O direito à igualdade, direito à diferença e direito à diversidade: conceitos e diferenças

13/06/2018

Coluna Substractum / Coordenadores Natã Ferraz, Juliana Jacob e Luciano Franco

Sílvia Gabriel Teixeira[1] 

Hoje há um grande debate sobre os avanços ao direito à diversidade e o tanto ainda que devemos caminhar para a efetivação desses direitos. As reportagens que são vinculadas hoje nos meios de comunicação utilizam os termos que vão da igualdade à diversidade. Este pequeno texto visa estabelecer a diferença dos conceitos, para ao final concluir qual é realmente a nossa luta.

A lógica presente na modernidade é a distinção entre “nós”, homens brancos, europeus e civilizados, e “eles”, os que não se encaixam no padrão estabelecido. Criando-se os dualismos presentes em nosso cotidiano: mulher/homem, rico/pobre, civilizado/selvagem, socialismo/capitalismo, bem/mal, ocidental/oriental, etc., onde um é melhor que o outro. Mas também direitos foram conquistados e posteriormente positivados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, onde ganha-se destaque igualdade que ganha status de princípio orientador presente nos sistemas jurídicos ocidentais[2]. As contradições e ambiguidades modernas podem ser percebidas neste momento ao termos a igualdade proclamada como princípio universal, porém sendo uma criação ocidental e, consequentemente, seguindo o universalismo europeu. De modo o direito à igualdade pressupõe a sistemática da negação da diferença (NAIA, 2015).

A estrutura do direito moderno considera a todos como iguais, pois apenas irá considerar os aspectos externos, tornando possível um tratamento geral e abstrato. Considerando que o Direito entende o indivíduo a menor entidade indivisível e indistinta da sociedade seu objetivo é procurar soluções que não se prende ao aspecto interno das condutas. O direito também irá compreender o indivíduo como um ente isolado, desconsiderando seus vínculos com a família, comunidade, cultura, etc., e, consequentemente, esses elos não ficam sob o palio do ordenamento jurídico (HESPANHA, 2007).

O direito a igualdade assume essas características, tendo em vista ser fruto da modernidade. É um direito que afasta de si as complexidades característica basilar das sociedades, negando e encobrindo a diversidade. Sendo apenas no séc. XX, com o constitucionalismo moderno, é que o indivíduo passa a ser visto como concreto e palpável, passando a legislação a considerar as diferenças existentes e iniciado a defesa de minorias étnicas e sociais. O pluralismo passa a ser considerado princípio intrínseco à dignidade humana, onde o Estado e a sociedade devem proteger o outro (CRUZ, 2009).

O direito à diferença, contudo, já pressupõe a existência de um padrão, pois ao se pressupor que algo é diferente, perguntamos “diferente de que?”. O Direito passa a reconhecer os movimentos étnicos e sociais, garantindo a participação na sociedade, porém lembrando-se da existência de um padrão.

Michel Foucault (1999), em seu livro A verdade e as formas jurídicas, afirma que a partir do controle do pertencimento dos grupos (quakers e metodistas), havendo o deslocamento de instâncias intra-estatais para cima e para o Estado, a inclusão de um indivíduo em um grupo tornava possível sua vigilância. Mas já no séc. XIX o que permite a vigilância do indivíduo é a sua institucionalização enquanto indivíduo. Logo, o mecanismo de inclusão dos indivíduos na instituição, através da exclusão, tem como objetivo a normalização das condutas. “Trata-se, portanto, de uma inclusão por exclusão” (p. 114).

José Luiz Quadros Magalhães (2013) faz importantes considerações ao compreender o direito à diferença e o direito à diversidade como infiltrações modernas, isto é, movimentos de resistência que visam contrariar a discriminação e a uniformização da construídas na Modernidade. Porém apresentamos o questionamento se esses movimentos de resistência e pela ruptura de paradigmas não continuam a reproduzir os elementos da Modernidade. Isto é, deve-se observar se os movimentos possuem o objetivo de realmente romper com o modelo moderno ou apenas serem incluídos no conjunto de direitos criados pelo universalismo europeu.

Considera o autor que os movimentos atuais ao lutarem por reconhecimento buscam ser acolhidos pelo sistema. O que deveria ser um direito transforma-se em permissão, o que faz com que a luta seja contaminada pela própria estrutura fornecida pelo sistema. Logo, o direito à diferença não gera quebra de hegemonias, apenas reforça a ideia do diferente, do “outro” (MAGALHÃES, 2013).

