A ideia proposta por Luigi Ferrajloli[1] de que “nulla culpa sine judicio” possui significativa grandeza e importância para compreensão deste tópico. A obrigatoriedade do processo, no entanto, não é algo que possua valor, por si só, que possa permitir sua explicação de forma reducionista, como por exemplo, identificando funções e suas respectivas definições[2]. Parte-se dessa premissa para iniciar-se análise da finalidade do processo penal, tendo como desafio, à frente, variantes, tais como, a incerteza do resultado processual[3] e o uso desmedido do exercício do poder jurisdicional[4].
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, percebeu-se a necessidade de adequação a alguns conteúdos jurídicos, para que, necessariamente, se adequassem à concepção de estado democrático de direito, principalmente, quanto aos conteúdos normativos inerentes ao processo, uma vez que, a permanência no tratamento do processo como relação jurídica entre as partes e o juiz, o colocando como um instrumento da jurisdição, com o objetivo de realizar os escopos metajurídicos e a pacificação social, e consequente enfraquecimento das partes[5] [autor e réu], demonstrou-se equivocado[6]. Principalmente, por permitir o malsinado solipsismo judicial, admitindo que o juiz seja o único intérprete no processo, podendo fundamentar sua decisão em argumentos metajurídicos, inclusive, alheios a preceitos constitucionais, sobretudo, pela falta de instrumentos de contenção e controle em relação às decisões judiciais[7].
Necessário abandonar a ideia da teoria geral do processo instrumental, retirando o juiz do lugar de protagonista do processo, deixando para as partes [acusação e defesa] a principal função, para tanto, compreender a origem do processo, constatar o uso de premissas equivocadas [processo civil] que demonstra um equivoco metodológico, deságua no uso do poder arbitrário. Superar esse tema [TGP] se faz como premissa básica para democratização do processo penal e um passo para sua humanização, da forma que está, inegavelmente, muitos sofrerão e morrerão em decorrência do estrago de sua aplicação.
Desde a origem dos estudos sobre processo, a ideia pelo ângulo privado, como se contrato fosse, foi uma das primeiras formas de análise do tema no direito romano, o processo dependia de prévia autorização ou manifestação de vontade das partes envolvidas: legis actiones e per formulas, quando as partes dirigiam-se perante o pretor, que fixava os limites do objeto que deveria ser solucionado, acatando, posteriormente, a decisão que fosse tomada, a litis contestatio[8].
Naquele contexto, não existia a figura do estado, propriamente dito, atuando de forma impositiva frente aos particulares. Talvez, por isso, por falta de instrumentos jurídicos coativos cabíveis, o processo nesse período era despido de força coercitiva legal para fazer valer a decisão do pretor[9]. Com o passar do tempo, críticas surgiram e passou-se a entender o processo como um ‘quase contrato’, ou seja, embora semelhante a um contrato, não possuía natureza contratual pura[10].
Essa compreensão privatística – processo enquanto negociação entre as partes interessadas e não como exercício do poder estatal -, partia de uma premissa básica, que era focada apenas na ideia de direito do ofendido como faculdade de iniciativa do interessado no processo, como se quem provocasse a instauração do processo, por si só, determinasse a sua natureza.
Nesse período, o processo era tido como mero ritual procedimental para aplicação do direito material violado, ou seja, a relação privada, agora litigiosa, dava origem à prática de uma sequência de atos, visão que até hoje, ainda explica, e muito, a lógica processual civil.
Com o passar do tempo, ocorreu o que se denomina de publicização do direito processual, pois, o poder de julgar do estado, passou a exteriorizar-se pela função de solucionar litígios. Abandonou-se a ideia de identificação do processo pelas partes interessadas e, passou para uma compreensão baseada no exercício do poder de imposição da decisão final[11].
