdade, o que não deixa de demonstrar a preocupação com a individualização nas relações jurídicas, protegendo a integridade e o patrimônio das partes.

Sob uma perspectiva mais direta, ou até mesmo individualizada do direito contratual sob a obra de Nikolai Gógol, um acontecimento que pode ser enquadrado como central do conto é também um contrato de compra e venda, pois, no momento em que Akaki Akakiévitch adquire o seu novo capote, ele pactua um contrato com o seu alfaiate, que entrou como um fornecedor nessa relação. Por mais que o contrato tenha sido verbal ele tem seu valor, é válido desde o momento da compra do capote por Akaki e seria válido até hoje, assegurado pelo artigo 107 do nosso Código Civil de 2002.

Quanto ao ponto da morte de Akaki, fica uma questão que certamente tem mais do que uma resposta: “qual foi o motivo da morte da personagem?” Sabe-se que Akaki morreu devido a uma doença não especificada no conto, mas que foi agravada ou até mesmo causada por um fato, fato esse que pode ser definido como uma “transgressão de um dos princípios que regem os contratos”, talvez não só de um desses princípios exclusivamente, mas de dois ou mais simultaneamente, transgressão essa que explica a negligência social que Akaki sofre, o que podemos perceber observando que em nenhum momento os pedidos de ajuda para recuperar o seu capote que fora roubado são atendidos, quanto mais alto o cargo do indivíduo maior é a dificuldade de encontrar qualquer solidariedade, cada passo que Akaki decidiu tomar em busca de justiça apenas resultou em decepções ou até mesmo humilhações. Foram esses os fatores que causaram a morte da personagem, que pouco a pouco foram desgastando-o e “tomando suas energias”, agravando seu estado físico e mental de forma abruptamente negativa e criando essa possibilidade de podermos criar ideias e reflexões mediante a essa obra tão impactante quanto ao quesito associação com o direito contratual brasileiro.

 

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