Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenador Assis da Costa Oliveira
Tema de grande relevância na atualidade é o debate das questões ambientais e de sua sustentabilidade, já que na atual conjuntura, em meio ao mundo globalizado isto se apresenta como um desafio a ser enfrentado por todos.
Sabemos, no entanto, que esta realidade nem sempre foi assim. A questão ambiental até um passado recente não era objeto de preocupação, afinal o meio ambiente estava todo a nossa disposição, todos teriam o direito de usufruir, de forma incondicional e irrestrita das suas benesses. Vigorava no imaginário das pessoas, a ideia de uma força maior, misteriosa e mágica, que restabelecia o ambiente, mantendo o equilíbrio necessário. Somente no século XX, com a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, das mudanças radicais no clima, das catástrofes decorrentes da ambição e da ganância dos seres humanos, que passamos a nos dar conta de que a vida na terra não se reconstrói como num conto de fadas, em que todos são felizes para sempre e, que é preciso sim, preservar o mundo que o cerca, para que as futuras gerações possam conhecer um meio ambiente sadio e equilibrado.
Historicamente, cita-se que foi por meio da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que os Estados puderam canalizar suas reivindicações em prol de uma política mundial preservacionista do meio ambiente, sem dúvida, impulsionados pela nova visão de que o meio ambiente não era autor renovável. Dentro dessa perspectiva, pode-se citar como um grande marco dessa internacionalização a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972, mas que teve seu remontar desde 1968, quando a Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução n. 2.398 aprovou uma recomendação do Conselho Econômico e Social, no intuito da convocação de uma conferência sobre o tema[1].
Este processo de sensibilização social e ambiental, perpassa na década de 1980, pelo relatório Brundtland (1987), igualmente conhecido como “nosso futuro comum”. É a partir de então que se multiplicaram os documentos internacionais sobre o tema. E, embora esse não seja o momento mais oportuno, permite-se equipará-la com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já que é inegável que ambas contém similar relevância para o Direito Internacional e para a Diplomacia dos Estados, exercendo, cada qual a sua maneira, o papel de valor guia na definição dos princípios mínimos que as legislações a respeito devem conter.
Resguarda-se, nesse contexto, atenção especial a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989 – ponto basilar de ligação dos temas da presente análise – de que em seu artigo 29, item 1, letra “e”, estabeleceu a necessidade de “imbuir na criança o respeito ao meio ambiente” e, em seu artigo 24, 2, “c” previu que a criança tem direito de gozar do melhor padrão de saúde possível, com o dever dos estados-membros de erradicar as doenças e o comprometimento na aplicação de “tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental”, o que sem dúvida corrobora a necessidade de um padrão de vida sustentável[2].
Em 1992, passados 20 anos da Conferência de Estocolmo, a ONU convocou outra, no Rio de Janeiro, desta vez, tendo como enfoque o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, pois apesar de ter ocorrido muitos avanços nesse período, paralelamente, também ocorreram grandes catástrofes ambientais[3].
A aludida Conferência, também conhecida como a Eco-92, teve, resumidamente, como resultados a assinatura pelos Estados participantes de duas Convenções multilaterais, quais sejam, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre a Diversidade Biológica; a subscrição de três documentos: A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre as Florestas e a Agenda 21; a adoção de compromisso dos Estados relativos à determinação de pauta de próximas reuniões diplomáticas multilaterais, sob a égide da ONU; o comprometimento dos Estados em respeitar as regras do princípio do poluidor-pagador; o da preservação; a integração da proteção ao meio ambiente em todas as esferas da política e das atividades normativas do Estado e a aplicação dos Estudos de Impacto Ambiental (Objetivos da Declaração do Rio de Janeiro)[4].
No ano de 2002, aconteceu a Conferência do Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, no Continente Africano, num esforço conjunto para compensar as necessidades humanas com os recursos que a terra oferece. Para se desenvolver o conceito de desenvolvimento sustentável “a Comissão recorreu à noção de capital ambiental”, demonstrando que tanto os países ricos, quanto os pobres, no futuro, se depararão com a “insolvência dessa conta”[5].
Podemos aferir da análise de alguns dos documentos internacionais que os princípios do desenvolvimento sustentável estão presentes em muitas das conferências da ONU, exemplificativamente na Segunda Conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos de 1999 e que se deu em Istambul, na Cúpula do Milênio, de 2000, bem como seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em que é possível extrair-se um objetivo direto, o sétimo, sobre a garantia e a sustentabilidade ambiental e, por fim, cita-se a Reunião Mundial de 2005. Desse modo, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento entende que desenvolvimento sustentável seria “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”[6].