A publicização fez cair por terra a ideia de que o processo serve para aplicação do direito material violado, fruto da teoria concreta do direito de ação, consequentemente, perdeu força a respectiva visão privatística contratual de processo, tendo o direito material como pressuposto para exercício da ação e início do processo, anteriormente utilizada. O estudo das teorias da ação permitiu uma abertura ideológica e de compreensão do processo, agora como instrumento de direito público e exercício do poder estatal.
Cabe observar que, a ação, embora busque do judiciário [em alguma medida] a efetivação do direito material, dirige-se frente ao Estado, dele exigindo a solução do conflito ou do caso apresentado, logo, embora o processo seja instaurado mediante uma divergência em âmbito de direito material, invoca-se a atuação do estado para que o exercício de seu poder jurisdicional resolva o conflito ou caso, sendo aqui, o principal fundamento que permitiu a afirmativa de que o processo se tornou autônomo e de natureza pública[12], por ser o exercício do poder estatal.
Assim, conforme o estudo da época, exercida a ação e iniciado o processo, formam-se vínculos jurídicos entre as partes e o estado instituindo poderes, direitos, faculdades, deveres, obrigações e sujeições, caracterizando verdadeira relação processual, onde o juiz antes de julgar um pedido de aplicação da lei, deve verificar a pertinência e veracidade das alegações[13].
A lógica processual penal, por conta de seu objeto de análise, deve sofrer um deslocamento de premissa compreensiva para, só então, se efetuar uma leitura adequada e compatível com sua finalidade. Faz tempo que se discute acerca da finalidade do processo penal, porém, enfrenta-se, sistematicamente, manuais de direito processual penal que dedicam apenas algumas páginas para o tratamento desse tema, que de regra, inicia-se pela apresentação dos escopos da jurisdição para, em seguida, atribuir os mesmos fins ao processo, ou seja, os fins da jurisdição acabam sendo os mesmos do processo, visto que, este é instrumento da atuação daquele[14].
Percebe-se em Candido Dinamarco uma proposta de que o processo deverá atingir não só escopos jurídicos como, também, políticos e sociais[15]. Onde, ação é direito subjetivo, jurisdição um sistema de tutelas a direitos e, processo mera sucessão de atos, caracterizando-se, assim, a ação como um exercício de direitos[16]. Essa instrumentalidade processual única fruto de uma teoria geral do processo, permite situações particulares completamente fora da finalidade processual penal, embora, utilizando-se de uma retórica eloquente que padece de fundamento teórico. Principalmente, quando traz uma característica para o processo que seria a de pacificar com justiça e servir como educação[17].
A problemática advinda dessa concepção trabalhada por Dinamarco, de cunho, notadamente, instrumentalista do processo, advém da influência estrangeira Bülowiana, da concepção de processo como relação jurídica entre as partes e o juiz, tendo como principal característica, afirmar que uma parte tem direito e a outra, dever de sujeição, já que, quem tem direito [sujeito ativo] pode exigir determinada conduta do sujeito passivo [direito subjetivo], devido à existência de um pretenso vínculo jurídico de exigibilidade entre os sujeitos do processo[18]. Entretanto, não se pode afirmar que no processo uma das partes tem o direito de exigir da outra uma determinada conduta[19].
Ao se falar sobre o processo penal, de forma específica, não está se tratando de qualquer tipo de processo, está-se falando de um método de definição da responsabilidade penal, que deve partir de uma perspectiva analítica de forma a identificar e considerar não apenas seu objeto específico como, também, sua função e finalidade[20].
A falta de precisão compreensiva do processo penal acaba por ser uma ferramenta que sempre favorece a discricionariedade judicante e, desta forma, o arbítrio estatal, trazendo sérios prejuízos a toda sociedade, envolvidos e, principalmente ao acusado[21]. Fruto de conceitos indeterminados, como tantos outros, dos quais está repleta a legislação processual penal, encontrando referencial semântico naquilo que entender o julgador. Quando não há forma precisa, não existe garantia e segurança ao acusado e, por consequência, não existe devido processo legal[22]. Forma é garantia.
