O contrato de shopping center e suas particularidades – Por João Carlos Adalberto Zolandeck

14/09/2017

Nos artigos que antecederam tratamos de assuntos mais gerais para dar sustentação ao direito empresarial na sua relação de importância com a análise econômica do direito.

Também houve destaque para os contratos, considerando que a vida do empresário se desenvolve a partir deles. Por conta disso, há motivação para iniciar conteúdos em série para tratar de contratos empresariais ou interempresariais, identificando os aspectos mais polêmicos geradores de discussões judiciais frequentes.

Como ponto de partida elegemos o contrato de shopping center por se tratar de um dos mais complexos e envolver múltiplas relações, obrigações, direitos, deveres e contrapartidas.

Para entender o contrato de shopping em uma relação atípica de locação é fundamental a compreensão sobre a estrutura jurídica organizacional e os sujeitos[1].

Antes da elaboração do projeto, o investidor realiza um estudo prévio para identificar a cidade, a região, o perfil do público consumidor, o poder de compra e a classe de consumidores daquela localidade, com o objetivo de definir o enquadramento do futuro complexo em um dos modelos de shopping definidos pela ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers) oportunidade em que idealizará o plano de mix.

Toda a escolha e a eleição do tipo de empreendimento devem seguir requisitos e condições mundialmente aceitos para a indústria de shopping, recomendando-se, assim, como pressuposto básico a filiação na ABRASCE e a obtenção do selo de reconhecimento, pois tal fato evitará problemas jurídicos futuros, diante dos infindáveis, e, em grande parte, desarrazoados questionamentos que decorrem dessa estrutura.

Percebe-se, desde logo, que a organização é complexa e envolve tempo, coragem e muito dinheiro, razão pela qual o fundo de comércio de que participará o proprietário tem grande valor pelos atributos que lhe são próprios, justificando-se a adoção do princípio da autonomia da vontade, nos termos do artigo 54 da Lei 8.245/91[2], como forma de incentivo ao empresário investidor (proprietário).

Essas considerações básicas darão suporte a decisões judiciais ou arbitrais a respeito de questões jurídicas originárias do contrato de shopping, recomendando-se para o caso a utilização da argumentação jurídica consequencialista, sustentada pela observação dos impactos das decisões e dos efeitos não apenas inter, mas extra partes.

O 1º sujeito dessa relação, portanto, é o empreendedor proprietário responsável pelo planejamento, execução do projeto e futura operação, mediante contrato com o 2º sujeito, o empreendedor lojista.

Após a escolha da área, investigados os impactos da legislação ambiental e urbanística, feitos os acordos iniciais, o projeto arquitetônico e o plano de mix, parte-se para a due diligence, documento básico para a avaliação dos riscos e chamada de investidores, caso o recurso sobrevenha de um grupo e da divisão do capital.

É esse documento, de cunho eminentemente jurídico, apesar de se apoiar em relatórios econômicos, de auditoria, planejamento, desenvolvimento e organização, que reunirá de forma sistematizada o conjunto de informações e dará segurança jurídica para a chamada de investidores. Nessa oportunidade estarão sendo minutados os futuros documentos de estabelecimento de todas as relações, que farão parte dos anexos da due diligence, especialmente desenvolvidos segundo o porte e demais características do empreendimento.

É, pois, o relatório jurídico final que dará segurança jurídica aos futuros proprietários, pois ali estarão examinados todos os requisitos legais para a formação do futuro centro de compras, inclusive, delineados os aspectos societários e a abertura do negócio.

Reunido o capital, aprovadas as plantas, a incorporação imobiliária e obtido o respectivo alvará de construção, o empreendimento será lançado para a comercialização das unidades segundo o tenant mix previamente organizado pelo proprietário. O mix se constitui do conjunto de atividades, entre comércio, serviços, lazer, entretenimento, segmentos em quantidade, área, tipo e posicionamento das lojas, entre outras características especiais.

O plano de mix é muito importante e possui repercussão jurídica relevante, pois somente em casos especiais é que se permite a alteração (tal fato será tratado em artigo futuro), todavia, registre-se aqui, desde logo, o alerta quanto ao fato e a importância geradora da preocupação.

Antes de estabilizar a discussão quanto aos sujeitos é pertinente a observação de que a comercialização das unidades não significa venda ou alienação, pois um shopping somente tem característica de shopping pela preponderante locação de seus espaços, de suas unidades e não pela venda, alienação ou uso.

Essa compreensão também é fundamental, pois em um centro comercial tradicional ou em locações comerciais de cunho geral sem o conceito de unicidade, por não existir organização interna corporis e participação compartilhada do fundo de comércio, entre outras situações de peculiaridades especiais, não se permite praticar o tipo de arranjo contratual utilizado para shopping center, que tem como imperativo a autonomia da vontade.

É um grande equívoco praticar esse arranjo contratual para outras espécies de relações, pois isso culminará no insucesso e na necessidade de recompor ao lesado todo o investimento feito em contrapartidas não exigíveis do locatário em relações diversas.

Em contratos interempresariais, onde nas duas pontas da relação contratual identificam-se empresários, no caso, proprietário e lojista, aplicam-se o código civil, o código comercial e a lei do inquilinato e não o código do consumidor e sua principiologia, por motivos futuros a serem trabalhados, ressalvando-se que é a partir dos sujeitos que a relação se particulariza.

