O controle do ato administrativo e a jurisprudência do STF e do STJ

01/10/2018

Pensar em controle do ato administrativo é compreender que o Estado republicano precisa funcionar dos simples mecanismos do agir administrativo até os mais complexos sistemas regulatórios estatais. Nessa perspectiva, é importante estabelecer de forma clara e objetiva o que são, como funcionam e quais os caminhos possíveis de desenvolvimento do ato administrativo voltado à concretizar os valores constitucionais da Boa Administração Pública.

Ato administrativo é a menor expressão estatal indicativa de contextualizações, determinações e realizações públicas. Nesse cenário, trata-se da atuação jurídica (comissiva ou omissa), unilateral e concreta, exteriorizada pela Administração Pública, ou por aqueles legalmente legitimados para tanto, advinda do seu exercício de função administrativa do Estado.

Representa a manifestação do maquinário público para que se façam valer, para que se justifiquem, para que se sustentem a escolha e a confiança da sociedade, como um todo, e de cada cidadão, singular ou coletivamente, em um regime estabelecido com vistas a melhorar suas vidas, incessantemente.

Pode ser compreendido, também, como o núcleo da expressão estatal viabilizadora dos valores concebidos no art. 3.º da Constituição. Nesse viés, apresenta-se, ainda, como promotor fundamental dos objetivos da República, consubstanciados na ideia de desenvolvimento e de bem comum.

Isto é, ato administrativo invoca o Estado como ente legitimamente escolhido para proporcionar, permanentemente, um amanhã melhor para os titulares do poder originário que o criou.

Ato administrativo designa o elemento nuclear e nevrálgico de realização estatal do interesse público, voltado à concretização dos anseios públicos primordiais para a viabilização de vida digna aos que criaram o Estado como ente promotor de políticas, procedimentos e processos públicos destinados à promoção de cada interesse público que clama pelo ato.

Depreende-se de controle, sob a perspectiva da atuação administrativa do Estado, a atividade de revisão decorrente da relação entre sujeitos expostos a uma relação vinculada ao poder de chancela, correção, substituição, anulação ou determinação de providências sobre atos estatais passíveis de alteração ou confirmação, conforme o respectivo grau de vinculação à legalidade que embasa sua produção, validade e eficácia.

Controle da atividade do Estado nacional demanda prestar contas a alguém e cobrar contas de alguém sobre o que se faz, como se faz e as consequências do que foi feito no ambiente do exercício do constitucional ônus público estatal. Ou seja, além da capacidade de limitar a atuação de outrem, e da submissão dessa limitação por alguém, faz-se necessário estabelecer o elemento confiança entre quem controla para com aquele que recebe a conta do controle exercido. Dessa forma, a atividade de controle do Estado ideal poderá, efetivamente, trazer o esperado desenvolvimento intersubjetivo propugnado pelo art. 3º da CF/88.

Entretanto, a lógica do atual controle do ato administrativo, aparentemente, segue o caminho da desconfiança, tendo em vista a erupção continua de atos de corrupção, escancarados e debatidos pela realidade de multi-informação vivida nos dias de hoje.

Vale lembrar que controle do ato administrativo é, de forma geral, exercício de poder decorrente do dever de proteção do cidadão, na condição de titular do poder originário que viabiliza a existência e a manutenção do Estado.

Logo, controle do ato administrativo é uma forma de se estabelecer a viabilidade sustentável da atividade estatal em prol do cidadão, sem a qual perderia sentido conceder-lhe poder para realização das tarefas públicas.

Nesse mesmo trilho, o controle do ato administrativo precisa ser exercido mediante um determinando objetivo de verificação de adequação entre os meios empregados e os fins esperados, com a conclusão de concretização de uma determinado interesse público. Nesse sentido, controla-se o Estado em nome do cidadão, inclusive, para promoção do interesse público.

Como visto, a premissa aqui adotada de ato administrativo é indivorciável da ampla capacidade de seu controle pelo Estado-juiz. Não se admite, nesta concepção, ato administrativo blindado da tutela jurisdicional.

Se assim pretender ser, dissocia-se de sua característica de ato administrativo e torna-se manifestação da Administração Pública frontalmente contrária aos valores do sistema jurídico constitucional estabelecido hoje no Estado brasileiro.

