O Conselho Tutelar e o melhor interesse de crianças e adolescentes: do processo de escolha à atuação dos membros do Conselho  

19/05/2020

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann

As crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos, e lhes são garantidos todos os direitos fundamentais para que possam se desenvolver plenamente. A garantia desses direitos é de responsabilidade da família, da sociedade e do Poder Público. E toda política de atendimento, promoção e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes devem respeitar os Princípios da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta, conforme evidenciado na Carta Magna, de 1988, no artigo 227, aduz que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O texto constitucional supra citado é reforçado pelos arts. 18 e 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal n.º 8.069/1990), revelando que o dever de zelar pela efetividade dos direitos de crianças e adolescentes é de todos, compartilhando a responsabilidade de forma solidária e sem a isenção de nenhuma das partes elencadas no artigo 227, da Constituição Federal.

Por isso, é de suma importância a articulação de vários segmentos do Poder Público, do Judiciário, da Sociedade Civil e dos Conselhos de Direitos na composição do Sistema de Garantias, assegurando, inclusive, a participação de crianças e adolescentes na construção de Políticas Públicas.

O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do adolescente é composto por instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, e divide-se em três frentes de trabalho, a promoção dos direitos fundamentais, a defesa dos direitos humanos e a efetivação dos direitos e controle social. A atuação dos membros do Sistema é realizada em forma de cooperação.

Um dos órgãos mais importantes do Sistema de Garantia de Direitos é o Conselho Tutelar, pois sua implementação local com maior proximidade da população torna-se mais acessível para a Rede de Atendimento no combate às ameaças ou às violações de direitos de crianças e adolescentes.

O Conselho Tutelar está previsto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, e segue as recomendações do Conselho Nacional do Direito da Criança e do Adolescente – CONANDA e dos Conselhos Municipais e Distrital do Direito da Criança e do Adolescente.

Conforme o artigo 131 do ECA, “o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo comprimento dos direitos da criança e do adolescente”. Além de atender os casos de ameaça ou violação de direitos, o Conselho Tutelar é um importante articulador de políticas públicas para infância e juventude, atuando sempre em consonância com o princípio da Proteção Integral, da Prioridade Absoluta e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

O Conselho Tutelar não possui caráter investigativo, punitivo ou jurisdicional. Quando a denúncia de violação de direitos de criança ou de adolescente é registrada no Conselho, de imediato encaminhar-se-á às delegacias especializadas, buscando ofertar todo atendimento possível à vítima e sua família. O Conselho Tutelar é legitimado para fiscalizar os Órgãos Públicos e as Entidades Governamentais e não Governamentais, garantindo que os direitos infanto-juvenis sejam respeitados e que não haja revitimização de crianças e adolescentes por aqueles que deveriam acolhê-los.

Por tanto, o atendimento ao público infanto-juvenil deve ser democrático e acolhedor, tentando agir com celeridade em efetivar os direitos ora violados, pois em grande maioria, os casos registrados nos Conselhos Tutelares tratam de prioridade absoluta à vida e à integridade de crianças e de adolescentes. E para que o atendimento seja materializado a contento, faz-se necessário uma composição de Conselheiros Tutelares e de uma equipe multiprofissional de quantitativo suficiente para garantir o acesso e o atendimento das vítimas e suas famílias.

A Lei de nº 8.069/90, especifica em seu artigo 132 que, “em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 01 (um) Conselho Tutelar”, sendo que cada Conselho é composto por cinco Conselheiros Titulares escolhidos pela população local em Processo de Escolha. A Resolução n.º 170, de 10 de dezembro de 2014, do CONANDA, em seu artigo 3º, parágrafo 1º, aduz que “para assegurar a equidade de acesso, caberá aos municípios e ao Distrito Federal criar e manter Conselhos Tutelares, observada, preferencialmente, a proporção mínima de um Conselho para cada cem mil habitantes”. Com esse quantitativo previsto na Resolução não dará cobertura para os inúmeros casos registrados nos Conselhos.

O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar realiza-se mediante sufrágio universal, direto, pelo voto facultativo e secreto dos eleitores do respectivo município ou do Distrito Federal. Será com data unificada em todo o território brasileiro, conforme a Lei Federal n.º 12.696, de 2012, que altera os arts. 132, 134, 135 e 139 do ECA, o processo ocorrerá no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial, a cada quatro anos, com a posse dos novos membros no dia 10 de janeiro do ano subsequente ao processo de escolha.