As relações jurídicas em shopping center se desenvolvem a partir dos seguintes sujeitos: proprietário, lojista, associação de lojistas, entidades representativas como a ABRASCE e os Sindicatos da Indústria de Shoppings, entidades de representação de lojistas e  os consumidores.

Sem abrir o leque para a rede de contratos de forma mais ampla, considerando a comunidade de empresários que convivem no ambiente, o vínculo obrigacional entre proprietário e lojista tem origem no contrato atípico de locação, na escritura declaratória de normas gerais, no regimento interno, na convenção condominial, no estatuto da associação de lojistas e no contrato de gestão empresarial (administração).

O contrato atípico de locação, principal documento balizador das relações entre os principais sujeitos, é assim chamado por guardar elementos típicos da lei de locações e atípicos, por não conter previsão legal específica, privilegiando o princípio da autonomia da vontade.

Algumas obrigações caracterizam a atipicidade do contrato, por não serem comuns a outros contratos típicos, a exemplo da remuneração pela cessão do espaço ou pela espera (res sperata); pagamento do aluguel mínimo e ou complementar, sendo este variável e incidente sobre o faturamento bruto do lojista; pagamento do aluguel dobrado no mês de dezembro; pagamento dos encargos de locação, que se dá mediante rateio derivado do CRD (coeficiente de rateio de despesas) e não pela ABL (área bruta locável), portanto levam-se em consideração as características da loja locada, tais como: localização, mezanino, capacidade de atrair público (lojas-âncora, semi-âncora, megalojas, lojas-satélite, conveniência/serviços e entretenimento[3]), mais amplas, portanto, do que a taxa condominial manejada para tipos diferentes; contribuição para o fundo de promoções, destinado ao marketing, propaganda, sorteios e eventos de toda ordem que aproveitem ao complexo como um todo; submissão à atividade fiscalizadora do proprietário, com o objetivo de conferir as informações sobre o faturamento que dará base ao aluguel complementar; anuência quanto à cláusula de raio; anuência quanto à cláusula degrau; anuência quanto à pouca flexibilidade para a alteração do ramo de atividade pelo lojista; e anuência quanto à possibilidade de alteração do mix em hipóteses especiais declaradas.

Percebe-se, assim, um conjunto de situações caracterizadoras da atipicidade do contrato, sendo vedado esse arranjo contratual para empreendimentos onde a liberdade de contratar não tenha amparo no artigo 54 da Lei 8.245/91.

Muitas indagações pelo leitor não familiarizado com o tema, obviamente, surgem, cabendo aqui destacar algumas usualmente discutidas nos tribunais: O que ocorre se esse arranjo contratual for utilizado por empreendimento “não shopping”? No caso de expansão, ampliação ou reforma do Shopping, admite-se a alteração do mix? Em caso positivo como ficam os contratos anteriores? É possível ao lojista alterar seu ramo de atividade? Existe coparticipação no fundo de comércio? É possível ação de despejo “sui generis” por desempenho ineficiente do lojista ou para uso próprio? É legal a exigência do aluguel dobrado no mês de dezembro? É legal a cobrança de “res sperata” e a cessão de uso? É legal a cobrança do fundo promocional e a taxa de associado? A quem se paga? É legal a cobrança de aluguel percentual? Por conta disso não ficaria caracterizada a sociedade em conta de participação? É legal a cláusula que estabelece a possibilidade de fiscalização do faturamento do lojista? Como isso se opera? É legal a cláusula de “raio”? Como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o STJ têm interpretado o assunto? É legal a cláusula “degrau”? É cabível a renovação compulsória dos contratos em shopping center? Em caso positivo, por qual período? É possível suscitar a perda de interesse processual superveniente? Cabe reconvenção em ação renovatória? Há ou não o dever de indenizar pelo lojista se a demanda se estendeu e for improcedente? Existe responsabilidade subsidiária do proprietário em questões trabalhistas movidas por funcionários do lojista? É possível conferir o caráter adesivo ao contrato atípico de locação ou aos complementares? Qual a consequência prática da discussão?

Pretende-se tratar pontualmente das questões acima no futuro, além, obviamente, de outros contratos empresariais intercalados.

Conclui-se com a observação de que caberá ao proprietário empenhar-se nas melhores técnicas para formar um fundo de comércio atrativo ao lojista e, a este, a expertise para desenvolver atividades que, além de darem retorno ao capital investido, gerem lucro.

É certo que, para o tipo de negócio em pauta, não há espaço para a inexperiência, e é a aventura a maior geradora de discussões, muitas infundadas, que acarretam apenas custos de transação e atrapalham a dinâmica e a inteligência do contrato, que tem como fonte motriz a geração de incentivo para novos negócios.


Notas e Referências:

[1] No sentido de “sujeito” de direitos e obrigações.

[2] Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

[3] Portal ABRASCE, sumário do Plano de MIX sugerido para 2017. http://www.abrasce.com.br/uploads/general/general_a21233826e0b384a54004e2b109768e2.pdf-Acesso em 12/09/2017.


Imagem Ilustrativa do Post: Victoria Square Shopping Centre Belfast // Foto de: William Murphy // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/infomatique/5701304709

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