Considera-se como uma das mais importantes conclusões parciais deste estudo, pois é da assunção da impossibilidade de existência de atos administrativos não sindicáveis jurisdicionalmente que se passa a compreender que, na dificuldade concreta (prática) de se promover o pleno controle dos atos administrativos – inclusive, os discricionários –, faz-se necessário desenvolver o sistema jurídico para que essa demanda seja adequadamente atendida.

Ou seja, é imprescindível que o sistema se adapte às atuais demandas da sociedade no sentido de viabilizar o dever do Estado de promover o desenvolvimento e a proteção do cidadão, por meio de uma jurídica e socialmente legítima gestão de tudo o que é público, a partir de um regime de responsabilidades e responsabilização integral da atuação estatal.

No entanto, em um ambiente de desconfiança da atividade estatal, pode-se imaginar o interesse público sempre presente nos planos dos governantes? Será que é possível visualizar nessa realidade as lições de Rui Barbosa: “nas almas dominadas pelo senso de responsabilidade, a consciência de um poder pesa como um fardo, e atua como freio”?

Há, pelo menos, cinco situações[1] estabelecidas no STF e no STJ sobre o controle do ato administrativo (observe-se que um mesmo julgador se encontra em diversos posicionamentos sobre mérito administrativo): (a) não se aceita, simplesmente, a sindicabilidade do mérito administrativo; (b) utiliza-se do controle do mérito administrativo quando se trata de mero controle de legalidade; (c) faz-se um controle do mérito administrativo indireto, sem assumir frontalmente que o realiza, tentando preservar o máximo dos princípios constitucionais, por meio de um exercício de ponderação de valores envolvidos; (d) aceita-se o controle do mérito administrativo de forma regular e em casos excepcionais; (e) afasta-se o controle do mérito administrativo em razão de inadequação de meio processual utilizado no exercício da pretensão jurisdicional.

a) Situação 1: casos que o Judiciário nega o controle do mérito administrativo:

“(...) 3. A concessão de isenção é ato discricionário, por meio do qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes: RE 149.659 e AI 138.344-AgR. 4. Não é possível ao Poder Judiciário estender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a título de isonomia (RE 159.026). 5. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 344.331/PR, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11.02.2003) (grifos nossos).

“(...) 3. A concessão do benefício da isenção fiscal é ato discricionário, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo, cujo controle é vedado ao Judiciário. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR no RE 480.107/PR, rel. Min. Eros Grau, j. 03.03.2009) (grifos nossos).

“1. Este Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que, nos casos de licenciamento ex officio de militar não estável, a bem da disciplina, não é necessária a instauração de processo administrativo, bastando a cientificação do militar para que exerça o seu direito defesa. 2. É inviável a incursão pelo Poder Judiciário sobre o mérito administrativo. 3. Recurso ordinário improvido” (STJ, RMS 16.946/PE 2003/0149.177-7, 6.ª T, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28.04.2009, DJe 18.05.2009) (grifos nossos).

“1. A atuação do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos limita-se aos aspectos da legalidade e moralidade, obstaculizado o adentrar do âmbito do mérito administrativo, da sua conveniência e oportunidade. 2. Se o Tribunal a quo, com base na análise do acervo probatório produzido nos autos, reconheceu que a remoção do servidor ocorreu como represália, com desvio de finalidade, infirmar tal entendimento ensejaria o reexame de provas, o que encontra óbice no verbete da Súmula 7 deste Tribunal. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 616.771/CE 2003/0222.386-4, 5.ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 19.05.2005) (grifos nossos).

“1. O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. 2. O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada” (STJ, MS 12.629/DF 2007/0029.109-0, 3.ª Seção, rel. Ministro Felix Fischer, j. 22.08.2007) (grifos nossos).

b) Situação 2: utiliza-se do controle do mérito administrativo quando se trata de mero controle de legalidade:

“Expulsão. Estrangeiro condenado por tráfico de entorpecentes. Filha brasileira. Reconhecimento ulterior à expedição do Decreto de expulsão. Inexistência, ademais, dos requisitos simultâneos da guarda e da dependência econômica. Não ocorrência de causa impeditiva. HC denegado. Interpretação do art. 75, caput, II, b, e § 1.º, da Lei 6.815/80. A existência de filha brasileira só constitui causa impeditiva da expulsão de estrangeiro, quando sempre a teve sob sua guarda e dependência econômica, mas desde que a tenha reconhecido antes do fato que haja motivado a expedição do decreto expulsório. 2. Estrangeiro condenado por tráfico de entorpecentes. Decreto presidencial. Existência de causa legal. Conveniência e oportunidade. Ato discricionário do Presidente da República. Sujeição a controle jurisdicional exclusivo da legalidade e constitucionalidade. É discricionário do Presidente da República, que lhe avalia a conveniência e oportunidade, o ato de expulsão, o qual, devendo ter causa legal, só está sujeito a controle jurisdicional da legalidade e constitucionalidade” (STF, HC 82.893/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 17.12.2004) (grifos nossos).

