O consumo e o Meio Ambiente – Por Wagner Carmo

16/04/2017

Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de que? Você tem fome de que?...

A gente não quer só comida A gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída Para qualquer parte...

A gente não quer só comida A gente quer bebida Diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida Como a vida quer...

A gente não quer só comer A gente quer comer E quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer Prá aliviar a dor...

A gente não quer Só dinheiro A gente quer dinheiro E felicidade A gente não quer Só dinheiro A gente quer inteiro E não pela metade... (Titãs, Compositor: Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Marcelo Fromer)

Tendo por introdução a poesia musicada “comida”, do grupo de Rock Titãs, lançado ao público no ano de 1987, no álbum Jesus não tem dentes no país de banguelas, passamos à reflexão sobre o consumo humano e sua relação com o meio ambiente.

Desejo, necessidade ou vontade? Dificilmente encontraremos um Ser Humano que não tenha sido tocado pela vontade delirante de consumir. Também não é incomum encontrar pessoas arrependidas após o ato de consumir. Em regra, a relação do homem com o consumo ultrapassa o aspecto da necessidade, estando associada, quase sempre, com os elementos subjetivos “vontade” e “desejo”.

Não se contesta que as vontades e os desejos humanos são saciados, em regra, por meio do consumo. O consumo, por sua vez, sacia a aflição do Ser Humano, seja qual for sua vicissitude ou acotovelamento, se orgânico, ligado subsistência; se cultural, relacionado com a educação; ou se estético, marcado pela volúpia.  O que pode variar, neste caso, é a forma de consumir segundo a cultura de cada povo.

O impulso ao consumo faz parte da perversidade do sistema econômico mundial, alienando o Ser Humano e incutindo o desejo irresistível de consumir sem querer consumir, de comprar sem precisar comprar. O Ser Humano alienado passa a valorizar a mercadoria em detrimento do próprio homem. Karl Marx chama esse processo de fetichismo da mercadoria, indicando que há uma humanização da mercadoria e uma desumanização do homem.

O homem, alienado pelo sistema, adquire a ânsia do consumo, perde a noção da realidade e não consegue distinguir o que é o consumo de necessidade, do consumo do desejo compulsivo pela mercadoria. O sistema, para alcançar a completa alienação do homem, utiliza de dois mecanismos invisíveis. O primeiro mecanismo retira do homem a liberdade de escolha e a liberdade de decidir e, com isso, o homem acaba perdendo a capacidade de contestar o sistema.

Nesse sentido, Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo, ed. Moderna, 1994), destacam que o problema da sociedade de consumo é que as necessidades são artificialmente criadas e estimuladas, sobretudo pelos meios de comunicação de massa, fazendo com que os indivíduos adquiram bens e serviços de maneira alienada, ou seja, sem direito de escolha ou liberdade de decisão.

Na sociedade moderna, com a criação dos “templos de consumo” – shopping centers -, multiplicam-se as ofertas e a única coisa que não se tem é o direito de não consumir.  A esse respeito, Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, esclarecem, ainda, que “o consumo alienado não é um meio, mas um fim em si, torna-se um poço sem fundo, desejo nunca satisfeito, um sempre querer mais.”

O Segundo mecanismo é a ocultação da estratificação e do estamento social. O homem, enganado pelo sistema, acredita que alcançará a mobilidade e a aceitação social por meio do consumo. Assim, o Ser Humano passa a acreditar que será reconhecido pelas mercadorias que adquire ou pelos bens que possui e não por suas virtudes.

A ideia de mobilidade e de igualdade social, atrelada à filosofia econômica do desenvolvimento pelo consumo, acaba estimulando o sentimento de prazer e de angustia no Ser Humano. A questão é que o consumo, quando realizado fora do contexto de necessidade para sobreviver ou de facilitador do crescimento humano, acaba se constituindo em uma fonte de prazer fugaz e instantânea, cuja consequência, no plano subjetivo é a tormenta e o desequilíbrio pessoal e, no plano objetivo, é o endividamento pessoal e familiar.

E o meio ambiente, qual é a sua relação com o consumo? É fato que o Ser Humano precisa consumir para suprir suas necessidades vitais, porém, o problema surge quando o consumo é realizado de forma desarmônica, resultando na utilização excessiva dos recursos naturais.

O consumo humano, quando alienado, traz sofrimento à natureza, pois, o homem, especialmente com a revolução tecnológica, se apropria da natureza, transforma e utiliza seus recursos naturais em função de seus interesses. O sofrimento é agudizado pela exaltação apática do homem ao discurso do progresso e do desenvolvimento que, geralmente, acontece sem respeito à integridade da natureza.

A obsolescência dos objetos é um exemplo de consumo humano alienado e desarmônico com a natureza. Com a obsolescência, o sistema, ancorado na mídia, determina que os objetos percam, rapidamente, sua utilidade, estimulando o homem a atualizar ou trocar os seus produtos/objetos. Assim, o homem se vê aprisionado no dilema de consumir por que a tecnologia mudou ou por que o design é mais moderno.

Por isso, não é incomum ouvir histórias, especialmente nas cooperativas de catadores de resíduos sólidos, de que foram encontrados objetos descartados como “inservíveis”, quando o funcionamento e a utilização exigiria apenas algum tipo de serviço de manutenção.

Entretanto, a questão ambiental fundamental no contexto do consumo alienado, que não é observada pela sociedade, é o fato de que para produzir novas mercadorias exige-se matéria prima e, para se obter matéria prima é necessário apropriar-se dos recursos naturais existentes na natureza.

Não é debalde lembrar que os recursos naturais são finitos e que estimular o consumo inconsequente pode resultar no seu esgotamento. Os exemplos modernos mais recentes mostram que o desequilíbrio da fauna e da flora, pela ação irresponsável do sistema, colaborou para a escassez dos recursos hídricos, para o aumento da temperatura, para a desertificação de bacias e para o desaparecimento de importantes espécies da fauna.

O consumo alienado adoece o Ser Humano e explora a natureza. Leonardo Boff (Saber cuidar. Ética do humano, compaixão pela terra. Rio de Janeiro, ed. Vozes. 2001), a esse respeito, explica que quase todas as sociedades estão enfermas e produzem má qualidade de vida para todos os seres humanos. O filosofo explica que a enfermidade decorre do modelo sistêmico de exploração do homem e da natureza, cujo objetivo é atender a um tipo de desenvolvimento que privilegia apenas as necessidades de uma pequena parte da humanidade (os detentores dos meios de produção), deixando todos os demais, nas diversas partes do planeta, na miséria.

A relação entre o consumo e o meio ambiente exige a aplicação de um novo tipo de desenvolvimento social e econômico; um desenvolvimento sustentável que garanta a existência do Ser Humano e permita aos ecossistemas a reposição do que lhe é retirado.

Para Leonardo Boff, na prática a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela natureza.

Como dito acima, o consumo é inevitável e necessário à vida do homem. O que se requer, entretanto, em relação ao meio ambiente, é que o Ser Humano tenha responsabilidade ao consumir.


 

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