O desafio de efetivação dos Direitos Humanos e o debate SEN versus BHAGWATI sobre o desenvolvimento

16/05/2018

Coluna Substractum

O reconhecimento do desenvolvimento como direito humano universal, composto por todos os demais direitos encerra um longo debate sobre a questão da indivisibilidade, interrelacionariedade e juridicidade dos direitos humanos.

Tendo, como premissa, essa intrínseca relação existente entre o desafio de efetivação dos direitos humanos e o desenvolvimento, o debate entre as posições dos indianos Amartya Sen e Jagdish Bhagwati ganha notório destaque na atualidade e repercute para além das discussões sobre as prioridades do governo da Índia, assumindo relevância internacional. Vencedor do prêmio Nobel de economia, Amartya Sen leciona filosofia e economia na Universidade de Havard. Jagdish Bhagwati, por sua vez, é professor de economia na Universidade de Columbia.

Em linhas gerais, seria possível sintetizar o debate Sen versus Bhagwati a partir da interação entre bem estar social e crescimento econômico.

Para Sen, o governo deve priorizar os investimentos direcionados à melhoria da infraestrutura social do Estado. A melhoria das condições de vida dos trabalhadores, em especial, a melhoria do acesso e da qualidade dos serviços de saúde e educação, viabilizaria o maior desenvolvimento das capacidades humanas, o que impactaria, então, em crescimento econômico.

Em sentido oposto, Bhagwati defende que o Governo deve priorizar o investimento em políticas destinadas a promover o crescimento econômico uma vez que através deste obterá recursos necessários para aplicar no setor social. Há aproximadamente um quarto de século, Bhagwati, juntamente com Arvind Panagariya (2014, p.xix), já argumentavam que:

“growth would create more jobs (in the rural sector itself) and opportunities for gainful improvement in income (as, for example, through migration to growing urban areas), directly pulling more of the poor above the poverty line and additionally would enable the government to pull more revenues, which would enable the government to spend more on health-care, education, and other programs to further help the poor.” [1]

Segundo Amartya Sen (1988, p.11), a melhoria das condições de vida constitui um elemento essencial, senão a própria finalidade do direito ao desenvolvimento.

A nosso ver, as propostas de Baghwati aproximam-se da defesa de prioridade aos direitos civis e políticos, especialmente da livre iniciativa, como elemento essencial do crescimento econômico.

Partindo do pressuposto de que a efetivação dos direitos humanos somente é possível a partir do reconhecimento da interdependência e da indivisibilidade que lhes são intrínsecas, não há que se falar em hierarquia ou mesmo prioridade entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, uma vez que a realização de um direito humano não ocorre isolada ou independentemente da realização de outro ou mais direitos humanos.

Consequentemente, torna-se evidente que, ao adotar como prioridade o crescimento econômico, um governo incorre em risco de não concretizar o ideal proposto de redistribuição inclusiva dos frutos do desenvolvimento de sua economia. Nesse sentido Juliano Napoleão Barros (2014, p.108) ressalta que:

“a promessa de crescer o bolo para depois dividi-lo - como diria Delfim Neto - já não convence. Por trás de teses aparentemente progressistas, são cada vez mais evidentes suas consequências devastadoras: a depredação do planeta e a desumanização do ser humano. O estilo de vida que acompanha o desenvolvimento econômico capitalista - marcado pelo individualismo, pela competição, pela alienação e pelo consumismo - tem sido fonte de grande infelicidade que afasta os sujeitos individuais e coletivos de sua autorrealização plena”.

 Neste cenário, os trabalhadores, conduzidos à luz da promessa de ascensão, são condenados a atuar, contraditoriamente, como instrumentos da perpetuação do acúmulo de capital nas mãos de poucos, o que inevitavelmente intensifica a desigualdade econômica e a exclusão social.

A partir do enfoque proposto por Sen, a garantia e a efetivação dos direitos humanos configuram-se como força motriz do desenvolvimento, que ultrapassa seus contornos estritamente econômicos ao pautar-se, também, pelos ideais de liberdade e igualdade.

A afirmação concomitante de tais valores não encerra contradições, uma vez que os avanços direcionados à redução das desigualdades correspondem a avanços direcionados à garantia de condições de capabilidade para que cada cidadão viva com dignidade, construindo livremente seu plano existencial. “Não há emancipação individual sem emancipação social e não há emancipação social sem a atuação responsável de indivíduos engajados e comprometidos com valores de solidariedade”(Barros, 2014, p.113).

Amartya Sen contribuiu diretamente para a instituição de um “Índice de Desenvolvimento” no âmbito da OMC. Sen recusa-se a identificar o desenvolvimento como meramente crescimento econômico. Nesse sentido argument (SEN, 1988, p. 13):

“[e]ven though an expansion of GNP, given other things, should enhance the living conditions of people, and will typically expand the life expectancy figures of that country, there are many other variables that also influence the living conditions, and the concept of development cannot ignore the role of these other variables.” [2]

        A realização do desenvolvimento como direito humano universal, não se confunde, portanto, com a promoção do crescimento econômico.

Não se pode admitir a persistência da absurda inversão que coloca os seres humanos a serviço do mercado e não o contrário. O direito ao desenvolvimento corresponde ao dever do Estado de se pautar, na concepção e implementação de suas políticas públicas, pelo objetivo de construção de uma ordem social apta à autorrealização digna de cada indivíduo e das coletividades que o integram. 

Notas e Referências 

BHAGWATI, J., & PANAGARIYA, A. (2014). Why Growth Matters: How Economic Growth in India reduced Poverty and Lessons for Other Developing Countries. New York: PublicAffairs, p. xix. (Nota suprimida). 

BARROS, J. N. (2014). Justiça para uma vida boa: A afirmação do bem viver como valor fundamental do Direito. Belo Horizonte: Tese (Doutorado em Direito) UFMG

SEN, A. (2013). Ideas of justice: a reply. Critical Review of International Social and Political Philosophy, 16:2, pp. 305-320.

SEN, A. (1988). The Concept of Development. In H. CHENERY, & T. N. SRINIVASAN, Handbook of Development Economics (Vol. I, pp. 9-26). Netherlands: Elsevier. 

SENGUPTA, A. (2002). On the Theory and Practice of the Right to Development. Human Rights Quarterly, 24, pp. 837-889.

SENGUPTA, A., EIDE, A., MARKS, S. P., & BÅRD, A. A. (2003).The Right to Development and Human Rights in Development: a Background Paper, Prepared for the Nobel Symposium organized in Oslo from 13-15 October 2003.

[1] “o crescimento criaria mais empregos (no próprio setor rural) e oportunidades para melhoria proveitosa da renda (como, por exemplo, através da migração para áreas urbanas em crescimento), puxando diretamente mais os pobres para acima da linha de pobreza e, adicionalmente, permitiria ao governo atrair mais receitas, o que permitiria ao governo gastar mais em assistência médica, educação e outros programas para ajudar ainda mais os pobres.”(tradução nossa)

[2] “Embora a expansão do PIB, dentre outras coisas, deva melhorar as condições de vida das pessoas, e certamente expandir os números de expectativa de vida de um país, existem muitas outras variáveis ​​que também influenciam as condições de vida, e o conceito desenvolvimento não pode ignorar o papel dessas outras variáveis.” (tradução nossa)

 

Imagem Ilustrativa do Post: Location:Kendal, Central Java, Indonesia // Foto de: Dyota Condrorini// Sem alterações 

Disponível em: https://unsplash.com/photos/s9CC2SKySJM 

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura