O CPC/15 e os Juizados Especiais – Por Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

11/11/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil tem uma relação umbilical com o microssistema de Juizados Especiais, uma vez que as suas disposições possuem aplicação subsidiária aos Juizados Especiais Cíveis estaduais, federais e fazendários.

O CPC/15, entretanto, promoveu efetivas alterações na lei 9099/95, determinando, dentre outros aspectos, a manutenção do rol do art. 275, II do CPC/73 como.

O Art. 275, II do CPC/73 e a competência dos Juizados Especiais.

A competência dos juizados especiais cíveis (JEC) foi prevista no art. 3o. da lei 9099/95, que estabeleceu a competência para conciliar, processar e julgar as causas de menor complexidade.

Por “menor complexidade” o legislador designou as causas cujo valor não exceda 40 salários mínimos, ação de despejo para uso próprio, ações possessórias sobre bens imóveis cujo valor não exceda 40 salários mínimos e as causas enumeradas no inciso II do art. 275 do CPC/73, que trata das causas que devem ser processadas pelo rito sumário, a saber aquelas, qualquer que seja o valor, atinentes a a) arrendamento rural e de parceria agrícola, b) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio, c) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico, d) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre, e) cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução, cobrança de honorários de profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial e g) que versem sobre revogação de doação.

Ocorre que com a revogação do CPC/73, o seu art. 275 também resta revogado, não havendo correspondente no CPC/15, uma vez que o rito sumário não foi previsto no novo código.

O art. 1063, CPC – regra de direito transitório prevista na parte final do código - determina que as causas descritas no art. 275, II, CPC/73, não obstante a revogação integral do código, continuarão sendo de competência dos juizados especiais cíveis, até que sobrevenha legislação própria para tratar do assunto.

Ao contrário do que pode parecer num primeiro momento, não há qualquer conflito normativo entre o art. 1.063 e o caput do art. 1.046, que determina a aplicação imediata do CPC/15, já que o art. 3o., II da Lei 9.099/95 apenas remete aos procedimentos previstos no art. 275, II, CPC/73, não se utilizando do procedimento previsto para o rito sumário, de forma que não se trata de hipótese de ultra-atividade da lei processual revogada, mas tão somente de utilização do conjunto de bens jurídicos que podem ser objeto de processamento pelo rito dos juizados especiais.

Assim, as ações relacionadas no art. 275, II, CPC/73 continuarão podendo seguir o rito dos JEC, até que haja edição de lei específica tratando do tema (v. comentários ao art. 1063).

O Incidente de desconsideração de personalidade jurídica e sua aplicação ao microssistema dos Juizados Especiais.

O incidente de desconsideração de personalidade jurídica estabelece uma garantia ao devedor com relação à realização do procedimento em contraditório e de acordo com o devido processo legal, nos termos dos arts. 133 a 137 do CPC/15, pelo que sua aplicação ao microssistema dos juizados especiais é uma importante inovação trazida pelo CPC/15 (art. 1062).

É interessante destacar que a possibilidade de instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica nos juizados especiais implicará na alteração de uma das regras características do microssistema dos juizados: o impedimento de participação de terceiros nos processos que ali tramitam.

Como não há nenhuma regra que atribua tratamento diferenciado ao incidente nos juizados, também no Juizado Especial o incidente de desconsideração de personalidade jurídica poderá ser realizado tanto para a desconsideração da personalidade jurídica quanto para a desconsideração inversa da personalidade jurídica, sendo cabível em todas as fases do processo.

O incidente, quando instaurado, suspende o curso do processo, sendo o sócio ou a pessoa jurídica citado para que se manifeste e requeira provas no prazo de 15 dias.

Quando for requerida a desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial, hipótese que dispensa o incidente, cita-se o sócio ou a pessoa jurídica diretamente, sem suspensão do processo. Em todos os casos, o requerimento de desconsideração de personalidade jurídica deve preencher os pressupostos legais específicos para tal.

A desconsideração da personalidade jurídica produz a ineficácia da oneração ou da alienação de bens havida em fraude à execução somente com relação ao requerente.

Agravo de instrumento nos juizados especiais.

O art. 1015, IV prevê que as decisões interlocutórias que versarem sobre desconsideração da personalidade jurídica poderão ser objeto de agravo de instrumento. Em sendo cabível o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos juizados especiais, deve-se aplicar também o art. 1015, IV, de modo que o CPC/15 traz inédita hipótese de cabimento de agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais.

Por estar expressamente prevista no art. 1015, IV do CPC/15 como decisão passível de ser atacada por meio de agravo de instrumento, caso a decisão interlocutória proferida nos juizados especiais acerca da desconsideração da personalidade jurídica não seja impugnada por agravo de instrumento, restará preclusa, não cabendo nova discussão a respeito do tema em sede de recurso inominado.

Os arts. 1.064 e 1065 e a unificação das hipóteses de cabimento e dos efeitos dos embargos de declaração.

Os embargos de declaração já eram previstos pela lei 9.099/95 em seu art. 48. Ocorre que a redação original do artigo previa quatro hipóteses diferentes para o cabimento dos declaratórios (obscuridade, contradição, omissão ou dúvida), diferindo, portanto, da disciplina dos embargos de declaração estabelecida pelo código de processo civil, que estabelece apenas três hipóteses de cabimento para a interposição de embargos de declaração, nos termos do art. 535, CPC/73 e 1022, CPC/15 (obscuridade, contradição ou omissão).