O direito à diversidade é uma superação a lógica binária da Modernidade e de suas estratégias de encobrimento e exclusão do outro. Vemos uma tendência de transformação do discurso onde tem-se o objetivo de estudar a estrutura apresentada pelo sistema através do olhar do subalterno repensando políticas, ordenamento jurídico e epistemologias que se adequem a uma sociedade plural. Autores como Boaventura de Souza Santos (2010) apresenta uma proposta onde há a superação de um único saber filosófico e científico como verdadeiro dando espaço para as práticas e saberes considerados alternativos. Dussel (1994) profere a “filosofia da libertação” onde a cultura que sofreu a dominação estabelece as condições de diálogo, levando-se em consideração a situação assimétrica dos excluídos[3].

Podemos, a partir dessa diferenciação, conceituar o direito à diversidade como “(...) parte do pressuposto da complementariedade. No lugar de hegemonias, linearidades históricas, superioridades culturais, missões civilizatórias ou proselitismos, a diversidade é convivência que tem por base a lógica de complementariedade: os que os outros têm eu não tenho, os que os outros não têm, eu tenho, somos assim complementares” (MAGALHÃES, 2013).

Necessário compreender o que é a diversidade para termos ciência que é a sua não aceitação um dos principais motivos para a prática de atos de violência contra o ser humano que ocorreram ao longo da história. Entretanto o ato de violência deve ser visto em seu máximo, não se limitando a violências físicas, considerando, por exemplo uma decisão monológica como tirânica, lembrando dos dizeres de Hêmon a seu pai, em Antígona de Sófocles: 

“(...) os deuses, pai, implantam no homem a razão, o bem maior de todos (...) Não tenha, pois, um sentimento só, nem penses que só tua palavra e mais nenhuma outra é certa, pois se um homem julga que só ele é ponderado e sem rival no pensamento e nas palavras, em seu íntimo é um fútil (...) nos homens o ideal seria nascer já saturados de toda a ciência, mas se não é assim, devemos aprender um que fale para nosso bem” (SÓFOCLES, p. 45-46) 

            A partir desse parâmetro conceitual concluímos que estamos além do direito à igualdade, pois não somos iguais. Também o direito à diferença não pode ser nossa meta, pois pressupõe estabelecer um padrão para que possa haver o diferente. Lutamos, assim, pelo direito à diversidade, como bem coloca Badiou (2010) a questão fundamental apresentada na atualidade é trazer a tona uma sociedade que seja capaz de proteger o princípio da coexistência de multiplicidades contra a selvageria desencadeada pelo mercado, além de considerar as minorias possa muito mais que sobreviver, podem ser referência a todos.

Notas e Referências

BADIOU, Alain; TARBY, Fabien. La philosophie et l’événement – entretiens suivis d’une courte introduction à la philosophie d’Alain Badiou. Paris: Germina, 2010.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença. 3ª ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2009.

DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimento del Outro: hacia el origen del “mito” de la modernidade. La Paz: Plural, 1994.

FOUCAULT, Michael. A verdade e as formas jurídicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999.

GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

HESPANHA, Antonio Manuel. O caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. 2ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2009.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2012.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Infiltrações (direito à diferença e direito à diversidade). Publicado em 16 de novembro de 2016. Disponível em: http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com.br/2013/11/1378-ensaios-jose-luiz-quadros.html, acesso em 19 de maio de 2018.

NAIA, Helena Reis. O direito à diversidade: do Estado Moderno ao Estado Plurinacional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015.

SÓFOCLES. Antígona. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf, acesso em 19 de maio de 2018.

SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: pra uma nova cultura política. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O Universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007.

[1] Bacharel Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional (Cedin), mestre em Direito com menção em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra/Portugal. Advogada.

[2] Galuppo (2002) considera que o Estado de Direito possui três princípios fundantes: princípio da igualdade, princípio da liberdade e o princípio da solidariedade social. A centralidade do princípio da igualdade se dá pela própria construção do Estado de Direito a partir dos Estados nacionais, consolidando-se com as Revoluções Burguesas e atingindo o estágio atual com os movimentos de contestação nos anos 60.

[3] Wallerstein (2007) salienta que para haver um rompimento deste “sistema-mundo” é crucial encontrar um caminho onde o universalismo seja de fato universal e não apenas europeu, onde “recusa as caracterizações essencialistas da realidade social, historizada tanto o universal quanto o particular, reunifica os lados ditos científicos e humanístico em uma epistemologia e permite-nos ver com os olhos extremamente clínicos e bastante céticos todas as justificativas de ‘intervenção’ dos poderosos contra os fracos” (p. 118-119).

 

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