O Candidato ao Conselho Tutelar não deve ser confundido com Candidatos a cargos políticos, é vedado a composição de chapas ou “abuso do poder político, econômico, religioso, institucional e dos meios de comunicação” (art. 8º, da Resolução 170/2014-CONANDA). Segundo o art. 139, parágrafo 3º do ECA, “no processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor”. O candidato deve estar longe do interesse político partidário ou de qualquer ideologia de retrocesso dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Para a organização do processo de escolha, caberá ao Conselho Municipal ou do Distrito Federal dos Direitos da Criança e do Adolescente designar, entre seus próprios membros, uma comissão especial eleitoral, em seguida lançar o edital do processo, respeitando o prazo de no mínimo seis meses antes do certame.

No edital do referido processo deve constar: datas específicas para cada fase da escolha, os requisitos exigidos aos candidatos, a forma que se dará a inscrição, a homologação ou indeferimento de candidaturas, deverá explicar os critérios de classificação ou eliminação do candidato. Sendo que, a comissão seguirá as orientações legais do artigo 133 da Lei º 8.069, de 1990, e do art. 12 da Resolução 170/2014 do CONANDA, para os critérios exigidos à candidatura de membro do Conselho Tutelar.

Segundo o art. 133 e 135 do ECA, estabelecem os requisitos obrigatórios exigidos ao candidato ao Conselho Tutelar: a reconhecida idoneidade moral; idade superior a vinte e um anos; residir no município que irá concorrer a vaga; concebe o exercício efetivo do conselheiro como um serviço público relevante.

A Resolução n.º 170/2014-CONANDA pontua alguns requisitos que poderão ser adicionados no edital de Escolha de Conselheiro Tutelar. Em seu art. 12, parágrafo 2º, encontra-se dois requisitos adicionais: I – a experiência na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; II – comprovação de, no mínimo, conclusão do ensino médio. No parágrafo 3º do mesmo artigo aduz que, “havendo previsão na legislação local é admissível aplicação de prova de conhecimento”. Como exemplo, cita-se o processo de escolha do município de Uberaba/MG, cujo edital previa a avaliação psicológica do Candidato ao Conselho Tutelar.

Façamos resumidamente os caminhos do candidato, conforme orientações do Guia de Orientação do Processo de Escolha de Conselheiros Tutelares em data unificada, de 2019, ele realizará a inscrição conforme a solicitação em edital, posteriormente, apresentará os documentos comprobatórios, “possivelmente”, fará uma prova de conhecimentos sobre o direito da criança e do adolescente, em caráter eliminatório. Após a análise das inscrições e provas realizadas pelos candidatos, a Comissão Especial Eleitoral habilitará as candidaturas que concorrerão ao voto da população do município ou do Distrito Federal.

Os crimes cometidos na data do Processo de Escolha serão análogos aos crimes eleitorais, recebendo punições previstas na Legislação Eleitoral para os acusados. Como por exemplo, o Ministério Público do Ceará, lançou em 2015, uma Nota Técnica com o objeto de condutas vedadas aos candidatos a membro do Conselho Tutelar, cujo teor elucida o art. 8º da Resolução nº 170/2014 do CONANDA, com as condutas ilícitas e vedadas e exemplifica em que casos poderão ser aplicadas outra legislação eleitoral por analogia.

Assim, finalizada a votação para a escolha dos Conselheiros, serão contabilizados os votos e eleitos os cinco primeiros candidatos com maior número de votos. Procedendo a posse, os novos membros deverão assumir os compromissos atribuídos a eles pela legislação.

As atribuições legais do Conselho Tutelar estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente com os arts. 95, 101 com incisos I a VII, 129 incisos I a VII, 136. Ressalta-se que a Resolução nº 170/2014-CONANDA, art. 30, estabelece que “no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar não é subordinado ao Conselho Municipal ou do Distrito Federal de Direitos da Criança e do Adolescente, com o qual de manter relação de parceria”. Contudo, não será admitido ao Conselho Tutelar o abuso de poder e nem isentará aos seus membros de responder administrativa ou judicialmente por condutas ilegais.