Embora traçada para uma teoria geral do processo, a concepção sobre os escopos do processo, que o próprio Rangel Dinamarco[23] reconhece como fins ideais delineados, por ora, definidos como social, político e jurídico, foram fundamentais para se iniciar a compreensão do tema. Isso porque, para ele, o processo tem como fim, em síntese, o escopo social, cuja finalidade seria pacificar a sociedade através da realização da justiça e, mediante a utilização de critérios justos de segurança jurídica, conscientizando a população de seus direitos e obrigações. Como escopo político, o processo serve para reafirmar o poder estatal de decidir de forma imperativa, assegurar o culto ao valor liberdade e assegurar a participação dos cidadãos nos destinos da sociedade política e, como escopo jurídico, aplicar a lei ao caso concreto[24].
Assim, a partir de uma visão mais antiga de sistema jurídico, quando se tinha como seu ponto central a ação, o direito de ação, entendia-se que o fim do processo, em especial do civil, era a tutela de direitos[25]. Naquele contexto, não é difícil concluir que o processo civil e penal servia apenas para a obtenção de uma sentença com força de caso julgado, sendo o principal objetivo jurisdicional.
Inevitável, a conclusão de que esta ideia apresenta-se, totalmente, imprestável à concepção atual da jurisdição e do processo, ou seja, embora seu estudo parta da impossível ideia de uma teoria geral do processo [conforme já delineado acima], também, no processo penal a jurisdição serve à tutela de direitos individuais do acusado, visto que, a possibilidade de violação dos mesmos é grande e, para tanto, não se pode ficar apenas com o conceito de proteção aos direitos considerados abstratamente[26]. Logo, poupe-me dos ‘argumentos’ vazios, do tipo: quem protege os direitos das vítimas? Da família da vítima? Da sociedade? Etc... etc... etc...
Desculpem-me, gostem ou não, uma realidade precisa ser dita: em toda legislação processual penal não existe lugar de destaque para a vítima, na verdade não existe relação entre vítima e acusado no processo penal. A relação processual penal é de imposição de força e poder entre estado e acusado. Não entre sociedade, vítima e/ou familiares em face do ‘autor’ do fato. E mais, o discurso demagogo que se apega nessas falas retóricas é mais latente quando parte de agentes integrantes dos órgãos estatais atuantes no processo criminal, eis que, quem acusa não pede e quem decide não determina indenização a ser paga pelo acusado em benefício da vítima. Vai entender!
Ocorre que, após demonstrar as teorias inerentes ao exercício da ação[27], constata-se uma forte crise no conceito de relação jurídica processual por conta de sua generalização e abstração conceitual, que acaba desconsiderando a própria situação material [sendo certo que penal e processo penal estão ligados, embora autônomos] sem explicar, ainda, a forma de exercício do poder do estado frente às particularidades de cada caso concreto[28]. Com isso, toda a estrutura processual, acaba por desconsiderar a realidade social-fática a ela submetida[29].
Mesmo porque, jurisdição possui outra dimensão no processo penal, para além do poder-dever, torna-se verdadeira garantia fundamental, um limite ao poder legítimo, tendo o juiz um papel [atuação] completamente distinto do exercido no processo civil[30].
É de extrema importância entender o fenômeno processual conjugado com o direito material, isso não significa vincular um ao outro, muito menos transportar teorias de um para o outro, mesmo porque, apenas com essa consideração que se alcançará uma correta adequação procedimental, intimamente relacionada aos direitos fundamentais e garantias de cada indivíduo envolvido no processo, que legitima o exercício do poder. É através do procedimento que o estado exerce seu poder e, por questões óbvias, a via procedimental incorreta acarreta a ilegitimidade estatal[31]. Significa dizer que o processo penal somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente construído a partir da constituição[32].
