O dilema do uso sustentável das unidades de conservação - Por Wagner Carmo

05/11/2017

Introdução.

No Brasil, as unidades de conservação, segundo a Lei Federal n.º 9.985/2000, integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC[1]. Nos termos do art. 4º, o SNUC congrega objetivos ligados à manutenção da biodiversidade; à preservação de espécies; à preservação e restauração de ecossistemas naturais; a valorização econômica e social da diversidade biológica; a promoção do desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais e a proteção dos recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais.

Dentre as diretrizes[2] que orientam o SNUC, destacam-se as que indicam o estabelecimento de políticas públicas que garantam: a diversidade de unidades de conservação; a participação popular na revisão da política nacional de unidades de conservação e na criação, implantação e gestão das unidades; a cooperação para conservação, preservação e pesquisa cientifica; a sustentabilidade econômica das unidades de conservação; a administração e a gestão das unidades a partir das condições e necessidades sociais e econômicas; o atendimento das necessidades das populações locais no desenvolvimento de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais.

A partir dos objetivos e das diretrizes, em especial o objetivo de promoção do desenvolvimento sustentável dos recursos naturais e da diretriz de sustentabilidade econômica das unidades, interessa discutir o dilema do uso sustentável das unidades de conservação.

Os tipos de unidade de conservação.

Segundo o SNUC, as unidades de conservação se dividem em Unidade de Proteção Integral e Unidade de Uso Sustentável. As unidades de proteção integral, em regra, possuem objetivo de preservação da natureza e admitem apenas do uso indireto dos recursos naturais, ou seja, permite atividades que não envolvam o consumo, coleta ou danos aos recursos naturais, tais como recreação, turismo ecológico, pesquisa científica e educação ambiental. A premissa que orienta a criação da unidade de proteção integral, portanto, é a preservação de espaços naturais por meio de regras severas de uso. Já as unidades de uso sustentável, por sua vez, almejam a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos naturais[3]. Neste caso, desde que as práticas humanas estejam orientadas pelo uso racional e sustentável, a unidade de conservação possibilita a interface socioambiental do homem com o ambiente natural.  

A proteção jurídica da unidade de conservação.

O sistema jurídico brasileiro, a partir da Constituição Federal, abriga a unidade de conservação, exigindo para garantia do meio ambiente, ecologicamente equilibrado, a preservação e restauração de processos ecológicos essenciais; a preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético e o estabelecimento de áreas, em toda a federação, para serem objeto de preservação[4].

Neste sentido, José Affonso Leme Machado[5] explica que as unidades de conservação se inserem no conceito de área protegida, levando-se em conta a sua definição como área definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação.

Para tanto, a Lei Federal n.º 9.985/2000, que regula o art. 225 da CF, fixa os critérios e as normas para criação, implantação e gestão das unidades de conservação. A lei também define o conceito de conservação ambiental, dispondo que se trata do manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável; a restauração e a recuperação do ambiente natural.

Os conflitos envolvendo o uso sustentável das unidades de conservação.  

A sustentabilidade é um termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. O termo está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico sem agressão ou com a menor nível de agressão possível ao meio ambiente; usando os recursos naturais de forma racional, equilibrada e inteligente para que se mantenham no futuro[6].

A ideia de sustentabilidade se insere no ambiente das unidades de conservação na medida em que a garantia de desenvolvimento sustentável exige a exploração dos recursos naturais de forma controlada e a preservação total de áreas verdes não destinadas a exploração econômica.

A questão que importa, portanto, é a hipótese de ocorrência de situações reais de ocupação das unidades de conservação, em especial as de proteção integral, por populações tradicionais ou por equipamentos públicos e/ou privados, gerando conflito de dimensão técnica, jurídica e socioambiental.

