O caos pelo qual passa o Espírito Santo confirma a tese de Tobias Barreto, entre nós, e de Luigi Ferrajoli, de que o sistema penal institucionalizado (ainda) constitui “um luxo próprio das sociedades evoluídas”

09/02/2017

Por Jorge Coutinho Paschoal – 09/02/2017 [1]

“Podem phrases theoreticas encobrir verdadeira feição da cousa, mas no fundo punir é sacrificar, sacrificar, em todo ou em parte, o individuo ao bem da communhão social, sacrifício mais ou menos cruel, conforme o grão de civilisação deste ou daquelle povo, nesta ou n’ aquella época dada, mas sacrifício necessário, que, se por um lado não se accomoda á rigorosa medida jurídica, por outro lado também não pode ser abolido por effeito de um sentimentalismo pretendido humanitário, que não raras vezes quer ver extinctas por amor da humanidade cousas, sem as quaes a humanidade não poderia talvez existir”[2].

A institucionalização do conflito penal, por meio de um direito punitivo, mostrou-se uma conquista. Embora sempre seja possível idealizar um sistema punitivo melhor, quer dizer, mais humano e justo, não é crível pensar na existência de uma alternativa ao direito penal (enfim, de algo melhor a ele), como querem as doutrinas abolicionistas.

Em uma explicação simples, o direito penal foi instituído diante da necessidade de conter o caos punitivo então reinante nas sociedades mais primitivas, já que - sem alguma formalização do direito, mediante a centralização de um poder punitivo -, a violência e a brutalidade imperavam em meio à desordem ínsita a um sistema orientado pela justiça privada.

Basileu Garcia bem demonstra os inconvenientes de um modelo de justiça assim, naturalmente violenta e acompanhada de todos os excessos, em que o ofendido agia contra o seu agressor de modo emocional e totalmente desproporcional: não raras vezes, o que era para ser um dissídio limitado às partes acabava virando um conflito de todos contra todos, o que só gerava mais guerra, ódio e violência[3].

O sistema penal, portanto, foi criado e pensado para resguardar a segurança e a liberdade dos indivíduos envolvidos na controvérsia penal e, por via reflexa, de todos os membros da sociedade, já que, no velho sistema de vingança privada, também terceiros poderiam sofrer com a grande incerteza na aplicação dos castigos: não raro, estes se davam de modo coletivo.

À evidência, sistemas assim não tinham como oferecer qualquer tipo de garantia, já que, na resolução do embate, prevalecia sempre a vontade do mais forte.

Sendo assim, naqueles tempos mais primitivos, obviamente, não teria como existir qualquer noção de individualidade da culpa, de maneira que o ataque a um indivíduo representava uma ofensa a todo o agrupamento social: o inimigo de um virava inimigo de todos[4]. Punições coletivas, sangrentas e exemplares constituíam a regra absoluta.

Só com o passar do tempo que se atingiu um estágio de relativo progresso, procurando-se obter um estado de equilíbrio entre a ofensa praticada e a resposta conferida. Chegou-se, assim, à pena de talião (olho por olho, dente por dente), a qual - embora hoje se mostre algo questionável do ponto de vista lógico[5] - constituiu, à época, um importante passo rumo à racionalização do poder punitivo[6], por visar imprimir um pouco de racionalidade e proporcionalidade entre a ofensa praticada e a resposta conferida.

De todo modo, o direito na Antiguidade mantinha uma concepção essencialmente religiosa, punindo-se o agente por meio da vingança de sangue, pois, caso contrário, segundo se imaginava, “a sociedade jamais voltaria a gozar de tranqüilidade”[7].

Nessa esteira, segundo afirma Heleno Cláudio Fragoso, a reação punitiva, para a época, tinha um caráter sacral, pois a “vingança de sangue exercida pela vítima ou seus parentes é dever sagrado, visando aplacar a ira da divindade. A pena é, assim, expiação religiosa”[8].

