O cinismo e as ilusões ambientais

01/07/2018

Introdução.

Quando assunto é meio ambiente, sobram discursos e faltam ações práticas. Esse fato é notório e repercute pelos quatro cantos do globo terrestre, já que em regra, a gestão ambiental é realizada por ações midiáticas, pautadas em medidas que refletem geralmente uma pretensão “positivas” e uma realização negativa.

De forma geral, a formação da consciência (individual ou coletiva) da sociedade sobre a importância do crescimento ambiental sustentável, preservando os recursos naturais e garantindo um ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, concorre com a realidade fática do mundo. A consciência ambiental é relativizada sob a justificativa “verdadeira” de atender as necessidades oriundas da vida moderna; em especial para garantir o consumo “feliz” e o crescimento econômico, necessário para manter empregos, rendas e tributos.

As ilusões que contornam a consciência, reflexionando (ou justificando) a degradação ambiental, não nascem com os Seres Humanos. Em regra, o sistema circunda o Ser Humano, “formatando” a consciência ambiental para reconhecer a superioridade da espécie humana em relação à natureza e para não reconhecer os efeitos colaterais do crescimento socioeconômico, ainda que com algum controle.

Ao que parece, os discursos, os cursos, as palestras educativas e todas as demais formas de informar e formar consciência ambiental sucumbem diante das pulsões do inconsciente Humano e da realidade social. Assim, o presente artigo pretende discutir em que medida a consciência ambiental é afetada pelo inconsciente humano e pela realidade social.

O homem não é apenas razão.

O mal do século é a solidão
Cada um de nós imerso em sua própria 
arrogância
Esperando por um pouco de afeição
[1]

Sob o ponto de vista filosófico, as crenças indicavam que o Ser Humano seria capaz de controlar as próprias emoções e de adotar regras de resolução dos conflitos pessoais. Ocorre, porém, que a crença racionalista foi profundamente abalada com as teorias de Sigmund Freud sobre o inconsciente. Segundo Sigmund Freud, citado por Aranha e Martins (1994, p. 247), ao levantar a hipótese do inconsciente Freud descobre o mundo oculto da vida das pulsões, dos desejos (...) que se encontram na raiz de todos os comportamentos humanos[2].  

A chave de leitura de Freud sobre a força do inconsciente passa pela compreensão de que a consciência do Ser Humano é pressionada por conflitos que envolvem as paixões e os desejos versus as regras de convivência social (a moral). Dessa forma, alcançar o homem concreto passou a exigir um equilíbrio quase sempre improvável diante da impossibilidade de o Homem responder conscientemente aos atos e aos desafios que a vida em sociedade impõe. Com Freud, descobriu-se que o homem não é senhor de si, mas, ao contrário, é guiado por pensamentos dos quais não tem controle ou se quer conhece.

No tratado Mal-estar na civilização[3] Freud estabelece uma relação direta entre os sacrifícios causados pela renúncia das satisfações pulsionais e a impossibilidade de o homem obter felicidade quando vivendo em sociedade. O dilema humano tem como consequência a constante ameaça de desequilíbrio ou desintegração dos limites reguladores da relação do homem em sociedade.

Assim, se a civilização impõe sacrifícios durante a vida (fome, miséria, desemprego, violência psicológica e física) ou desconstrói os valores morais e éticos primários (como é o caso do desrespeito pela vida em todas as suas dimensões), haverá dificuldade de o Ser Humano aceitar as regras de convivência social sem alterar os parâmetros pessoais de felicidade.

O mal-estar ofusca a premissa sociológica do contrato social, quando o Ser Humano aceitou, livremente, trocar a felicidade individual (traduzida em uma vida livre e sem limites), pela vida organizada pelo Estado (traduzida em segurança, regras e normas jurídicas de convivência social). A interferência nas cláusulas do contrato social é explicada por Freud em razão da formação da consciência ser dada e construída ao longo da vida do Ser Humano; um processo que envolve os conflitos entre o mundo interno e as vicissitudes sociais, econômicas, políticas e afetivas. É a luta entre o desejo e a renúncia; entre o prazer e o desprazer e entre a satisfação e frustração com a vida pessoal e a vida em sociedade.

Em meio ao intenso e doloroso processo de construção da consciência, o Ser Humano flerta, namora e convive com os riscos sociais externos (psicológicos ou físicos), geralmente construídos com interesses políticos e econômicos que, alteram a realidade, modificam o status de felicidade em sociedade e iludem, falseando a realidade e destruindo os valores morais e éticos de convivência, de respeito ao próximo e de preservação do ambiente.

A consciência do homem e a realidade em que vive.

“Até bem pouco tempo atrás,

poderíamos mudar o mundo,

quem roubou nossa coragem?[4]

 

Segundo Karl Marx a consciência do homem é um produto social e o será enquanto existirem homens.