Na hipótese de criação de unidades de conservação em áreas cuja presença humana seja proibida, dispõe a lei n.º 9.985/2000 que as populações tradicionais (habitantes naturais ou população que existia na área antes da criação da unidade) serão indenizadas ou compensadas e, ainda, realocadas pelo Poder Público em local e condições acordada entre as partes envolvidas. Ademais, a lei regula que até que seja possível realizar o reassentamento das populações tradicionais em outro lugar, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações com os objetivos da unidade de conservação[7].

Para José Affonso Leme Machado, o posicionamento da lei sobre populações tradicionais quer valorizar, ao mesmo tempo, o ser humano e a natureza; não admitindo a sobreposição ou o vilipêndio de um em relação ao outro.

Outra situação de conflito é a suposição da criação de uma unidade de conservação em local que exista equipamentos públicos ou privados de uso essencial para o desenvolvimento da sociedade, como é o caso das antenas de telecomunicação e de energia em topos de moro.

A hipótese, por não ser tratada diretamente pela lei n.º 9.985/2000, gera um enfrentamento entre as políticas ambiental e de telecomunicação, constituindo um imbróglio de difícil solução. Entretanto, partindo do princípio de que a sociedade moderna precisa tanto do meio ambiente sadio e equilibrado quanto da possibilidade de transmitir e receber informações, é necessário aplicar o conceito de sustentabilidade e garantir formas de coexistência dos equipamentos de telecomunicação em ambientes naturais de proteção integral.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, em razão da presença de antenas de telecomunicações no Morro do Sumaré, conflitando com o Parque Nacional da Tijuca, por meio da edição da Portaria n.º 40, de 06 de maio de 2016, estabeleceu critérios e procedimentos de regularização das ocupações, inaugurando uma nova perspectiva para solução do problema sócio-econômico-ambiental.

A edição da Portaria n.º 40, segundo a exposição de motivos, seguiu os critérios aplicados para o caso de populações tradicionais. A partir de estudos técnicos sobre os impactos ambientais das antenas, houve o sopesamento da importância da permanência dos equipamentos, nas unidades de conservação, para a sociedade e o direcionamento para o estabelecimento de planos de remoção ou de reordenação dos equipamentos no ambiente.

A Portaria, portanto, usando analogicamente a regra jurídica do art. 42 da lei n.º 9.985/2000, estabeleceu normas de ocupação e termo de compromisso para ocupação e permanência das antenas, nas unidades de conservação, até a existência de padrões técnicos que possam possibilitar a remoção dos equipamentos sem prejuízo da prestação do serviço de telecomunicações à sociedade.

Conclusão.  

O conflito de interesses nas unidades de conservação não é novidade na sociedade brasileira, notadamente a partir da edição da Lei n.º 9.985/2000, quando o Brasil ampliou vertiginosamente o número de unidades em todo o território. Contudo, valendo-se da diretriz de sustentabilidade, é necessário compatibilizar a gestão das unidades a partir do ambiente cultural e econômico em que se encontram inseridas, evitando o conflito e garantindo o manejo das unidades de conservação em benefício do Ser Humano e da Natureza.  


[1] Lei n.º 9.985/2000

Art. 7o As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:

I - Unidades de Proteção Integral;

II - Unidades de Uso Sustentável. 

[2] Art. 5º da Lei n.º 9.985/2000

[3] Lei Federal n.º 9.985/2000

Art. 7º

§ 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

[4] Constituição Federal de 1988. Art. 225, § 1º

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; 

[5] MACHADO, José Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

[6] Disponível em:  ps://www.suapesquisa.com/ecologiasaude/sustentabilidade.htm – Acesso em 02 de nov. 2017.

[7] Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.

§ 1o O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas.

§ 2o Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.

§ 3o Na hipótese prevista no § 2o, as normas regulando o prazo de permanência e suas condições serão estabelecidas em regulamento.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Agência Brasília // Foto de: Proliferação desordenada de espécies, inclusive exóticas, indica desequilíbrio ambiental // Sem alterações

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