“1. Inexiste discricionariedade (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar, razão pela qual o controle jurisdicional, nesses casos, é amplo e não se limita a aspectos formais. 2. Na hipótese dos autos, a aplicação da pena de demissão ao recorrente não se revela desproporcional ou inadequada, porquanto aplicada após regular procedimento administrativo, em que restaram comprovadas irregularidades de natureza grave. Recurso ordinário desprovido” (STJ, Rec. em MS 21.259/SP 2006/0026.257-4, rel. Min. Felix Fischer) (grifos nossos).

“1. A jurisprudência do STJ admite, excepcionalmente, a concessão de efeito modificativo ao julgado em embargos de declaração. 2. É sabido que em tema de controle judicial dos atos administrativos, a razoabilidade, assim como a proporcionalidade, fundadas no devido processo legal, decorrem da legalidade, por isso que podem e devem ser analisadas pelo Poder Judiciário, quando provocado a fazê-lo. 3. A pena de demissão deve ser revista pelo Poder Judiciário, quando desarrazoada e desproporcional ao fato apurado no PAD, o que ocorreu nos presentes autos. Precedentes do STJ. 4. Embargos de declaração acolhidos com efeito modificativo para conceder a ordem de segurança” (STJ, EDcl no MS 9.526/DF 2004/0012.356-8, 3.ª Seção, rel. Min. Celso Limongi, j. 24.06.2009, DJe 03.08.2009) (grifos nossos).

“1. Tendo em vista o regime jurídico disciplinar, especialmente os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade, inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar. 2. Inexistindo discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional é amplo e não se limita a aspectos formais. 3 e 4 (...) Ordem denegada, sem prejuízo das vias ordinárias” (STJ, MS 12.983/DF, 3.ª Seção, rel. Min. Felix Fischer, DJ 15.02.2008) (grifos nossos).

“1. Por força dos princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade, aplicáveis ao regime jurídico disciplinar, não há juízo de discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção a Servidor Público em razão do cometimento de infração disciplinar, de sorte que o controle jurisdicional é amplo, não se limitando, portanto, somente aos aspectos formais. Precedente” (STJ, MS 13.083/DF -2007/0217.736-7, 3.ª Seção, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13.05.2009, DJe 04.06.2009) (grifos nossos).

“3. Os atos discricionários legitimam espaço de liberdade para o administrador, insindicável pelo Poder Judiciário, porquanto nessas hipóteses interditada a intervenção no mérito do ato administrativo. 4. É cediço na doutrina que: ‘(...) Já se tem reiteradamente observado, com inteira procedência, que não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos. Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação ao fim e à competência, pelo menos. Com efeito, a lei sempre indica, de modo objetivo, quem é competente com relação à prática do ato – e aí haveria inevitavelmente vinculação. Do mesmo modo, a finalidade do ato é sempre e obrigatoriamente um interesse público, donde afirmarem os doutrinadores que existe vinculação também com respeito a este aspecto. (...) Em suma: discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: ‘A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal’. (...) Nada há de surpreendente , então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito. (...) Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária’ (Celso A. B. de Mello, Curso de direito administrativo, 15. ed., Malheiros, p. 395-396 e 836-837). 5. Deveras, contexto fático encartado nos autos denota a ausência de direito líquido e certo da impetrante, ora recorrente, a uma: porque o juiz, ora impetrado, no exercício de competência discricionária, nenhuma ilegalidade praticou ao nomear interventor, imparcial para administração do cartório em comento, a fim de resguardar o bom andamento das investigações acerca do oficial titular; a duas: porque a impetrante, ora recorrente, é casada com o oficial titular, então afastado por supostas irregularidades cartorárias e seria difícil a mesma colaborar na devassa a ser realizada na serventia, em especial quando as provas apresentadas são contrárias ao seu esposo e filho, escrevente no referido cartório e acusado de falsidade no reconhecimento de firma. 6. In casu, o Tribunal a quo decidiu em consonância com o preceito legal (art. 36, § 1.º, da Lei 8.935/94), (...) o magistrado agiu com discricionariedade, entre várias possibilidades de solução, acolheu a que melhor correspondia, no caso concreto, ao desejo da lei (fls. 103/104). 7. Recurso ordinário desprovido” (STJ, RMS 20.271/GO 2005/0105.910-7, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 26.05.2009, DJ 06.08.2009) (grifos nossos).