A consciência é, portanto, de início, um produto social e o será enquanto existirem homens. Assim, a consciência é, antes de mais nada, apenas a consciência do meio sensível mais próximo e de uma interdependência limitada com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivíduo que toma consciência; é ao mesmo tempo a consciência da natureza que se ergue primeiro em face dos homens como uma força fundamentalmente estranha, onipotente e inatacável, em relação à qual os homens se comportam de um modo puramente animal e que se impõe a eles tanto quanto aos rebanhos; é, por conseguinte, uma consciência da natureza puramente animal. (MARX; ENGELS, 2002, p. 25) [5]

O homem, assim, ao criar os produtos de sua consciência, para satisfação de suas necessidades, acaba por depositar neles sua vida, subjetivando-os, ao mesmo tempo em que internaliza os objetos da realidade, internalizando dessa forma as consciências depositadas naquele objeto. Por conseguinte, os conteúdos dos outros homens são, assim, internalizados como seus pelo processo de subjetivação e objetivação que constitui a realidade concreta. Nesse processo, as subjetividades encontram-se, constituindo, assim, a realidade social.[6]

Acrescente-se ao produto da socialização as heranças das gerações precedentes pois, segundo Marx o homem herda uma realidade transformada por outros homens, marcada por suas consciências, e essa realidade condiciona as possibilidades de ação desse sujeito para o futuro.   

A história não é senão a sucessão das diferentes gerações, cada uma das quais explora os materiais, os capitais, as forças produtivas que lhes são transmitidas pelas gerações precedentes; assim sendo, cada geração, por um lado, continua o modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformadas, e, por outro lado, ela modifica as antigas circunstâncias entregando-se a uma atividade radicalmente diferente. (MARX; ENGELS. 2002, p. 46-47).

Para Oliveira (2005)[7], Marx estabelece que a consciência não está dada no plano das ideias, mas, sim, no campo da sociabilidade e da realidade concreta.

Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinantes, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua consciência. (MARX apud IANNI, 1995, p. 31-32)[8]

Desta forma, para Marx, o trabalho encerra, ao mesmo tempo, a possibilidade de constituição do homem e de sua consciência, assim como promove as medidas para que o homem venha a se perder. Para Marx, a dicotomia do trabalho tem origem na sociedade capitalista e na forma de produção, pois desenvolve um processo de alienação, revelando o aspecto negativo do trabalho e sua consequência para a produção da consciência dos homens. As contradições do trabalho e a sua influência se manifestam em dois momentos; ora como meio através do qual o homem constitui-se; ora como fator gerador de alienação e de constituição de uma falsa consciência.

 

O trabalho, pela teoria marxista, constitui a consciência do homem através das relações de força entre as classes sociais. De um lado, a classe detentora do capital busca manter as relações de alienação da classe operária e, de outro lado, a classe operária, em tese, luta para modificar as condições estruturais para ilidir a alienação. O problema, entretanto, é que a modificação da condição de classe é influenciada pelo fato de que as ideias da classe dominante tendem a ser as ideias predominantes em cada época, pois a classe dominante é detentora das condições e dos meios materiais e intelectuais de produção.  

Assim, os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles são essas relações materiais dominantes consideradas sob forma de ideias, portanto a expressão das relações que fazem parte de uma classe, a classe dominante; em outras palavras, são as ideias de sua dominação. (2002, p. 48)[9]

Pois bem, pela perspectiva marxista, a formação da consciência, para a maior parcela da população mundial, ocorre pela influência do processo de alienação presente na produção capitalista. A produção capitalista tem como pano de fundo, as ideias da classe dominante e, a classe dominante, por regra, desenvolve ações estruturais para manter as estruturas de poder e de exploração do Ser Humano e dos recursos naturais.

Conclusão.

A partir das aproximações entre Sigmund Freud e Karl Marx, verifica-se por diversos ângulos que a ação do Ser Humano em relação ao Meio Ambiente ocorre por cinismo ou por ilusão. Primeiro, observa-se que de um lado, há um grupo que ilude e de outro lado um grupo iludido. Segundo, que a formação da consciência ambiental se mostra determinada por fatores internos e outros externos. Entretanto, resta claro que o meio social e as interferências oriundas do processo de produção e de socialização exercem pressão sobre o Ser Humano, muitas vezes de forma subliminar, formando a falsa consciência ou a inconsciência imanente.

Notas e Referências

MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1964. _____. O capital: crítica da economia política, v. I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. _____.Trabalho assalariado e capital. São Paulo: Global Editora, s.d.. p 11-49. MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998. _____. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002

[1] RUSSO, Renato. Esperando por mim. In: Legião Urbana. A tempestade. Rio de Janeiro. 1996, faixa 15.13. Disco vinil.

[2] ARANHA, Maria Lucia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. Ed. Moderna: São Paulo, 1994.

[3] OLIVEIRA, Camila Passos Fleury. A construção do conceito de consciência em Freud, Marx e Adorno. Revista UFG, 2005.

[4] [4] RUSSO, Renato. Quando sol bater na janela do teu quarto. In: Legião Urbana. As quatro estações. Rio de Janeiro. 1989, faixa 11.04. Disco vinil.

[5] MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002

[6] OLIVEIRA, Camila Passos Fleury. A construção do conceito de consciência em Freud, Marx e Adorno. Revista UFG, 2005.

[7] OLIVEIRA, Camila Passos Fleury. A construção do conceito de consciência em Freud, Marx e Adorno. Revista UFG, 2005.

[8] IANNI, O. (Org.) Marx. São Paulo: Editora Ática, 1995.

[9] MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002

 

 

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