Voltando às finalidades do processo, é necessário destacar que, a ‘realização da justiça’ esbarra no terceiro intuito do processo, qual seja: a segurança jurídica[33]. Evidentemente, pelo discurso do senso comum, que nada mais é, que, o uso de uma linguagem natural, de senso comum, desenvolvida para entender de forma facilitada o que é complexo e consequentemente manipular o comportamento do outro para mostrar que a justiça deve sempre prevalecer, mas isso, às vezes, não ocorre, justamente, por conta da segurança jurídica que não passa de uma retórica despida de efetividade prática na garantia de direitos.
Na medida em que se sustenta uma relação mútua, de complementariedade funcional, entre o direito penal e o direito processual penal, admitindo que serem partes de uma mesma unidade[34], não se pode desconsiderar que se tem um direito penal autoritário e extremamente punitivo, logo, como decorrência lógica e indispensável, necessário um processo penal que o acompanhe[35], por isso, não é absurdo afirmar que, se o direito penal é conduzido de forma desajustada dos valores constitucionais, inevitavelmente, assim também será o direito processual penal[36]. Eis a discrepância no tratamento dos institutos e o principal empecilho para a democratização do processo penal.
Com efeito, o que se observa na realidade atual é que cresce a criminalização de condutas, aumenta-se o patamar de imposição das penas e criam-se novos regimes para o seu cumprimento[37] [além de se criar novas formas de cumprimento, meio à la carte]. Vale dizer, aumenta-se o rigor de algumas leis penais que, por sua vez, adaptam-se com facilidade ao vigente código de processo penal - o qual, desde sua origem mantém uma condição autoritária -, como exigência de um neopunitivismo penal[38], tendo em vista que, o direito penal, historicamente, sempre perseguiu os etiquetados.
Desse modo, o movimento sentido nos últimos anos de expansão do direito penal, até sua vertente mais cruel do direito penal do inimigo é sentida, sem dúvidas, na legislação processual penal, em um verdadeiro processo penal do inimigo[39], no percurso natural verificado na esfera criminal, hoje dominada por um simbolismo que traça um verdadeiro colapso do processo penal que, por sua vez, não dá conta do excesso de demanda.
Com uma aparente contradição, percebe-se o investimento em um abrandamento do poder punitivo do Estado, para determinadas condutas às quais não mais se aplicam penas privativas de liberdade[40] e, ainda, de forma simultânea criam-se formas discutíveis de eliminação de processos penais, a exemplo, da composição civil dos danos na ação penal pública; a transação penal na lei dos juizados especiais criminais e a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo e agora a famosa e aplaudida colaboração premiada[41].
Quanto a esta trajetória de eficácia invertida do projeto penal que, necessariamente, abrange, também, o processo penal, como desconstrução [des] legitimadora do sistema de pena, causada pelo desmascaramento dos princípios liberais e das teorias da prevenção especial e geral, que trazem em si uma demanda de fortalecimento das garantias individuais e de modos alternativos de solução de conflitos. O sistema penal experimenta, ao mesmo tempo, uma demanda [re] legitimadora proveniente da ascensão do movimento de lei e ordem, de recrudescimento da ação estatal, bem assim, uma demanda de expansão do Direito Penal para a tutela de novos bens, ou seja, um verdadeiro período de reivindicações contraditórias para o sistema penal[42].
Decerto, a leitura feita do processo penal sempre foi distanciada do direito penal, na ânsia da separação metodológica entre ambos, lembrando que, mesmo com lógicas distintas, devem ser estudados e aplicados de forma complementar, cabe ressaltar, ainda, que durante muito tempo investiu-se numa visão asséptica e tecnocrática do processo penal, também, completamente alijado da política criminal e isso se deu por várias razões, seja por considerar o processo apenas como um apêndice do Direito Penal, por conta da influência de [mal] dita Teoria Geral do Processo e, em razão de uma visão equivocada de procedimentalismo, vendo no processo, apenas, um conjunto burocrático de trâmites[43].
Tenta-se aqui mostrar a necessidade da aceitação da importância fundamental do processo dentro de todo o sistema de política criminal em vigor. Isso porque, a colocação da matéria penal dentro da sistemática processual penal é estratégica e, o modo como aquela se organiza influi decisivamente na configuração da política criminal e na sua formulação[44].