Pouco a pouco, entretanto, percebeu-se o quão inseguro e temerário seria um sistema como esse, baseado ainda na ideia de punição[9] privada, deixada exclusivamente ao arbítrio e nas mãos dos particulares, o que acarretava inúmeros problemas, pois, afinal, todos sabemos, “ninguém é bom juiz em causa própria (nemo judex in rem sua)”[10].

Para proteção de todos, houve um lento e gradativo processo de centralização do poder, com uma crescente monopolização da resolução dos conflitos.

Deu-se, assim, paulatinamente, em épocas afastadas e distantes da história (que não seria possível precisar[11]), o surgimento de um incipiente direito penal, formalizado, cujo objetivo foi conferir maior segurança e liberdade a todos[12].

Aos poucos, foi se delineando um sistema de resolução de conflitos cada vez mais centralizado e formalizado. Ao direito penal foi sendo conferida a função quase que exclusiva de repressão dos delitos.

Ao reprimir o crime, por meio da punição, acaba tendo efeito dissuasório, prevenindo, em grande parte, a prática de novos crimes (embora se conteste este dado, experiências recentes demonstram que este efeito existe sim)[13], garantindo a segurança e liberdade de todos, isto é, dos que delinquem e dos que não.

Em suma, o direito penal foi e é imprescindível para a manutenção da vida social. Não se pense, contudo, que o direito penal foi pensado para efetivar a proteção apenas de determinados indivíduos (como, por exemplo, tão-somente das vítimas[14]).

Aos infratores também interessa a formalização de um direito penal, por mais paradoxal que isso possa parecer, já que, sem um direito penal formalizado, a liberdade e a sua própria vida ficariam à mercê do senso de justiça do lesado/justiceiro.

O direito penal, portanto, não se justifica só para proteção da vítima, mas também serve para a preservação da integridade física e da liberdade do indigitado infrator.

Portanto, um primeiro dado importante ao tratar do direito penal, dos fins do direito penal, o que tem especial ressonância no processo, é que ele se justifica na medida em que serve para minimizar violência desnecessária: frise-se, não só a violência decorrente da prática dos delitos, mas, também – ou melhor, talvez principalmente - a proveniente dos castigos excessivos e crueis, que, mais antigamente, eram tendencialmente arbitrários, maximizados e desproporcionais[15], sendo o rol de reações e represálias bastante extenso (linchamento, escravidão, sevícias sexuais, mutilação, tortura, execução, etc).

A institucionalização do direito penal tem uma dupla finalidade preventiva: não só dos delitos, mas também das punições injustas, arbitrárias e desproporcionais:

“Quero dizer que a pena não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições”[16]; “... o direito penal tem como finalidade uma dupla função preventiva, tanto uma como outra negativas, quais sejam a prevenção geral dos delitos e a prevenção geral das penas arbitrárias ou desmedidas”[17]; “mais ainda: somente o segundo objetivo, ou seja, a tutela do inocente e a minimização da reação ao delito, é válido para distinguir o direito penal dos outros sistemas de controle social – de tipo policialesco ou disciplinar, ou talvez até terrorista – que, de forma mais ágil e provavelmente mais eficiente, teriam condições de satisfazer o objetivo da defesa social, em relação ao qual o direito penal mais do que um meio revela-se um custo, ou ainda, em se desejando, um luxo próprio das sociedades evoluídas”[18]

Na verdade, é somente com o processo, mediante a dissociação entre o juiz e parte lesada, que se dá um passo significativo para concretização e nascimento de um verdadeiro direito penal, em prol da contenção das violências[19].

Evidentemente, essa evolução não se deu de uma hora para outra.

Inicialmente, nos primórdios, como bem apontam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, remetia-se a solução do caso para a análise de um sacerdote ou de um ancião, este por conhecer melhor os costumes do grupo e aquele por, supostamente, receber mensagens do Além ou mesmo orientações de Entidades[20].

Depois, gradativamente, o poder de resolução do conflito foi passando a se centralizar na figura de alguém, de um líder (imperador, rei, príncipe) ou mesmo de um de seus representantes.

