O controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo e o artigo 52, X, da CF

08/03/2018

O Controle de Constitucionalidade repressivo no Brasil é, em regra, realizado pelo Poder Judiciário, sendo que o controle preventivo, em tese, será realizado pelo Poder Legislativo (através das comissões especiais do congresso) e também pelo Poder Executivo (via veto jurídico do Presidente da República). 

Primeiramente, insta salientar aos que desconhecem a matéria que, em suma, são duas as espécies de controle de constitucionalidade presentes no ordenamento brasileiro atual, sendo elas o Controle Concentrado (ou via de ação direta) e o Controle Difuso (ou aberto), tratando-se este último do que será abordado no presente texto. 

O controle difuso poderá ser realizado apenas no julgamento de um caso concreto, não podendo ser o objeto principal da lide a verificação de constitucionalidade de lei ou ato normativo, pois, se assim fosse, estaríamos diante de um verdadeiro controle concentrado sendo realizado por outros tribunais que não o Supremo. Com efeito, sabemos que o controle difuso, distintamente do controle concentrado, poderá ser feito por qualquer tribunal do país, sempre respeitando-se o art. 97 da Constituição Federal, que trata da reserva de plenário, in verbis:  

"Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público."

Sobre a possibilidade de o juiz de primeira instância realizar o controle difuso: STF - 1ª T. - Rextr. nº 117.805/PR - Rel. Min. Sepúlveda Pertence. 

Apesar de admitir que, em algumas hipóteses, os tribunais não precisem respeitar a regra do referido artigo, o Pretório Excelso editou a súmula vinculante 10 em referência a este tema: 

"Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."

Superada essa introdução ao controle de constitucionalidade, cabe analisar agora, especificamente, o controle difuso realizado pelo Supremo Tribunal Federal, seus efeitos e o discutido artigo 52, X, da Constituição Federal. 

Como já dito alhures, o controle de constitucionalidade aberto (difuso) poderá ser realizado por qualquer tribunal estadual ou federal (por órgão especial, se houver), por juiz de primeira instância e, por óbvio, também pelo STF. Ocorre que, quando há essa espécie de controle pelo Supremo, existem algumas especifidades interessantes a se destacar. Por primeiro, em regra, o efeito da decisão, como não poderia ser diferente para os casos de controle difuso, será ex tunc e inter partes, ou seja, efeitos retroativos e apenas validos para as partes do processo. 

Nesse sentido, o escólio de Alexandre de Moraes: 

"Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declaro inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nele praticados." (Direito Constitucional / Alexandre de Moraes - 33.ed.rev e atual. até a EC nº95, de 15 de dezembro de 2016 - São Paulo: Atlas, 2017). 

Porém, pode o STF, tendo em vista razões de segurança jurídica ou um excepcional interesse social, dar a determinada decisão de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, efeitos ex nunc, como já decidido pelo próprio Supremo (STF - 1ª T. RE nº 217141 AgR/SP - Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão: 13-6-2006). 

A nossa Carta Magna traz também um dispositivo que torna possível tornar uma decisão tomada incidentalmente (controle difuso) pelo STF, com efeitos, a priori, inter partes, em efeitos erga omnes. É o que traz o dispositivo em questão, qual seja, o artigo 52, inciso X, da CF, in verbis

"Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;"

Destarte, como é claro pela simples leitura do artigo, uma decisão em sede de controle difuso de constitucionalidade realizado pelo Supremo, poderá obter efeitos erga omnes. Mas ficaria o Senado Federal condicionado a essa decisão do STF? Ou ele possui discricionariedade em decidir se suspende ou não a eficácia da lei ou ato normativo? 

Essa é a questão principal do presente texto, havendo discussão na doutrina sobre o tema, ou seja, sobre a possibilidade de o Senado Federal não suspender a executoriedade da lei declarada inconstitucional, de forma incidental, pelo Pretório Excelso. 

A discussão é bem divida na doutrina nacional, entendendo pela vinculação da decisão Celso Bastos, Lúcio Bittencourt, Michel Temer, entre outros. De forma contrária, Paulo Brossard, Celso de Mello Filho, etc. 

Entendo que, se o Senado Federal ficar vinculado a decisão do Supremo, poderia estar usurpando deste a função legislativa, sob pena de não estar efetivamente respeitando a autonomia dos poderes. 

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal já pacificou esta questão, pelo menos na jurisprudência, entendendo este que o Senado não está vinculado a decisão do Pretório Excelso, de sorte que o parlamento terá discricionariedade para suspender ou não a eficácia da lei declarada inconstitucional pela via de defesa. Esse também é o entendimento do Senado Federal (Revista de Informação Legislativa nº 48, 265 - ano 12 - 1975 - Pareceres nº 154, de 1971). 

Nesse diapasão, Alexandre de Moraes:  

"A declaração de inconstitucionalidade é do Supremo, mas a suspensão é função do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional, porém a tarefa constitucional de ampliação desses efeitos é sua, no exercício de sua atividade legiferante." (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2017). 

Parte da doutrina ainda sustenta que o artigo 52, inciso X, da CF, sofre de verdadeira mutação constitucional, propondo esta corrente que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo STF, mesmo que pelo controle difuso, já produza efeitoserga omnes, sem que seja necessário a edição de resolução por parte do Senado. Contudo, esta tese, levada ao Supremo por meio da Reclamação 4.335, não foi aceita pela suprema corte brasileira em 2014. 

Ocorre que, apesar da interessante e elevada discussão acerca deste polêmico tema, que ainda poderá sofrer mudanças em sua interpretação, visto que as regras do Novo CPC podem influenciar numa possível alteração, o dispositivo em comento, que até hoje foi pouquíssimo utilizado, tem, no momento atual, uma eficácia bem limitada, uma vez que, a partir da Emenda Constitucional 45/04, o STF, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei, poderá editar Súmula Vinculante acerca da validade e da eficácia da norma, evitando, desta forma, que a questão controvertida continue gerando diversos processos sobre questão idêntica e acarretando insegurança jurídica ao ordenamento. 

Fiquemos atentos a possíveis futuras alterações na interpretação deste dispositivo!

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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