c) Situação 3: faz-se um controle do mérito administrativo indireto, sem assumir que o faz, tentando preservar o máximo dos princípios constitucionais, por meio de um exercício de ponderação de valores envolvidos:

“A exclusão de policial militar, mesmo que não estável, não prescinde da instauração de procedimento administrativo em que lhe sejam asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa. Não viola o princípio da separação dos Poderes a anulação de ato administrativo que fere as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Agravo desprovido” (STF, AI 509.213 no AgR/AL, rel. Min. Carlos Britto, j. 09.08.2005) (grifos nossos).

“A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (art. 211, § 2.º, da CF) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República [decisão anterior à EC 53/2006], e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (art. 208, IV, da CF) [decisão anterior à EC 53/2006], não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’” (STF, Ag no RE 410.715/SP, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 22.11.2005, DJ 03.02.2006) (grifos nossos).

“1. O art. 5.º, LV, da CF ampliou o direito de defesa dos litigantes, para assegurar, em processo judicial e administrativo, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes. Precedentes. 2. Cumpre ao Poder Judiciário, sem que tenha de apreciar necessariamente o mérito administrativo e examinar fatos e provas, exercer o controle jurisdicional do cumprimento desses princípios. 3. Recurso provido” (STF, RMS 24.823/DF, 2.ª T., rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.04.2006, DJ 19.05.2006) (grifos nossos).

d) Situação 4: aceita-se o controle do mérito administrativo como regular dever do judiciário ou em casos excepcionais:

“(...) 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração (...). Recurso ordinário provido” (STF, RMS 24.699/DF, rel. Min. Eros Grau, j. 30.11.2004).

“1. Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. 2. Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. 3. Agravo improvido” (STF, Ag no RE 365.368/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22.05.2007) (grifos nossos).

“1. Nos termos do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Assim, o controle judicial dos atos administrativos se mostra intimamente atrelado à existência do Estado Democrático de Direito, no qual, em regra, será possível aferir a legalidade e regularidade do ato administrativo. Precedente. 2. O Poder Judiciário deverá ser provocado pelo administrado para que exerça o controle judicial de eventual ato administrativo, sendo certo que essa provocação, em face do Princípio da Segurança Jurídica, pilar do Estado de Direito, deverá ocorrer dentro de um prazo prescricional legalmente previsto (...). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido” (STJ, REsp 984.946/MG 2007/0212.477-1, 5.ª T., rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.11.2007, DJ 17.12.2007, p. 343) (grifos nossos).

“1. Acarreta a nulidade do ato de exoneração a não observância do comando legal que impõe avaliações quadrimestrais mediante relatório circunstanciado. 2. Não atende a exigência de devida motivação imposta aos atos administrativos a indicação de conceitos jurídicos indeterminados, em relação aos quais a Administração limitou-se a conceituar o desempenho de servidor em estágio probatório como bom, regular ou ruim, sem, todavia, apresentar os elementos que conduziram a esse conceito. Recurso ordinário provido” (STJ, RMS 19.210/RS 2004/0161.210-5, 5.ª T., rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.04.2006, p. 235).

“1. Na atualidade, a Administração Pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-Ia. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la. 5. Recurso especial provido” (STJ, REsp 429.570/GO, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 11.11.2003, DJ 22.03.2004) (grifos nossos).

“Irregularidade do processo disciplinar. Mérito administrativo. Ocorrência de erro invencível. Possibilidade de intervenção do Judiciário. 1. No que diz respeito ao controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar, a jurisprudência do Superior Tribunal é firme no sentido de que compete ao Poder Judiciário apreciar, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a regularidade do procedimento sem, contudo, adentrar o mérito administrativo. Havendo, porém, erro invencível, justifica-se a intervenção do Judiciário. 2. Na hipótese, cabia à administração proceder às diligências necessárias para a descoberta da verdade quanto à participação do impetrante na gerência da empresa, e não simplesmente colocar o ônus da prova sobre o servidor, que, por meio de sua curadora, tentou demonstrar a inatividade da empresa desde a fundação. Agindo assim, a administração esquivou-se das suas funções, lançando ao servidor a incumbência de comprovar a ausência de circunstância irregular. Ao final, não ficou nada provado no processo administrativo. A não intervenção se afigura estranho comportamento. Quero, por isso, entender comigo mesmo que, em certas situações e determinados assuntos, é lícita a intervenção judicial (é lícito ao juiz conhecer da provocação). 3. Segurança concedida em parte para se anular a demissão do impetrante, determinando-se, em consequência, a sua reintegração no cargo” (STJ, MS 10.906/DF 2005/0129.244-1, rel. Min. Nilson Naves) (grifos nossos).