Assim, em um primeiro momento, os litigantes compareciam perante um representante estatal, o pretor, que concedia o encargo de decidir a causa a um árbitro. Este era livremente escolhido pelas próprias partes, mediante o compromisso denominado litiscontestatio[21]; não por outra razão, por muito tempo foi forte a concepção de equiparar o processo a um contrato, ou quase-contrato.

Mais tarde, até a escolha do árbitro coube ao pretor, passando o sistema a ser ainda mais concentrado.

Migrou-se de um modelo de arbitragem de cunho facultativo para um de resolução de conflitos de feição propriamente mais compulsória.

Para um controle mais objetivo da aplicação do direito, houve a necessidade de serem estabelecidas regras. Surge, assim, a figura do legislador, ainda que tardiamente à do magistrado, como bem anota a doutrina[22].

A Lei das XII Tábuas (450 a.C.) foi um marco, nesse sentido, constituindo positiva limitação da violência e da vingança privada: previram-se, de forma específica, os crimes privados, tendo-se instituído a lei do talião e a mediação como um importante instrumento capaz de apaziguar os espíritos e, assim, evitar ou minimizar a vingança[23]. Finalmente, o Estado passa a decidir as causas diretamente, sem a necessidade de nomear um árbitro. Essa fase data do século III d. C., sendo conhecida como cognitio extra ordinem, constituindo o modelo de processo que – feitas algumas ressalvas, dado o seu viés inquisitorial[24] - mais se aproxima do que se conhece hoje[25].

Conforme expõe Claus Roxin, “el Estado prohíbe, por principio, las venganzas privadas y los duelos (…) entonces nace para él, como reverso de una misma moneda, la obligación de velar por la protección de sus ciudadanos y de crear disposiciones que posibiliten una persecución y juzgamiento estatales del infractor y que la paz social sea renovada a través de la conclusión definitiva del procedimiento”[26].

Evidentemente, tal concentração de poder trouxe problemas (haja vista os abusos), o que demandou a necessidade de se instituírem maiores garantias; contudo, ainda assim, a formalização do Direito se mostrou algo muito melhor e preferível ao que havia antes (completa anarquia).

Do monopólio do poder de punir (formalismo penal) nasce para o Estado o dever de solucionar a controvérsia mediante um processo pautado em regras, que, aos poucos, dada a necessidade de maior proteção e segurança, foram se tornando mais claras, precisas e efetivas. Nesse sentido, o formalismo processual se coloca como um segundo passo imprescindível ao próprio formalismo penal, de modo a propiciar a segurança e liberdade dos indivíduos, escopos da institucionalização do sistema penal.

Como afirma Miguel Reale Júnior, “os pressupostos do direito penal e os fins que busca apenas podem ser efetivamente respeitados por meio do processo justo”[27]

Pode-se afirmar que, desde então, o direito penal, cada vez mais, passa a não ter “atuação nem realidade concreta fora do processo”[28].

A punição eventualmente aplicável não mais decorria da reação incerta e aleatória da vítima – ou mesmo de familiares e pessoas solidárias – mediante o “acerto de contas”, mas ficava a depender da apuração do fato em meio a um processo, cuja resolução era confiada a um representante estatal, um terceiro desinteressado.

Só com isso já se minimizaram muitas injustiças, pois a resolução do caso, se fosse deixada à sorte das próprias partes, levaria a diversas iniquidades, pois quem ditaria as regras do jogo sempre seria o mais forte; o que implicava, por um lado, impunidade (caso o mais forte fosse o agressor) e, por outro, em punição excessiva, Sendo assim, como ensina Tobias Barreto, “o direito de punir é uma necessidade imposta ao organismo social, por força do seu próprio desenvolvimento”[29].

Na verdade, todos ganham com a institucionalização da controvérsia penal.

A vítima se sente mais protegida, pois, uma vez apurada a culpa do infrator, o Estado se encarrega da punição, dispondo de meios não só mais efetivos, mas também eficazes para concretizá-la.

Também o acusado é tutelado, pois a sua conduta passa a ser apurada por um terceiro desinteressado, em meio a um procedimento (ainda que, inicialmente, de ordem rudimentar), o que, por si só, constituiu um avanço se comparado ao que vigorava antes.

