O Desafio da Democracia

08/07/2016

Por Daniel da Costa Gaspar – 08/07/2016

NOTA DO AUTOR: Este texto foi escrito e publicado no dia em que Dilma Rousseff foi reeleita presidenta da República em 29 de outubro de 2014.

A democracia sempre foi um desafio para o povo brasileiro, um desafio difícil de ser entendido e de ser aceito. Não haveria de ser diferente em uma sociedade marcada por diferenças, preconceitos, medos, ignorância e pelo autoritarismo de Estado e das classes dominantes e médias. Costumeiramente no Brasil, sempre e que se há um avanço democrático há uma contra resposta autoritária, retrógada de força maior e qual tende a anular os avanços anteriores. Assim foi na revolução Cabana, na inconfidência mineira, na revolta dos malês, na confederação do equador, nas reformas de base de João Goulart e inclusive na proclamação da república.

Eis que o grande desafio se forma para a jovem e problemática democracia brasileira. Aprender a segurar o impulso autoritário, bem como a coexistência racional entre o antagonismo ideológico que é natural de todas as democracias consolidadas ou seculares.

Para Robert Dahl, pensador inglês ícone do século XX, em seu texto Poliarquia, a democracia se caracteriza basicamente por dois elementos, quais segundo ele poderiam ser postos em um gráfico cartesiano como as variáveis X e Y, onde X seria a participação da população e y seria a livre expressão, aqui compreendida como a liberdade de oposições entre os diferentes pensamentos. Quanto maior o nível das dos dois elementos em uma sociedade, mais democrática se mostraria a mesma. Ou seja, é possível você ter grande participação popular e não ter liberdade de oposições, como na Alemanha nazista, e também é possível você ter liberdade de oposições e não ter participação popular, como no segundo período da revolução francesa ou em estados teocráticos.

Com esse conceito na mesa podemos perceber que a nossa democracia ainda tem muito a caminhar, tanto no viés da participação popular – afinal a direita recentemente, 28/10/2014, derrubou no congresso o decreto que abria as instituições públicas para a participação popular - . E Principalmente na liberdade de oposição - assunto qual irei me focar nestas linhas que seguem. Que consiste basicamente em garantir que os opostos convivam e se expressem de democraticamente na sociedade, ou seja, disputar de forma racional a opinião pública.

Com a liberdade de oposições é possível ter uma sociedade em que o pensamento livre serve como balizador do Estado e este não fica refém de um ou dois grupos políticos, pois tem o advento da poliarquia, ou seja, várias fontes de opinião, oposição e de debate, deste modo também formando um glossário de posições mais fidedigno ao complexo cultural e político nacional.

Esta aí o desafio que foi escancarado nesta eleição presidencial de 2014. A minúscula margem de diferença entre os dois projetos “antagônicos” que disputaram a opinião pública abre brecha, em uma democracia não consolidada, para o discurso autoritário, revanchista e intervencionista.

A Inglaterra, apesar de não ser uma república guarda um sistema democrático interessante, onde o primeiro ministro é escolhido pelo partido que alcançou maior número de cadeiras no parlamento. E de lá vem o exemplo necessário a este caso concreto. O parlamento britânico possui 650 assentos, dos quais o Partido conservador –  ocupou, nas ultimas eleições gerais onde foi a agremiação mais votada, 306 cadeiras, ou seja, menos da metade da câmara e menos da metade dos votos válidos. Por esta, apesar de ser uma monarquia é uma democracia consolidada não houve o que se falar em rompimento de ordem constitucional.

Este exemplo de livre oposição e de não hegemonia política pode ser percebido em outras eleições e sistemas do mundo, como na França em que o socialista Hollande foi eleito com 52,3% dos votos válidos.

Cabe ressaltar que a superação deste ponto não é algo exclusivo dos europeus e das democracias seculares, inclusive para q os vira-latas não latam neste ponto. A pequena irmã Bolívia recentemente passou por um grande momento de crise em que a alternativa autoritária foi posta em marcha após a segunda vitória do presidente Evo Morales nas urnas em 2005, que inclusive quase causou a divisão do país em um plebiscito unilateral nos departamentos (estados) da “meia-lua” em detrimento dos departamentos andinos, tradicionalmente mais pobres. No caso em questão o presidente Evo Morales não apenas conseguiu contornar a situação, garantindo a unidade nacional com auxilio diplomático da UNASUL, no vizinho andino como também inaugurou um novo momento no constitucionalismo mundial ao fazer do estado Plurinacional uma realidade positivada, qual hoje é defendida inclusive pela direita boliviana.  Em novembro deve-se confirmar a vitória com mais de 60% dos votos válidos para o terceiro mandato do ex-líder indígena a frente do país, inclusive com vitória nos departamentos onde os conservadores sempre foram hegemônicos.

Há, portanto, uma necessidade de um novo salto na democracia brasileira para a sua efetiva consolidação: A construção da livre oposição como um ônus e um bônus do Estado Democrático de Direito. Tal pensamento só será internado na sociedade se as lideranças políticas de alta cúpula e de base compreenderem a sua importância.


Publicado originalmente em http://politicanoturna.blogspot.com.br/2014/10/o-desafio-da-democracia.html


Daniel da Costa GasparDaniel da Costa Gaspar é acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e membro da Fundação Maurício Grabois – PR.  Foi tesoureiro da União Paranaense dos Estudantes (2011-2013), vice-presidente regional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (2009-2011), além de ter ocupado vários cargos executivos, municipais e estaduais, dentro da União da Juventude Socialista nos estados do Paraná, Santa Catarina e Pará, entidade na qual filia-se desde 2007. 


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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