Notoriamente a atuação dos Conselheiros Tutelares de todo o Brasil, percorre um caminho de dificuldades com relação a falta de autonomia de recursos financeiros, ameaças sofridas por acusados, diligências em locais perigosos, interferências políticas, desqualificação de conselheiros, falta de instrumentalização dos Conselhos Tutelares.

São denúncias de casos delicados como o trabalho infantil, a violência sexual contra crianças e adolescentes, negligência de pais e/ou responsáveis com os filhos, violência doméstica, crianças e adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas, são todos de grande periculosidade para todos os envolvidos. Por isso, o combate às várias formas de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes deve ser em cooperação com outros órgãos e com a sociedade civil, assegurando a efetividade dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Atualmente o Mundo sofre com a pandemia do covid-19, e o Brasil está entre os países com maior número de contaminação, registrando em 16 de maio de 2020 um total de 218.223 casos de pessoas com o coronavírus. Uma das medidas de prevenção ao contágio do vírus é o isolamento social, fazendo com que a população se isole em casa.

Fato este que necessita de maior atenção. Segundo o Disque 100, no ano de 2019 foram registradas 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo que 13.418 casos eram de abuso sexual e 3.675 de exploração sexual. Os registros demonstram que 70% dos casos de abuso e exploração, foram cometidos na casa do abusador ou da vítima. Algumas violações dos direitos de crianças e adolescentes encontram-se dentro da casa da vítima, por muitas vezes cometidos pelos pais ou parentes próximos, conforme o IPEA, os dados do ano de 2011, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima.

Nesse sentido, a atuação dos Conselheiros Tutelares perante a necessidade de isolamento social também é preocupante, pois eles precisam de equipamentos adequados de segurança para viabilizarem os atendimentos presenciais, assim como os prédios e os veículos a serviço dos Conselhos Tutelares devem receber a devida higienização para evitar o contágio.

Alguns Conselhos Tutelares adotaram instrumentos tecnológicos, como aplicativos de comunicação instantânea, com o objetivo de facilitar o acesso às denúncias, inclusive campanhas de sensibilização da vizinhança para realizarem chamados de possíveis ameaças ou violações de direitos de crianças e de adolescentes. A atuação em parceria com a Polícia Militar também tem ajudado com os números de contato para emergência, podendo o indivíduo realizar sua denúncia de forma autônoma. Pois a continuidade do atendimento dos Conselhos Tutelares em tempos de pandemia, não pode ser enfraquecido, buscando outros recursos e parcerias para seu exercício.

Portanto, a atuação do Conselho Tutelar objetiva-se em zelar pela efetividade dos direitos infanto-juvenis, respeitando sempre os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da prioridade absoluta e da proteção integral.

 

Notas e Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 mai 2020.

_____. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Resolução n.º 170, de 10 de dezembro de 2014, Brasília: 2014. Dispõe sobre dispor sobre o processo de escolha em data unificada em todo o território nacional dos membros do Conselho Tutelar.

_____. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nota Técnica nº 11, de março de 2014. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. Organizadores: Daniel Cerqueira e Danilo de Santa Cruz Coelho.

_____. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 15 mai 2020

_____. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Guia de orientação do processo de escolha de conselheiros tutelares em data unificada, 2019. Disponível em https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/abril/lancado-o-guia-de-orientacao-do-processo-de-escolha-de-conselheiros-tutelares. Acesso em 15 mai 2020

DIGIÁCOMO, José Murillo. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em  http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1590.html#nota12. Acesso em 21 abr 2020.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ. Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude. Nota Técnica Integrante do Of. Circular 014/2014. Disponível em http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2017/08/2015-Nota-Tecnica-Conselho-Tutelar-Condutas-vedadas-no-Processo-de-Escolha.pdf. Acessado em 15 de maio de 2020.

UBERABA. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Uberaba/MG. (COMDICAU) Resolução nº 003, de XXX de 2019. Dispõe sobre o Edital do Processo de Escolha Unificada dos Conselheiros Tutelares do Município de Uberaba/MG. Disponível em http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/acervo//comdicau/arquivos/eleicao_conselho/Edital_Conselho_tutelar.pdf Acesso em 15 maio 2020.

 

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