Com o CPC/15, unificam-se definitivamente as hipóteses de cabimento de embargos de declaração, já que a nova redação dada ao art. 48 da lei 9.099/95 faz referência direta ao casos previstos no Código de Processo Civil.

Assim, caso haja alteração nas hipóteses de incidência de embargos de declaração no CPC, automaticamente as alterações serão aplicadas aos juizados especiais, acabando-se de uma vez por todas com a diferenciação de tratamento para os declaratórios no rito sumaríssimo.

Da mesma forma, a redação original do art. 50 da lei 9.099/95 sempre causou problemas aos advogados, pois previa que os embargos de declaração interpostos nos juizados especiais suspendiam o prazo para a interposição de outros recursos, prevendo regime diverso daquele previsto no código de processo civil, que prevê que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.

A interrupção do prazo faz com ele venha a ser novamente iniciado quando a causa interruptiva se acabar. Assim, no caso dos embargos de declaração, uma vez julgados os declaratórios, o prazo para a interposição do recurso subsequente volta a contar do início. Nos juizados especiais, após a entrada em vigor do CPC/15, conta-se integralmente o prazo de 10 dias para a interposição do recurso inominado após o julgamento dos embargos de declaração.

A suspensão, por sua vez, apenas faz com que o prazo que já estava fluindo pare de fluir, voltando a contagem de onde havia parado (p. ex.: nos juizados especiais, até o início da vigência do CPC/15, caso os embargos de declaração sejam interpostos no 3o. dia da contagem do prazo, quando forem julgados, restará à parte apenas 7 dias para a interposição do recurso inominado, pois o prazo voltará a contar de onde parou).

Impacto do CPC/15 nos juizados especiais – Enunciados do FPPC

O CPC/15 prevê expressamente alterações nos juizados especiais (arts. 1.062 a 1.066), modificando a redação de dispositivos da Lei 9.099/95. Não obstante tais alterações pontuais, é certo que os juizados especiais sofreram impacto da nova dinâmica processual trazida pelo CPC/15.

Por esta razão, no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) foram elaborados diversos enunciados que abordam os impactos do CPC/15 nos juizados especiais.

O enunciado 42. trata do art. 339, CPC/15 e destaca que “o dispositivo aplica-se mesmo a procedimentos especiais que não admitem intervenção de terceiros, bem como aos juizados especiais cíveis, pois se trata de mecanismo saneador, que excepciona a estabilização do processo.”

Com relação à suspensão de processos por força de incidente de resolução de demandas repetitivas, o FPPC aprovou os enunciados n. 93. (“Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região.”), 470 (“Aplica-se no âmbito dos juizados especiais a suspensão prevista no art. 982, I”) e 471 (“Aplica-se no âmbito dos juizados especiais a suspensão prevista no art. 982, §3o.”).

Quanto aos recursos especiais e extraordinários repetitivos, também se aplica a suspensão dos processos prevista no art. 1.37, II, CPC/15 aos juizados especiais (enunciado 480, FPPC). E a denegação de seguimento ao extraordinário sobrestado, interposto contra acórdão que coincida com a decisão adotada no repetitivo julgado, também deve ser aplicada aos juizados (enunciado 482, FPPC: “Aplica-se o art. 1.040, I, aos recursos extraordinários interpostos nas turmas ou colégios recursais dos juizados especiais cíveis, federais e da fazenda pública.”)

A aplicação da suspensão de prazos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro aos juizados foi objeto do enunciado n. 269 (“A suspensão de prazos de 20 de dezembro a 20 de janeiro é aplicável aos Juizados Especiais.”).

No que toca à lista cronológica prevista no art. 12, caso o juízo cumule a competência dos juizados especiais com outra competência, poderá elaborar duas listas distintas para tais procedimentos (enunciado 382: “No juízo onde houver cumulação de competência de processos dos juizados especiais com outros procedimentos diversos, o juiz poderá organizar duas listas cronológicas autônomas, uma para os processos dos juizados especiais e outra para os demais processos.”).

Embora não prevista expressamente nas leis que regulamentam os juizados especiais (Lei 9.099/1995, Lei 10.259/2001, Lei 12.153/2009), a mediação deve fazer parte da estrutura para a autocomposição dos conflitos levados aos juizados, nos termos do enunciado 397 (“A estrutura para autocomposição, nos Juizados Especiais, deverá contar com a conciliação e a mediação.”).

Nos juizados especiais também é possível a realização de negócio processual, desde que respeitados os princípios informadores dos juizados e o controle judicial previsto no parágrafo único do art. 190, CPC/15, é o que destaca o enunciado 413 do FPPC.

Com relação à contagem de prazos processuais em dias úteis, os enunciados 415 e 416 destacam sua aplicabilidade ao sistema de juizados especiais (cíveis, federais e da fazenda pública).

A remessa do recurso inominado à turma recursal, sem juízo de admissibilidade pelo juízo a quo, é objeto do enunciado 474, que trata da aplicação do art. 1.010, §3o., CPC/15 (“O recurso inominado interposto contra sentença proferida nos juizados especiais será remetido à respectiva turma recursal independentemente de juízo de admissibilidade.”).

O cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória nos juizados é o objeto do enunciado 475. A interrupção do prazo para a propositura de reclamação constitucional ao STJ por conta da interposição de embargos de declaração é destacada pelo enunciado 483, FPPC (“Os embargos de declaração no sistema dos juizados especiais interrompem o prazo para a interposição de recursos e propositura de reclamação constitucional para o Superior Tribunal de Justiça.”)


A autora deste artigo publicou a obra O Novo CPC e os Processos em Curso: Direito Intertemporal, confira aqui!

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