Importante firmar o entendimento de que o processo é um dispositivo articulador de elementos de várias ordens, cujas modalidades de interação são regulares e, ainda, previsíveis[45] sendo que, no processo penal, forma é ‘garantia e limite de poder’, pois, aqui, se exerce o poder de punir em detrimento da liberdade. É um poder limitado e condicionado, que precisa legitimar-se pelo respeito às regras do jogo. Logo, não se deve importar a tal ‘instrumentalidade das formas’ e ‘informalismo processual’, pois, aqui o fenômeno é completamente diferente[46].
Entendam que o processo penal é limite do exercício do poder estatal como garantidor de direitos individuais nele debatido.
Tratar o processo penal como um instrumento de prevenção da prática delitiva afeta diretamente sua finalidade, ou seja, quando a ideia utilitarista preventiva sobrepõe-se aos direitos individuais do investigado ou processado, permite-se a antecipação dos ideais retribucionistas da pena, por exemplo, o uso da prisão cautelar, com base em análises pessoais do tipo: periculosidade, capacidade para delinquir, como se estivesse castigando um suspeito ou acusado. Dessa forma, a pena e seus preceitos se tornam um meio e não um fim do processo penal[47].
Definitivamente, ao expor a real finalidade do processo, como se estivesse despindo o processo penal de sua maquiagem, não mais se devem mascarar ideologicamente os objetivos de um processo penal, para utilizar analogicamente os argumentos dados à finalidade da pena. Desse modo, deve-se utilizar da razão para limitar e, não justificar ou idealizar a atuação do poder punitivo, ainda, quanto ao processo penal, deve funcionar, assim como o direito penal, como limitador do poder punitivo do Estado e garantia dos direitos individuais, certo de que, o que necessita de legitimação é o poder de punir do estado, é a intervenção estatal e não a liberdade individual[48].
Necessário entender que o papel do juiz como centralidade do processo e a relação jurídica entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, no processo, foram importados ao instrumentalismo processual, portanto, as críticas também se estendem ao próprio instrumentalismo, já que não se poderia pensar em um efetivo contraditório, eis que, pela instrumentalidade, a ideia de contraditório não se fundamenta na simetria de igualdade das partes (um direito de imposição e outra parte submissão). Logo, o entendimento do processo como instrumento da jurisdição condiz com o Estado Social, que tem como objetivo precípuo reforçar o papel dos juízes e enfraquecer a atuação das partes e, consequentemente, não encontra amparo em um estado democrático de direito[49].
Quando se sustenta que a legalidade democrática, deve ser cumprida, ou seja, o devido processo legal democrático constitucional, não se está discutindo aplicação da letra fria da lei, e sim o caráter normativo da Constituição Federal, e isso é ir contra não só a ativismos e decisionismos, como também contra protagonismos judiciais. Em um país onde a Constituição Federal prevê direitos fundamentais e sociais, mas que a modernidade é tardia e o cenário é complexo, será contingente o protagonismo do Direito, o que em hipótese alguma quer dizer que o protagonismo judicial seja aceito. O protagonismo judicial viola os pressupostos básicos da democracia. Em um processo, principalmente o penal, não podem haver protagonistas. Todos devem ser chamados ao debate, contraditório [re] surge como princípio estruturante do processo, o qual deve originar uma resposta devidamente fundamentada.
A compreensão do processo e do papel das partes e do juiz, no Estado Democrático de Direito, depende de revisitação crítica e reflexiva do liberalismo e da socialização processual, iniciando-se pelo abandono dos equívocos praticados nos respectivos modelos, para a busca de um sistema processual, democrático-constitucional, compreendendo que o papel a ser desempenhado pelas partes, através do contraditório, é fundamental e jamais será possível sem o amparo da publicidade e oralidade concomitantemente.