Para continuar discutindo estas importantes questões, a comunidade internacional voltou a se encontrar no Rio de Janeiro, em junho de 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, tratando de metas que se preocupam com desenvolver uma economia e um desenvolvimento sustentável, sendo capaz de, ao mesmo tempo, tirar as pessoas da linha da pobreza e de ampliar a coordenação internacional para o desenvolvimento sustentável[7].
Em ato contínuo, como efetivo contributo na evolução da causa do desenvolvimento sustentável, em 2015, em Nova York, aconteceu a cúpula do desenvolvimento sustentável, que teve como principal contributo a redefinição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com prazo de até 2030[8].
Assim, com todos esses documentos internacionais traçaram-se três pilares centrais do termo: economia, sociedade e meio ambiente. Para Heline S.Ferreira “[...] a noção de sustentabilidade passou a congregar aspectos mutuamente dependentes: deveria ser economicamente viável, ecologicamente correto e socialmente justo”[9]. Desse modo, as últimas décadas foram profícuas para o desenvolvimento de legislações nacionais e internacionais, que consagram os princípios preservacionistas. Contudo, como alterar uma cultura meramente extrativista arraigada há milênios na humanidade? A Declaração de Estocolmo já trazia um caminho, uma solução, a mais segura e eficaz: a educação – uma educação em questões ambientais como forma de tomada de consciência individual e coletiva, capaz de alterar a conduta dos indivíduos para assumirem a responsabilidade na proteção e melhoramentos no meio ambiente, mas ela por si só, não é suficiente, é necessário políticas públicas que possam implementá-la.
É certo que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos reconhecidos ao ser humano em geral. E, nem se poderia interpretar de maneira diversa tal designação, face ao princípio da igualdade insculpido no caput do artigo 5º, da Carta Constitucional (CF). Seguindo esta perspectiva, cumpre salientar que a CF trouxe em seu artigo 226 notáveis mudanças no direito de família, consagrando uma especial proteção a ela, considerando-a como a base da sociedade que recebe proteção especial do Estado. De posse dessa importância, foi que o legislador pátrio reafirmou tais preceitos no Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente nos artigos 19 a 25. Desse modo, podemos asseverar que essa conformação à convivência familiar constitui-se em um dos elementos basilares da Doutrina da Proteção Integral, inaugurada com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, que declarou que todas as crianças possuem características específicas devido à condição de desenvolvimento em que se encontram e, que as políticas básicas voltadas para a infância devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado[10].
É nesse sentido que deve caminhar a proteção integral, reconhecendo-se a dimensão de humanidade de crianças e adolescentes, que são titulares de direitos de personalidade, pois conforme Rosane Leal da Silva[11]:
[...] falar em desenvolvimento da personalidade pressupõe o reconhecimento da dimensão de humanidade da criança, que é tomada em sua integralidade: aspectos físicos, morais, psíquicos, lúdicos, havendo clara interdependência e influências recíprocas entre eles.
Esse novo paradigma no tratamento das crianças foi recepcionado pela ordem constitucional brasileira antes mesmo de a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança ter sido aprovada, o que só veio a acontecer no ano de 1989. Isso prova a influência das mobilizações sociais realizadas ao longo dos dez anos que antecederam a aprovação do documento internacional e que se mostraram determinantes para a inserção da Doutrina da Proteção Integral na ordem jurídica nacional, alinhando o Brasil, ao menos quanto à ordem constitucional, aos princípios eleitos pela Convenção Internacional.
Destacamos que foi com base na Convenção sobre os Direitos da Criança, decorrente da sua função integradora, que o Brasil procedeu a uma extraordinária mudança no plano normativo, posto que a Constituição Federal de 1988, com base nos princípios eleitos pela normativa internacional, introduziu no ordenamento jurídico a Doutrina da Proteção Integral. Com isso operou verdadeira revolução paradigmática em direção ao novo Direito da Criança e do Adolescente a partir do reconhecimento da integralidade dos direitos de quem se encontra em fase especial de desenvolvimento.
Esta vulnerabilidade especial faz com que recebam precedência de atendimento e de destinação de recursos, dentre outras prerrogativas, conforme o parágrafo único do art. 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que transmuda a natureza das obrigações do Estado, da família e da sociedade, já que a Doutrina da Proteção Integral enseja uma tutela coletiva e um dever de asseguramento dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Desse modo, constatamos que no contexto prático brasileiro, infelizmente, as demandas socioambientais longe estão de atingirem um marco satisfatório de prestação. Situação esta estabelecida em decorrência de vários fatores, como a crise econômica generalizada, a pouca expressão dos movimentos sociais, a corrupção nos poderes de Estado, a dependência às instituições financeiras mundiais, a acumulação de capital e renda por uma elite minoritária, a expansão demográfica descontrolada, a falta de consciência preservacionista, somente para citar alguns dos muitos exemplos existentes.
