O CRESCIMENTO DA EXPLORAÇÃO E ABUSO INFANTIL NO PARÁ COMO RISCO IMINENTE DURANTE A PANDEMIA    

30/11/2021

 Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Com o surgimento do novo coronavírus o qual causa a infecção covid-19 informada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no ano de 2019 a transformação do cenário social das famílias tem sido fator contribuinte para a  intensificação das problemáticas inseridas na sociedade brasileira atual, uma delas o aumento da exploração e abuso infantil na região norte do País, visto que com a falta de acesso as escolas, o aumento de desemprego, o aumento da pobreza e a não atuação efetiva do Estado frente a esse cenário as crianças e adolescentes são submetidos a tal exploração.

No contexto da pandemia, com a necessidade da adoção de medidas de contenção e distanciamento social foi decretado pelo governo o fechamento das escolas públicas e privadas de toda região e a suspensão das aulas presenciais por tempo indeterminado. Segundo dados do UNICEF, 5,1 milhão de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negado no ano de 2020, desse total tem-se a região norte representando 28,4% com o maior percentual dentre todas as regiões do país, com crianças da faixa etária de 6 a 10 anos, sendo essas as mais afetadas pela exclusão escolar na pandemia (41%).

Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil encerrou o nono mês do ano com um contingente de 13,5 milhões de desempregados, cerca de 3,4 milhões a mais de registrados em maio. Esse cenário atual de desemprego no país perpassa pela crise econômica causada pela pandemia e vem afetando não só a população urbana do estado como também regiões interioranas do Pará, por exemplo, o qual tem altos índices de abuso e exploração infantil.

Deve-se também pontuar, a intensificação da vulnerabilidade socioeconômica no cenário pandêmico o qual vem influenciando diretamente na vida das famílias e o aumento do desemprego. A estrutura familiar mudou consideravelmente em resposta ao processo de urbanização, porém o trabalho infantil, que é toda forma de trabalho, remunerado ou não, exercido por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima legal permitida para a inserção no mercado de trabalho, conforme legislação vigente em cada país (REDE PETECA, [2020]) como opção e renda às famílias ainda se faz muito presente, dado que o aumento do trabalho informal e a redução de renda colabora com a instabilidade econômica dos pais e faz com que as ruas e o trabalho insalubre de crianças e adolescentes sejam as únicas alternativas.

Em primeira instância, é importante explicitar que o acesso a direitos básicos e fundamentais são fatores essenciais a infância. A exploração realizada por esses meninos e meninas hoje é visto pelo Estado e órgãos de atuação como prejudicial ao desenvolvimento tanto físico, quanto psicológico das crianças e adolescentes, já que influencia diretamente no acesso à educação e excluem o direito ao lazer.

Entre as formas de trabalho infantil mais conhecidas, são citadas: trabalho infantil doméstico; trabalho infantil informal urbano; trabalho infantil na agricultura; trabalho infantil no tráfico de drogas e exploração sexual de crianças e adolescentes, o Censo de 2010 aponta que no estado do Pará, 13,6% das crianças entre 10 e 17 anos estão nessa situação, sendo o Pará que apresenta a maior quantidade de crianças e adolescentes na faixa etária entre as Unidades da Federação (UFs) da Região Norte.

Ao passar pelas avenidas da capital paraense não é difícil encontrar crianças sozinhas ou acompanhadas de seus responsáveis pedindo trocados nos sinais de trânsito, ou adolescentes realizando os famosos “bicos” em troca de seu ganha pão do dia, nas residências temos outra face, a invisibilidade de crianças e adolescentes nessa situação, dentro dos lares os pequenos são levados ao trabalho para fazer faxina na casa, lavar, passar, cozinhar e cuidar dos filhos dos donos da casa ou dos irmãos mais novos, e entre as famílias ainda é difícil discutir a diferença entre ajudar em casa e o trabalho infantil doméstico, causando assim uma normalização desse ato e sendo assim inevitável e difícil de ser denunciado.  

Somado a isso, a exploração sexual contra crianças e adolescentes é considerada uma grave violação de direitos, visto que afeta diretamente o exercício do desenvolvimento de uma sexualidade segura e plena. Segundo dados do Ministério da Mulher, da família e dos Direitos Humanos – MMFDH, foram registradas 86,8 mil denúncias de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, feitas pelo disque 100 no ano de 2019, este o mais atualizado.