e) Situação 5: afasta-se o controle do mérito administrativo em razão de inadequação de meio processual utilizado na pretensão jurisdicional encaminhada – caso de produção de provas em mandado de segurança:

“1. É legítima a verificação, pelo Poder Judiciário, de regularidade do ato discricionário quanto às suas causas, motivos e finalidade. 2. A hipótese dos autos impõe o reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do STF. Agravos regimentais aos quais se nega provimento” (STF, Ag no RE 505.439/MA, rel. Min. Eros Grau, j. 12.08.2008) (grifos nossos).

“(...) 2. Em sede de mandado de segurança é vedado ao Judiciário promover dilação probatória ou incursão no mérito administrativo. Precedentes. 3. Segurança denegada” (STJ, MS 8.584/DF 2002/0105752-7, 3.ª Seção, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 24.08.2004, DJ 06.09.2004, p. 163).

Nesse contexto, algumas reflexões sobre uma melhor compreensão do mérito do ato administrativo para o seu efetivo controle do ato administrativo parecem ser necessárias.

O controle do ato administrativo é necessário quando o Estado atua de maneira furtiva aos valores que conformam o direito como um sistema harmônico e concatenado. No momento em que o ato agride a flexível pele que cobre o sistema jurídico a tal ponto de rompê-la, faz-se necessário o pronto curativo jurisdicional. Esta situação ocorre, principalmente, nos casos em que Administração adota critérios técnico-científicos desarrazoados e desnecessários à estrita produção do ato, bem como à fiel observância de sua finalidade inevitável de atender ao interesse público. Acontece muitas vezes nas hipóteses em que há determinada margem legal de atuação do agente administrativo (discricionariedade) e, nesta linha, existe um leque de opções de caminhos legais para prosseguir, o qual será escolhido de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, criando, assim, a problemática névoa para que o Judiciário atue de modo a controlar as ações do Executivo.

A mencionada névoa não é negativa em sua essência, porém, pode sim ser utilizada de uma forma irregular. Ocorre tal fato quando a Administração evita o controle jurisdicional em virtude da inexistente (mas incessantemente alegada) insindicabilidade do mérito do ato administrativo, assim como, pela incorreta crença de que o Judiciário não possui instrumentos hábeis para controlar e questionar o caráter técnico dos atos administrativos. Exemplo prático dessa atuação desenhada é observado na atuação regulatória das agências reguladoras federais, as quais, muitas vezes, sustentam que o lento e não técnico Judiciário não pode invadir a competência da Administração, sob o pretexto do preceito constitucional da convivência harmônica dos Poderes. Contudo, ao contrário dessa simplista afirmação do Executivo, existem sim meios eficazes de limitação do questionamento, junto ao Judiciário, do aspecto subjetivo do ato normativo – sem desprezar o papel do Judiciário no sistema – como já tratado em item anterior.

Efetivamente, apenas quando o aspecto subjetivo do mérito administrativo for atingido e reformulado pelo Judiciário, sem uma fundamentação suficientemente consistente para demonstrar objetivamente o desrespeito deste ato a valores do direito, estar-se-á diante da ofensa ao princípio da tripartição dos Poderes. Entretanto, este campo subjetivo torna-se muito estrito nos dias de hoje, em que instrumentos objetivadores do mérito do ato administrativo são plenamente conhecidos e já utilizados (mesmo que timidamente pelo Judiciário), tais como: critérios de razoabilidade; proporcionalidade; moralidade; finalidade; motivação consistente. Isso é, toda vez que o aspecto técnico ou o mérito (conveniência e oportunidade) não estiverem de acordo com os instrumentos objetivadores do caráter subjetivo do ato normativo, encontrar-se-á uma restrição axiologicamente inconstitucional do princípio fundamental processual da inafastabilidade da prestação da tutela jurisdicional pelo Estado.