Ainda que o acusado seja culpado e venha a ser condenado, há de se convir que as consequências penais lhe são mais vantajosas e previsíveis, havendo limites ao poder de punir (legalidade das penas), o que, como regra, inexistia antes (reação incontrolável). Portanto, frise-se: mesmo em caso de punição, o sistema continua a ostentar um caráter garantista e protetivo em relação ao próprio apenado.

É equivocado pensar que o direito penal violaria a dignidade humana do agressor, por, supostamente, instrumentalizar a sua punição em prol de outrem (da vítima ou da sociedade), como, equivocadamente, aduz Miguel Reale Júnior, já que também o infrator apenado é tutelado pelo direito penal.

Do exposto, a institucionalização do direito penal não entra em conflito com o princípio kantiano de que ninguém pode ser instrumentalizado em favor de um fim[30].

Sob todos esses aspectos, a lei penal, como bem afirma a doutrina, se apresenta como a “lei do mais fraco” contra o mais forte: ela protege, em um primeiro momento, a vítima contra a violência do delito e, por outro lado, o próprio suposto agressor (contra a arbitrariedade da vingança do lesado), sendo a pena justificada como um mal menor se comparável aos males decorrentes da anarquia punitiva[31].

É importante ter em vista essas duas finalidades no processo. Nem a acusação nem a defesa são donas do processo.

O processo não visa proteger apenas o inocente, ao resguardar a sua liberdade, mas, igualmente, o infrator (isto é, o culpado), ao vedar penas excessivas e injustas, o que tem uma especial relevância a todos os institutos processuais.

Haja vista todos os avanços descritos, não é possível ou mesmo crível abdicar do direito penal (e, consequentemente, do processo criminal) institucionalizado, pois, sem ele(s), haveria retrocesso, quiçá rumo à barbárie ou, talvez, a um sistema pautado na vigilância total, instituindo-se um cenário que, ao contrário do que deseja grande parte das correntes abolicionistas, fatalmente descambaria para um Estado de feiçãototalitária.

A respeito do exposto, Luigi Ferrajoli bem afirma que “o abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e humanitários – configura-se, portanto, como uma utopia regressiva que projeta, sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom, modelos concretamente desregulados ou auto-reguláveis de vigilância e/ou punição, em relação aos quais é exatamente o direito penal – com o seu complexo, difícil e precário sistema de garantias – que constitui, histórica e axiologicamente, uma alternativa progressista[32].

Evidentemente, sabe-se que o sistema penal formalizado não é perfeito.

Aliás, na prática, nenhuma criação humana é isenta a críticas, o que não significa renunciar ao ideal de melhorar a realidade à volta.

De fato, no sistema penal formalizado, há a previsão de inúmeras hipóteses de fatos típicos que não deveriam ser considerados ilícitos.

De toda forma, ainda assim, é melhor existir algum tipo de previsão legal, isto é, que discrimine (ainda que, às vezes, debilmente) qual conduta é proibida e qual o limite de pena cominada, a, simplesmente, inexistir qualquer especificação nesse sentido[33].

O que não se pode é, devido às inconsistências e aos problemas do direito penal, pretender abdicar do sistema punitivo formalizado, deixando a resolução do caso nas mãos dos envolvidos, sob a utopia abolicionista de que, entre os particulares, a controvérsia seria resolvida de uma forma melhor e mais efetiva.

A esse respeito, lembra-se que a história demonstra justamente o contrário. Todas as vezes que se pretendeu implementar uma desformalização do direito e do processo penal houve retrocesso. Na prática (basta passar os olhos pela história), sempre que se tentou instituir algo melhor ou diferente do direito penal formalizado, o que se viu foi justamente o contrário do que, originariamente, se alardeava.

Não raras vezes, houve um revigoramento de um super Estado (totalitário), pautado em um direito penal máximo (ainda que não formalizado, mas ainda assim direito penal), extremamente punitivo, opressor e estigmatizante, onde sequer havia um modelo mínimo de legalidade dos delitos e penas[34].