Assim, a primeira finalidade do processo penal é garantir os direitos inerentes a cada indivíduo submetido ao exercício do poder jurisdicional; prestando, ainda, em segundo plano, à limitação do exercício do mesmo poder; impondo respeito irrestrito às formas procedimentais estabelecidas, para então, proteger aqueles que devem e/ou serão absolvidos e, ainda, legitimando pelo procedimento correto a punição a ser imposta.
Por todo o exposto, partindo da premissa que não há pena sem processo, a presunção de inocência exerce uma função fundamental: de que toda investigação e processo criminal tem como ponto de partida a incerteza por ela inserida, qualquer ato de poder restritivo de direitos será legítimo apenas e tão somente, quando superada essa incerteza, viabilizando o conhecimento da infração penal e sua autoria, em um esquema lógico e jurídico, previamente definido, apto a apoiar a decisão proferida[50].
Prender e impor restrições de direitos de forma aleatória e sem fundamento para atender finalidade diversa do próprio processo penal viola, machuca e mata, mais que qualquer outra forma de agressão. O processo mata, entendam isso.
[1] FERRAJOLI, 2002, p.73-74.
[2] PRADO, Geraldo. Prova Penal e sistemas de controles epistêmicos. A quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 18.
[3] LOPES JR., 2017, p.85. Aliado a tudo isso, a epistemologia da incerteza e a relatividade sepultam as “verdades reais” e os “juízos de certeza ou segurança” (categorias que o direito processual tanto utiliza), potencializando a insegurança.
[4] FERRAJOLI, 2002, p.95-96.
[5] NUNES, Dierle José Coelho. O princípio do contraditório. Boletim Técnico da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG, Belo Horizonte, v.1, p. 39-55. jan./jun. 2004.
[6] STRECK. Lenio. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio. Dilemas da crise do direito. Brasília a. 49 n. 194 abr./jun. 2012. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496574/000952675.pdf?sequence=1>. Acesso em: 01 mar. 2017.
[7] Ibidem.
[8] DA SILVA. Ovidio Baptista. Jurisdição e execução na tradição romana-canônica.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDERO, Daniel. Curso de Processo Civil, v.I, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 424. Esse compromisso ou litis contestatio foi qualificado pela doutrina como um negócio jurídico de direito privado ou como um contrato. O contrato era estabelecido pela litis contestatio. Por essa razão, atribui-se ao processo natureza contratual. Tratava-se de uma espécie de contrato judicial.
[10] Ibid., p 424.
[11] MARINONI, 2016, p 426. Portanto, o que se evidenciou, é que a solução dos conflitos depende da força do Estado, isto é, em relação à qual os litigantes estão submetidos. O processo não mais é um mero contrato ou um meio através do qual as partes, a partir da autonomia privada, exercem seus direitos. O processo é colocado pelo estado à disposição das partes, mas bem sabem elas que estão submetidas ao poder jurisdicional, dele não podendo escapar (imperatividade e definitividade da jurisdição).
[12] MARINONI, 2016, p 427.
[13] CHIOVENDA, 1936, p. 55.
[14] DINAMARCO, 2001, p. 180.
[15] DINAMARCO, 2001, p. 186.
[16] Ibid., p. 180.
[17] Ibid., p. 193-214.
[18] ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
[19] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 98.
[20] PRADO, 2014, p.18-19.
[21] STRECK. Lenio. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio. Dilemas da crise do direito. Brasília a. 49 n. 194 abr./jun. 2012. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496574/000952675.pdf?sequence=1>. Acesso em: 01 mar. 2017, p. 18. Sob qualquer tese, perspectiva ou bandeira teórica que se adotem, persiste um problema fulcral na metodologia (ou teoria) do Direito: o problema das condições da interpretação e da aplicação do Direito. Há fortes indicativos de que parcela significativa dos juristas não se apercebeu do problema paradigmático envolvendo o giro ontológico-linguístico. Um dos pontos centrais está no “problema do esquema sujeito-objeto”, para o qual a comunidade jurídica não presta a devida atenção. É ali, no sujeito solipsista (Selbstsüchtiger), que reside o ponto de estofo que impede a superação da cisão entre nterpretar e aplicar, assim como os diversos dualismos que, desde Platão, tornam os juristas reféns da dicotomia razão teórica–razão prática.
