O Conselho Nacional do Ministério Público está legislando sobre o Direito Processual Penal!!! A que ponto chegamos!!! - Por Afrânio Silva Jardim

19/09/2017

Em termos constitucionais e processuais, a Resolução n.181, de 07 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, somente publicada no dia 06 de setembro deste mesmo ano, é uma verdadeira ruptura do Estado de Direito e dá ao Ministério Público um poder incompatível com uma sociedade que se deseja democrática.

Através deste nefasto ato normativo, o referido Conselho pretende substituir a atividade legislativa do Congresso Nacional e acaba por criar um “mini código de processo penal”, derrogando vários dispositivos da legislação em vigor, chegando ao ponto de romper com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e da legalidade no processo penal em geral.

Por mais absurdo que possa parecer, através do artigo 18 da supra citada Resolução, o Conselho Nacional do Ministério Público cria um novo negócio jurídico processual, distinto do que prevê a conhecida lei n.12.850/13. Através dele, o Ministério Público afasta o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e cria uma verdadeira execução penal por título extrajudicial (sic). Verdadeira violação do princípio “nulla poena sine judicio”.

Na verdade, sem lei formal, o Conselho Nacional do Ministério Público, indireta e disfarçadamente, deseja introduzir, em nosso sistema de justiça criminal, uma “plea bargain tupiniquim”, instituto jurídico próprio do sistema da “common law” (sic).

Tudo isso, é um desrespeito ao Estado de Direito. É um desrespeito ao Congresso Nacional. É um desrespeito à Constituição Federal !!!

Vejam o que dispõe esta inconstitucional regra jurídica:

“DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

Art. 18. Nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal;

III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail;

IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público.

V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada. 

§ 1º Não se admitirá a proposta nos casos em que: I – for cabível a transação penal, nos termos da lei; II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação; III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95; IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal.

§ 2º O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento e será firmado pelo Membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado.

§ 3º A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo deverão ser registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

§ 4º É dever do investigado comprovar mensalmente o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo ele, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento do acordo.

§ 5º O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia.

§ 6º Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo ou não comprovando o investigado o seu cumprimento, no prazo e condições estabelecidas, o Membro do Ministério Público deverá, se for o caso, imediatamente oferecer denúncia. § 7º O descumprimento do acordo de não-persecução pelo investigado, também, poderá ser utilizado pelo Membro do Ministério Público como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo. § 8º Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com esta resolução, vinculará toda a Instituição.

§ 7º O descumprimento do acordo de não-persecução pelo investigado, também, poderá ser utilizado pelo Membro do Ministério Público como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo. § 8º Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com esta resolução, vinculará toda a Instituição.”

http://www.cnmp.mp.br/portal/images/ED.169_-6.9.2017.pdf

Pelo dispositivo acima, o Ministério Público pode deixar de exercer a sua denúncia em troca de confissão do suspeito, mesmo presentes todas as chamadas condições para o exercício da ação penal pública. Ademais, esta Resolução trata de arquivamento, desarquivamento das investigações do Ministério Público, prazos, publicidade dos atos investigatórios e diversos outros temas que já estão regulados no Código de Processo Penal em vigor.

O pior de tudo: prevê cumprimento de penas restritivas de direitos e outras mais a serem estipuladas no acordo sem que haja sentença condenatória sem o necessário e regular processo. Tudo isto de forma cinicamente disfarçada.

Desta forma, cabem as seguintes indagações:

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público legislar?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre matéria pertinente ao Direito Processual Penal?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre Direito Processual Penal, revogando o sistema processual já constituído?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre Direito Processual Penal, revogando o sistema processual já constituído, abolindo o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre Direito Processual Penal, revogando o sistema processual já constituído, abolindo o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, bem como introduzir, em nosso processo penal, a chamada “plea bargain”, própria do sistema da “common law”?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público transformar esta relevante Instituição em um "Quarto Poder da República"?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público "jogar por terra" o nosso já combalido Estado Democrático de Direito?

Pode o Conselho Nacional do Ministério Público violar o princípio da proibição de proteção deficiente, deixando de tutelar bens e valores protegidos constitucionalmente?

Tendo em vista esta criticada Resolução de n.181, de 07 de agosto de 2017, publicada em 06 de setembro do mesmo ano, do Conselho Nacional do Ministério Público, torna-se oportuno trazer à colação um estudo que publiquei no site Empório do Direito, com o sugestivo título: "Ministério Público é Ministério Público. Polícia é Polícia".

Termino este breve texto, com dois indignados "desabafos" de quem, após 31 anos dedicados ao Ministério Público, recebeu dois "Colares do Mérito", importantes honrarias que nos foram concedidas pelo Ministério Público do E.R.J. e pelo Ministério Púbico Militar da União.

1 - O Conselho Nacional do Ministério Público está criando, indevidamente e ao arrepio da Constituição Federal, um "mini" sistema processual, paralelo e conflitivo com muitas das regras do Cod.Proc.Penal.

Ademais, a atual realidade está demonstrando que, quando o Ministério Público faz o papel da polícia, passa a sofrer dos mesmos ataques, fundados ou não. Recentemente, tivemos um Procurador da República preso preventivamente e, agora, temos outro suspeito de graves crimes. Imaginem o que vai acontecer com o Ministério Público (todo poderoso) por este Brasil afora !!!

A chamada justiça pactuada ou consensual será o cemitério do Ministério Público e do Estado de Direito.

Até bem pouco tempo, o Ministério Público aparecia, nas pesquisas de opinião pública, como uma das instituições brasileiras mais respeitadas pela população. Agora, ele é amado por muitos e odiado por outros tantos. Virou até mesmo uma questão política e ideológica. Ele hoje tem sua atuação maculada por suspeitas de falta de isenção ou mesmo falta de imparcialidade.

2 - A "bagunça" está generalizada, pois já não temos um sistema processual penal. A "importação" de institutos jurídicos norte-americanos subverteu e amesquinhou o nosso princípio da legalidade e, agora, vale o negociado sobre o legislado. Quer dizer, as regras cogentes do Direito Penal e do Direito Processual Penal podem ser derrogadas por um acordo entre um membro do Ministério Público e um criminoso confesso !!!

O "meu" Ministério Público, no futuro, vai "pagar um preço" muito alto por esta ambição desmedida de poder. Estes jovens procuradores da república e o Dr. Rodrigo Janot não tinham o direito de subverter o nosso Direito Processual Penal, não tinham o direito de expor o Ministério Público desta forma !!!

 


Imagem Ilustrativa do Post: Law // Foto de: Woody Hibbard // Sem alterações

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