Um sistema formalizado, por mais que seja (e, certamente, deva ser) sujeito a críticas, é a melhor opção, por meio de um direito forte e de uma estruturação de segurança pública adequada, que garanta o direito de todos, sendo, ainda hoje, a melhor forma de proteger a todos os indivíduos. Sem isso, ocorre o que temos visto no Espírito Santo (convenhamos: ninguém há de negar o que ocorreu nesta semana).


Notas e Referências:

[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p. 270.

[2] BARRETO, Tobias. Estudos de direito Tobias. Brasília: Senado Federal (Conselho Editorial), 2004, p. 171-172.

[3] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol. 1, tomo 1. 7.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 07.

[4] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 13.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 11.

[5] FALCÓN Y TELLA, Fernando & FALCÓN Y TELLA, María José. Fundamento e finalidade da sanção: existe um direito de castigar? Tradução: Claudia de Miranda Avena. Revisão: Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2008, p. 185.

[6] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol. 1, tomo 1, p. 08.

[7] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis penais. 4.ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 70.

[8] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Atualização: Fernando Fragoso. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 32. Nesse mesmo sentido, apontando uma origem mística e religiosa da pena: DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 123.

[9] Aníbal Bruno contesta que a reação contra o agressor seria uma pena, constituindo mais um ato de guerra de uma tribo contra o membro de outra. Discorre o Autor que somente mais tarde, com a complexidade dos clãs, é que a vingança passa a ser uma reação contra o crime. (BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo I: introdução, norma penal, fato punível. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 33).

[10] PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra: Almedina, 2009, p. 30.

[11] A respeito dessa imprecisão entre as fases de vingança religiosa, privada e pública e do próprio surgimento do direito penal: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 19.ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 72.

[12] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: José Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1999, p. 27.

[13] Não se desconsidera a controvérsia envolvendo a efetividade da função preventiva da punição, mormente no seu aspecto geral negativo, isto é, de que se conseguiria dissuadir a generalidade das pessoas de praticar atos delituosos. De toda forma, não obstante a polêmica, Fernando Falcón y Tella e María José Falcón y Tella têm razão quando discorrem que “é difícil negar com bases sólidas a idéia de que as sanções penais podem intimidar, pelo menos a certos delinqüentes em potencial. Quando a polícia entra em greve ou quando está imobilizada por uma razão ou outra, a criminalidade aumenta de maneira significativa. Este é um dado em sentido comum. Quem pretenderia que os motoristas continuassem respeitando a regulamentação sobre o estacionamento se se cessasse a imposição de multas” (FALCÓN Y TELLA, Fernando & FALCÓN Y TELLA, María José. Fundamento e finalidade da sanção, p. 205). Entre nós, Miguel Reale Júnior também adverte que “não é possível fazer experiência sobre o efeito intimidativo da pena, porém, em recente greve de policiais militares, na Bahia, viu-se o aumento significativo dos saques e furtos” (REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 54).

[14] Neste breve artigo, será utilizado, indistintamente, o termo vítima, ofendido, pessoa ofendida, lesado, prejudicado. Para verificar a diferenciação doutrinária: GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: RT, 2004, p. 15-27; OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: RT, 2009, p. 79-81. Para uma análise criminológica do conceito: SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004, p. 50-55.

[15] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 270.

[16] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 268.

[17] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 269.

[18] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 270.

[19] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 269.

[20] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel & GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 22.ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 27.

[21] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel & GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo, p. 28.

[22] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel & GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo, p. 26.

[23] Nesse sentido, consulte-se: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral, p. 34.

[24] “Nasceu assim com a cognitio extra ordinem, o procedimento inquisitório, desenvolvido e decidido ex officio, secretamente e em documentos escritos por magistrados estatais delegados do príncipe (os irenarchi, os curiosi, os nunciatores e os stationarii), baseado na detenção do acusado e na sua utilização como fonte de prova, acompanhada bem de perto pela tortura” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 453).

[25] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, p. 28-29.