No contexto da região norte, além dos casos mais comuns de abuso sexual, dentro do seio familiar ou de pessoas próximas a vítima, vem se destacando durante os anos a exploração sexual comercial de meninos e meninas pela sua própria subsistência. Tem-se hoje como exemplo o arquipélago do marajó, localizado no Estado do Pará o qual vem recebendo grande valor da mídia nacional. Segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano (contendo informações dos Censos de 1991, 2000 e 2010) a região do Marajó tem 14 dos 16 municípios na lista dos menores índices de IDHs do país.

Esta realidade está diretamente ligada às explorações de crianças e adolescentes da região, localmente conhecidas como “prostitutas de balsa”, meninas entre 5 e 17 anos que são levadas a prostituição nos rios da região em troca de alimentos e dinheiro oferecidos por viajantes os quais vem das embarcações que atracam nos municípios e que tem como perfil: padres, pastores evangélicos, professores, políticos, policiais e médicos. 

Dentre as piores formas de trabalho infantil, inclusive determinadas pela chamada “Lista TIP” proposta pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), tem-se a inserção de crianças e adolescentes no mundo do tráfico de drogas. Atuar no mercado de drogas aparentemente torna-se muito mais rentável economicamente aos adolescentes, é uma forma de gerar autonomia financeira e de socialização. Porém, a dependência de retorno a esse sistema e o risco de morte são bastante acentuados, gerando ainda mais vulnerabilidade. 

Salários compostos por comissão às mercadorias vendidas, turnos de 12 e 15 horas de trabalho e exposição a violência policial são algumas das características do trabalho no tráfico nos quais estão inseridos as crianças e adolescentes da região norte do país. São considerados pela justiça como jovens em conflito com a lei e agentes de ato infracional e assim sentenciados a cumprir medidas socioeducativas e não recebem medida protetiva.  Em sua maioria, juízes e promotores optam pela internação desses adolescentes, mas tal opção traz ainda mais consequências, visto que saem e entram em contato direto com jovens mais engajados no mundo da criminalidade e com a falta de atividades educacionais.

Ainda existe a complicação de que a maioria das UASEs – Unidades de Atendimento Socioeducativo do Pará, se concentram em maior número na região metropolitana do estado, muitos adolescentes em conflitos com a lei acabam se separando de suas famílias que estão no interior, tendo assim seu direito a convivência familiar e comunitária negado, visto que as famílias não têm condições de pagar o valor das passagens para chegar à capital paraense.

Em detrimento dos fatores expostos, é importante mencionar os riscos nos quais esses meninos e meninas estão constantemente submetidos em seu cotidiano no mundo do crime. As relações que estes estabelecem com a própria polícia e o combate envolvendo facções criminosas são alguns dos exemplos de riscos.

Com isso, é de fundamental importância a atuação do (SGD) Sistema de Garantias de Direitos na aplicação de medidas de prevenção e combate a exploração e abuso infantil. O acesso à educação, a oferta de empregos, a fiscalização das organizações da sociedade civil, o maior investimento aos conselhos tutelares de todos os municípios, a reativação e seguimento aos conselhos de direitos e uma atuação conjunta do sistema de justiça e ministério público são alguns dos pilares necessários para garantir uma vida digna para crianças e adolescentes e suas famílias.

É notório a necessidade da ação conjunta de tais órgãos, visto que sem sistemas de proteção, prevenção e fiscalização a esse mal, crianças e adolescentes ficam submetidos as ruas, ao tráfico e as variadas formas de exploração infantil inseridas na sociedade atual. O trabalho como valor positivado e emancipador ainda é aceito por uma parcela da sociedade a qual acredita que trabalhar desde muito pequeno não interfere na infância e desenvolvimento das crianças e adolescentes. A escola como espaço de proteção deve ser propulsora de ensino de direitos humanos, trabalhar valores integrais, direitos fundamentais e ser ponte para a identificação dos casos e inserção dessas crianças e adolescentes na rede de proteção podem ser ações concretas e norteadoras.

Em síntese, é inquestionável afirmar que apesar do surgimento da pandemia ter afetado a vida de milhares de pessoas as quais não estavam preparadas para lidar com as consequências do novo cenário, a exploração e o abuso de crianças e adolescentes sempre estiveram presentes na sociedade. Agora mascarada devido ao aumento dos números e a falta de estudos que abordem acerca do crescimento da exploração na pandemia, torna-se assim essencial que haja uma reafirmação dos princípios de proteção e dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e o apoio da organização da sociedade civil aos atores atuando junto no papel de proteção, para que assim esse panorama não seja agravado e o sistema de prevenção seja efetivo.   

 

Notas e Referências

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