O Código Moro

10/03/2016

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 10/03/2016

Código, sob o ponto de vista jurídico, é o conjunto metódico e sistemático de disposições legais ou de normas relativas a um ramo do direito. É a compilação sistemática de diversas leis (Código Penal, Código Civil etc.).

Um Código, como toda lei, na maioria das vezes, retrata o período histórico em que foi promulgado, sujeitando-se à influência cultural e política da época.

O Código Penal Brasileiro decorre, também, de um processo histórico de formulação e de caracterização de conceitos.  O Código Penal - Decreto-Lei 2.848 de 07.12.1940 - passou a vigorar ainda no Governo ditatorial de Getúlio Vargas e sob a égide da Constituição da República de 1937. Desde 1940 até hoje o Código Penal passou por inúmeras alterações, sendo a maior e mais importante a nova Parte Geral - Lei 7.209 de 11. 07.1984.

A Constituição da República de 1988 proclama inúmeros princípios pertinentes ao direito penal, de modo que não se pode interpretar o Código Penal ou qualquer outra lei, principalmente em matéria penal e processual penal, sem atender aos postulados da Constituição da República. Assim, princípios como o da legalidade, da culpabilidade, da lesividade, da intervenção mínima e outros deverão nortear não somente o julgador, mas também o legislador. Os princípios ora atuam como limitadores do poder legislativo, ora como limitadores do julgador. Funcionam como uma espécie de freios ao poder punitivo estatal.

Alguns Códigos, tamanha a influência do governante da época, ficam sendo conhecidos e distinguidos pelo seu nome ou de alguém do governo. Assim, por exemplo: o Código de Hamurabi (1726-1686 a. C); o Código Napoleônico (Code Civil, outorgado por Napoleão I em 1804); o Código de Zanardelli de 1890 (Giuseppe Zanardellio 1826-1903); Código Rocco de 1930 (Alfredo Rocco era o nome do ministro da Justiça da ditadura do fascista Mussolini) etc.

No Brasil, antes do atual Código Penal, já vigorou: O Código Criminal de 1830; o Código Penal de 1890; a Consolidação das Leis Penais, do Desembargador Vicente Piragibe; o Código Penal de 1940 e, ainda, o natimorto Código Penal de 1969 (não entrou em vigor).

No que diz respeito ao Código Criminal de 1830, é interessante notar que foi o primeiro Código Penal autônomo da América Latina. Foi influenciado pelas ideias e princípios liberais do Iluminismo e do utilitarismo que prevaleciam à época na Europa. Acabou também influenciando a legislação espanhola (Códigos de 1848 e 1870) bem como outros códigos na América Latina.

No dia 17 de março de 2014, com a deflagração pela Polícia Federal em seis Estados e no Distrito Federal para cumprir 130 mandados judiciais, sendo 17 mandados de prisão, entre elas a do senhor Alberto Youssef teve início a primeira fase da operação “Lava Jato”, até o momento foram vinte e quatro fases, tudo sob a vigência do novo código:  “Código Moro”.

No dia 17 de março de 2014, mesmo dia em que foi deflagrada a primeira fase da operação Lava Jato, passou a vigorar no Brasil o “Código Moro”. Promulgado no Estado do Paraná, o “Código Moro” passou a vigorar em todo o Brasil desde que assim determine o seu autor Sérgio Fernando Moro.

Inspirado em códigos fascistas, o “Código Moro” de natureza penal e processual penal, antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal rasgar a Constituição da República, já havia revogado o princípio da presunção de inocência em nome do combate à corrupção.

O Código, assim como já ocorreu no passado com a confissão, consagra a “delação premiada” como a rainha das provas (regina probationum).

No “Código Moro” a Polícia Federal e o Ministério Público Federal gozam de imunidades absolutas e de preferências sobre a defesa que cumpre apenas, de acordo com o código, um papel formal para evitar futuras arguições de nulidades. Aliás, para o “Código Moro” advogados e a defesa são considerados estorvos que só querem procrastinar o processo, que no dizer do autor do Código é apenas uma “marcha para frente”.

Os vazamentos, inclusive das questionáveis delações, só ocorrem contra determinadas pessoas e determinado partido político. Alguns setores da mídia conseguem através das suas preciosas “fontes”, informações com exclusividade que nem mesmo os advogados dos acusados obtêm.

Na 24ª fase da operação Lava Jato a PF, o MPF com a autorização do Juiz, baseado no seu código, trouxeram à baila uma nova modalidade de sequestro: a condução coercitiva. Ressalta-se que esta modalidade somente deve ser utilizada para proteção do conduzido ou investigado.

No “Código Moro” as prisões temporárias e preventivas são instrumentos utilizados para obtenção da delação. Uma nova forma de tortura. Aqui, também, as prisões se converteram em forma antecipada de punição estatal.

As penas no “Código Moro” não são delimitadas pelos princípios da culpabilidade, da proporcionalidade e da individualização. Pelo “Código Moro” prevalecem penas privativas de liberdade que se constituem em verdadeiro eufemismo da prisão perpétua.

Embora no Estado Democrático de Direito e em consonância com a Constituição da República o processo penal democrático não possam ser vistos hodiernamente como um simples instrumento a serviço do poder punitivo, mas, também, como aquele que cumpre o imprescindível papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido, no “Código Moro” o processo (marcha para frente) atropela todo e qualquer direito e garantia que possa obstruir ou freia o Estado penal. Atropela, inclusive, a Constituição da República.

Por fim, resta aguardar até quando o “Código Moro” vai vigorar. Quando o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República, vai declarar a inconstitucionalidade do “Código Moro”. Quando sairemos do Estado de exceção e voltaremos para o Estado Democrático e de Direito.

Belo Horizonte, 09 de março de 2016.


Sem título-1

. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal da PUC Minas, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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