[26] ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Traducción de la 25.ª edicion alemana: Gabriela E. Córdoba y Daniel R. Pastor, revisada por Julio B. J. Maier. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2003 p. 02.

[27] REALE JÚNIOR, Miguel. “Simplificação processual e desprezo ao direito penal”. Ciências penais, São Paulo, ano 5, n. 9, jul.-dez./2008, p. 304.

[28] LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: (fundamentos da instrumentalidade garantista). 3.ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.03. A vingança privada não cessou completamente, sendo que, ao longo dos tempos (Idade Média, Moderna e mesmo Contemporânea), foi (e, em alguns lugares, ainda é) admitida; os países mais civilizados a punem, deixando pouca margem para a autotutela.

[29] BARRETO, Tobias. Estudos de direito, p. 165. Miguel Reale Júnior, por seu tuno, afirma que o dever-poder punitivo seria “uma decorrência da ‘natureza das coisas’ da vida associativa” (REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal, p. 19-20).

[30] “E isto basta para que a eventual justificação não entre em conflito com o princípio ético kantiano – que é também um critério metaético de homogeneidade e comparação entre meios e fins -, segundo o qual nenhuma pessoa pode ser tratada como uma coisa, ou seja, como um meio para um fim que não lhe pertence. A pena, com efeito, como já dissemos, é justificada não apenas ne peccetur, ou seja, no interesse de outros, mas, também, ne punietur, vale dizer, no interesse do réu a não sofrer suplícios maiores” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 272).

[31] A respeito disso, consulte-se: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 270-271.

[32] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 275. Também contra a ideia de abolicionismo penal: HASSEMER, Winfried. “Contra el abolicionismo: acerca del porqué no se debería suprimir el derecho penal”. Revista Penal, Salamanca, n. 11, p. 40; ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Tradução: Luis Greco. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 03-05.

[33] Embora Ana Lucia Sabadell conteste a linha evolucionista e progressista do direito penal, isto é, uma linha condutora de conquistas, argumentando que houve, de fato, avanços e diversos retrocessos na história do direito penal (SABADELL, Ana Lucia. “Problemas metodológicos na história do controle social: o exemplo da tortura”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 39, jul.-set./2002), não é possível negar que houve saldo final positivo, ou melhor, desenvolvimento, com a institucionalização dos conflitos pelo direito penal. Aqui cabe fazer um pequeno aparte: abusos e desmandos sempre ocorreram (e ainda ocorrem) ao longo da história, mesmo com a institucionalização do direito penal. “A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 310), o que evidencia que o direito penal não solucionou o problema da violência. De toda forma, com o direito penal, as arbitrariedades são mitigadas, sendo criado um modelo de justiça que não incentiva o erro (ou seja: não potencializa a violência ínsita em um modelo de justiça particular), mas visa a coibi-lo ou evitá-lo ao máximo (mitigando a violência incontrolável).

[34] “Em 22 de dezembro de 1919 são editados os princípios básicos do direito penal da República russa, que consideram o direito penal uma arma na luta pelos interesses das classes trabalhadoras, devendo as infrações ser interpretadas segundo os interesses da obra revolucionária. Esses princípios são estatuídos posteriormente pelo Código de 1922, que em seu art. 16 estabelecia a admissibilidade da analogia, com a incriminação de atos graves à sociedade socialista e à coletividade, anda que não previsto pela legislação. (...). O menosprezo ao formalismo, no campo penal, alcança seu ponto culminante no direito soviético, com a aceitação de que, mesmo ocorrendo a adequação típica, e embora estejam presentes formalmente as características prescritas na lei, pode o fato não ser delituoso, se dele não decorrer perigo ou consequências danosas ao Estado soviético e ao regime da ditadura do proletariado” (REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito. São Paulo: RT, 1998, p. 26-27). A respeito do conceito (ou melhor, ausência de definição) de crime no direito soviético: FRAGOSO, Heleno Cláudio. “Apontamentos sôbre o conceito de crime no direito soviético”. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, Rio de Janeiro, ano 2, n. 5, 1964.


jorge-coutinho-paschoal. . Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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