[21] Ibid.
[22] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1158.
[23] DINAMARCO, 2001, p. 154.
[24] Ibid., p. 159-223.
[25] Ibid., p. 151.
[26] Ibid., p. 151.
[27] Teoria Imanentista, a respectiva teoria, permaneceu em vigor, durante longo período até a metade do século XIX, a concepção que se tinha sobre a ação [processo] estava, inseparavelmente, submetida ao direito civil [verdadeiro direito adjetivo]; Teoria Abstrata, imediatamente, após a superação do período imanentista e reconhecida a autonomia do direito de ação processual, na obra de Bülow; Teoria Concreta, após o surgimento e desenvolvimento da teoria abstrata da ação surge, então, a doutrina de Adolph Wach, que explica o direito de ação, inerente ao pressuposto da autonomia do direito de ação, em relação ao direito material; Teoria Eclética, mediante nova abordagem capitaneada por Liebman.
[28] LOPES JR., 2017, p. 95. Mas também se deve sublinhar que a polemica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual, buscando explicar o fundamento do qual emana o poder, afastando-se do instrumento propriamente dito. Assim, hoje, podemos claramente compreender que esse desvio conduziu a que fossem gastos milhares e milhares de folhas para discutir uma questão periférica, principalmente para o processo penal, regido pelo princípio do a necessidade e com uma situação jurídica complexa, completamente diversa daquela produzida no processo civil.
[29] Ibid.
[30] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal - Introdução Crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
[31] LUHMANN, Niklas. Legitimação Pelo Procedimento. Tradução: Maria da Conceição. Brasilia. UNB, 1980.
[32] LOPES JR., 2017, p. 30.
[33] LOPES JR., 2017, p. 91. É necessário destacar que o direito material é um mundo dos entes irreais, vez que construídos à semelhança da matemática pura, enquanto o mundo do processo, como anteriormente mencionado, identifica-se com o mundo das realidades (concretização), pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal.
[34] MAIER, Julio B. J. Estado Constitucional de Derecho y procedimiento penal. In: Antología. El proceso penal contemporáneo. Lima: Palestra Editores, 2008, p. 904.
[35] MIRANDA COUTINHO. Jacinto Nelson de. O papel do pensamento economicista no direito criminal de hoje. In.: Discursos sediciosos. Rio de Janeiro: Freitas bastos, 2000, p. 75-84.
[36] MAIER, 2008, p. 905.
[37] Regime Disciplinar Diferenciado instituído pela Lei n. 10.792/03.
[38] PASTOR, Daniel. La deriva neopunitivista de organismos y activistas como causa del desprestigio actual de los derechos humanos. Nueva doctrina penal. Buenos Aires: Editores del Puerto, 20015 p. 73-1114.
[39] MALAN, Diogo Rudge. Processo penal do inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 59, p. 223-259, mar./abr., 2006. Diogo defende a existência de um processo penal do inimigo no Brasil, inserido pela lei 9.034/95.
[40] Ver Leis 9.099/95 e 9.714/98
[41] Ver Lei 10.684/2003, art. 9º.
[42] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 295-297.
[43] LOPES JR., 2017, p. 90. O mundo do processo é o mundo da instabilidade, de modo que não há que se falar em juízos de segurança, certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade, o qual possui riscos que lhes são inerentes.
[44] BINDER, Alberto M. Justicia penal y estado de derecho. 2. ed. Buenos Aires: Ad Hoc, 2004.
[45] MARTINS, 2010, p. 83.
[46] LOPES JR., 2017, pp. 78-80.
[47] FERRAJOLI, 2002, p. 297.
[48] LOPES JR., 2017, p. 31.
[49] Ibidem.
[50] PRADO, 2014, p. 19.
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