Tais questões não mais podem ser adiadas, pois é inócuo que um Estado Democrático de Direito como a República Federativa do Brasil tenha disposições constitucionais tão avançadas e, paradoxalmente, um universo cultural e uma realidade socioambiental tão distante das normas fundamentais positivadas. Por isso, enquanto não se encontrarem alternativas viáveis, é preciso, além do esforço dos agentes políticos, do esforço da população em geral, uma tomada de consciência da importância do dever de educação e de sustentabilidade em matéria ambiental, de modo que se possa preservar o meio ambiente sadio e equilibrado às presentes e futuras gerações.
Parece-nos que a obrigação de amparo dos mencionados direitos não só as gerações presentes como também às futuras gerações, consiste e decorre de um direito de igualdade, de solidariedade e de consciência/ação intergeracional, já que o meio ambiente é considerado bem de uso comum de todos e, desse modo, se não se preservarem os bens da natureza, no presente momento, as gerações futuras não conhecerão certas espécies e certos lugares do planeta terra.
Notas e Referências
ALMEIDA, Paulo Santos de. Direito Ambiental Educacional: suas relações com os direitos das criança e do adolescente. São Paulo: Verbo Jurídico, 2009.
COSTA, José Kalil de Oliveira. Educação Ambiental, um direito social fundamental. In: 10 anos da Eco-92: O direito e o desenvolvimento sustentável. HERMAN, Benjamin Antônio (Org.). São Paulo: IMESP, 2002.
FERREIRA, Heline Sivini. Do desenvolvimento ao Desenvolvimento Sustentável: um dos desafios lançados ao Estado de Direito Ambiental na sociedade de risco. IN: LEITE, J. R. Morato; FERREIRA, H. S; CAETANO, M. A. (orgs). Repensando o Estado de Direito Ambiental. Coleção Pensando o Direito no Século XXI, Volume III. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
ITAMARATY. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/135-agenda-de-desenvolvimento-pos-2015. Acesso em: 14 ago 2019.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. A ONU e o meio ambiente. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/. Acesso em: 14 ago 2019.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. Conferências de meio ambiente e desenvolvimento sustentável: um miniguia da ONU. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conferencias-de-meio-ambiente-e-desenvolvimento-sustentavel-miniguia-da-onu/. Acesso em: 14 ago 2019.
PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
SILVA, Rosane Leal da. A proteção integral dos adolescentes internautas: limites e possibilidades em face dos riscos do ciberespaço. Florianópolis: UFSC, 2009. Tese de Doutorado, Curso de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
UNICEF. Convenção sobre os Direito da Criança de 1989. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca. Acesso em 12 ago 2019
[1] Na oportunidade, ficaram acertadas, dentre outras coisas, a votação da Declaração de Estocolmo, o Plano de Ação para o Meio Ambiente, uma resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da ONU e uma resolução que instituía um organismo especialmente dedicado ao Meio Ambiente, o PNUMA.
[2]ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. Convenção dos Direitos da Criança Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca. Acesso em: 12 ago 2019.
[3] Podemos citar, exemplificativamente, a repercussão internacional do acidente nuclear com a usina da cidade de Tchernobyl, na Ucrânia, em 1986.
[4]COSTA, José Kalil de Oliveira. Educação Ambiental, um direito social fundamental. In: 10 anos da Eco-92:O direito e o desenvolvimento sustentável. HERMAN, Benjamin Antônio (Org.). São Paulo: IMESP, 2002.
[5]ALMEIDA, Paulo Santos de. Direito Ambiental Educacional: suas relações com os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Verbo Jurídico, 2009.
[6]ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. A ONU e o meio ambiente. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/. Acesso em: 14 ago 2019.
[7]ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS. Conferências de meio ambiente e desenvolvimento sustentável: um miniguia da ONU. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conferencias-de-meio-ambiente-e-desenvolvimento-sustentavel-miniguia-da-onu/. Acesso em: 14 ago 2019.
[8]ITAMARATY. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/135-agenda-de-desenvolvimento-pos-2015. Acesso em: 14 ago 2019.
[9] FERREIRA, Heline Sivini. Do desenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: um dos desafios lançados ao estado de direito ambiental na sociedade de risco. In: LEITE, J. R. M. FERREIRA, H. S.; CAETANO, M. A. (Orgs.) Repensando o estado de direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012, p. 137.
[10]PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 21.
[11]SILVA, Rosane Leal da. A proteção integral dos adolescentes internautas: limites e possibilidades em face dos riscos do ciberespaço. Florianópolis: UFSC, 2009. Tese de Doutorado, Curso de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2009, p. 33.
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