Observa-se, de modo geral, que o controle do mérito do ato administrativo é visto como algo excepcional, fora da regra. Entretanto, o Judiciário deveria encarar tal fenômeno administrativo de forma contrária, isto é: a falta da revisão do ato deveria ser uma excepcionalidade fortemente justificada. Parece que existe um verdadeiro tabu ao falar em controle do mérito do ato administrativo, como se fosse o oitavo pecado capital. Então, alguns daqueles que compreendem que o Estado não pode se furtar do seu dever de responder à sociedade quando o mérito de atos administrativos forem causadores de prejuízo (ou quando ocorrer ameaça de prejuízo) procuram formas de falar o óbvio, mas de forma disfarçada (vide Situação 3). Compreensível tal vertente em respeito ao art. 2.º da CF/88 e à harmonização do sistema tripartido de Poderes constitucionalmente instituído no País. Entretanto, como bem determinado nos critérios de proporcionalidade: tanto a insuficiência quanto o exagero de zelo quando se trata da sindicabilidade do mérito dos atos administrativos são ações disformes à necessária adequação legal e ao direito – como todo ato do Estado deve ser, conforme esclarece o seguinte julgado:

“1. A margem de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade, conferida à Administração Pública, na prática de atos discricionários, não a dispensa do dever de motivação. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explícita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que está fundado (art. 50, I, e § 1.º da Lei 9.784/99). Não atende a tal requisito a simples invocação da cláusula do interesse público ou a indicação genérica da causa do ato. 2. (...) a autoridade impetrada não apresentou exposição detalhada dos fatos concretos e objetivos em que se embasou para chegar a essa conclusão. (...) De fato, em matéria de ato discricionário a doutrina administrativista brasileira se mostra unânime ao assentar que a liberdade de decisão do administrador não é absoluta, estando sujeita à satisfação do princípio da legalidade – a dizer que a escolha acerca da oportunidade e conveniência da prática do ato está subordinada aos limites impostos pela lei quanto ao mais, afastado qualquer conteúdo de subjetividade na escolha do momento adequado à prática de determinado ato (...). Na realidade, todo e qualquer ato discricionário praticado pela Administração estará necessariamente jungido à supremacia do interesse público – quando, então, e em razão do que a lei autoriza que o Administrador avalie os fundamentos atinentes à conveniência e oportunidade para a prática do ato em questão. De fato, mesmo em se tratando de atos discricionários, o administrador está obrigado não só a fundamentar as razões da prática do ato, mas também a explicitar a adequação de tal prática em face do interesse público – do que se pode concluir que a mera referência ao aludido interesse público não se revela suficiente para atender à exigência da motivação, sendo ainda necessário demonstrar com precisão de que modo o ato praticado atende, ou não, ao fim social alvitrado. Pois bem, a existência de adequada motivação, quando essencial à validade do ato administrativo, é matéria sujeita a controle jurisdicional. Seguindo essa linha de entendimento, a jurisprudência enfatiza que ‘em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V. art. 2.º da Lei 4.717/65). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários absolutamente imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram observados’ (MS 6.166/DF, 1.ª Seção, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 06.12.1999). No mesmo sentido, cita-se: RMS 15.018/GO, 1.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 10.03.2003; MS 9.190/DF, 1.ª Seção, rel. Min. Luiz Fux, DJ 15.12.2003; MS 4.269/PE, 1.ª Seção, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 17.06.1996. (...) a autoridade impetrada não apresentou exposição detalhada dos fatos concretos e objetivos em que se embasou para chegar a essa conclusão. Ora, a simples referência à ausência de interesse público não constitui, por si só, motivação suficiente à formação de uma segura conclusão a respeito das razões de denegação da autorização (...). O ato administrativo assim proferido, sem motivação suficiente e adequada, impossibilita ao interessado o exercício de seu direito de cidadania de aferir o atendimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da razoabilidade, norteadoras da ação administrativa” (STJ, MS 9.944/DF 2004/0122.461-0, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25.05.2005, DJ 13.06.2005, p. 157)

 

Notas e Referências

[1].      Logicamente, não se pretende estabelecer uma classificação final sobre o tema. Por certo, há outras possíveis, tendo a presente o estrito – e respeitoso – objetivo de indicar uma perspectiva de postura do STJ e STF acerca do assunto, com o devido alerta que se trata apenas de uma classificação indicativa – com a necessária consideração própria dos apontamentos científicos construtivos – da atual postura desses órgãos jurisdicionais superiores.

 

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