O caminho necessário do processo de adoção – Pela proteção integral dos direitos da criança e do adolescente – Por Giancarlo Silkunas Vay, Mathias Vaiano Glens, Peter Gabriel Molinari Schweikert e Safira Bonilha de Oliveira

19/10/2017

1. Introdução

Em 25 de setembro de 2017 a autora Maria Berenice Dias publicou um artigo a respeito do que ela entende pela “falência do sistema da adoção”.[1] Oferecemos, no entanto, um ponto de vista diferente.

A autora aponta que os mecanismos criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como a institucionalização, a inserção de crianças e adolescentes em família extensa, a destituição do poder familiar e a adoção costumam levar tempo incompatível com a “urgência” do tempo da criança. Acrescenta ser “absurdo depositar uma criança à espera de que os pais adquiram condições de ficar com ela”, sugerindo que “no momento em que a criança é entregue ao Estado pelos pais, ou é deles retirada por evidências de maus tratos ou abusos, deve imediatamente ser entregue à guarda do pretendente à adoção, sem passar por um abrigo

Ao que parece, a autora trata, de forma indiscriminada, de uma ampla gama de situações que, por tal razão, merecem soluções diversas, apropriadas ao caso concreto.

2. Análise de casos

2.1 A primeira situação

Como primeira hipótese, temos a mãe (em sua grande maioria, mas nada obsta de se considerar o pai também) que deseja entregar seu filho em virtude de alguma situação particular. Em razão do tabu relacionado ao aborto, existem situações em que ela não pretende ficar com a criança, apesar de tê-la gestado por imposição legal, religiosa ou moral. A exemplificar a questão com um caso real, Juliana (nome fictício) foi estuprada enquanto retornava à sua casa, vindo da faculdade. Envergonhada pela violência que sofrera, escondeu o fato de seus pais, com quem ainda residia, sendo que poucos meses depois, quando sua barriga indicava a gravidez, passou a colocar faixas em seu entorno e em volta dos seios para que não chamasse a atenção. Juliana só veio a saber da possibilidade do aborto legal após o período de quatro meses (período máximo em que os médicos brasileiros realizam a operação), razão pela qual amargou mais quatro meses de gestação odiando aquela criança que crescia em seu ventre e desejando, tão logo possível, a entrega dela ao Estado, sem que qualquer familiar seu tivesse conhecimento da vergonha – em sua perspectiva – que lhe acometia. Nesse caso em concreto, a Sra. Juliana se valeu da Defensoria Pública para manifestar sua vontade e possibilitar a entrega da forma mais correta possível. Vale mencionar que, à época, ainda não vigorava o Provimento da Corregedoria-Geral do TJSP 43/2015, que regulamenta, no Estado de São Paulo, o procedimento de entrega voluntária de infante pela genitora no âmbito das Varas da Infância e da Juventude (art. 166 do ECA). Todavia, foi nos seus exatos termos que a entrega se concretizou. A família extensa não foi procurada e a criança passou para um lar substituto poucos meses depois.

Nesse caso, alguns foram os fatores levados em consideração: o melhor interesse da criança (em não permanecer na família natural que o desprezava, bem como o de estar junto a uma família que pudesse lhe dar o amor e o afeto necessário para o sadio desenvolvimento); o melhor interesse da mulher (em não ser obrigada a permanecer com um filho contra a sua vontade, bem como por não ter sido aviltada em sua intimidade ao ser a família extensa procurada pelo Judiciário); o melhor interesse dos adotantes que, em processo célere – pois contava com a concordância da mãe –, tão logo proposta a ação de adoção, foi possível o desacolhimento em seu favor, iniciando-se o “período de convivência”, com a conclusão do feito sem entraves.

2.2 Uma segunda situação

Absolutamente diversa e muito mais comum do que a primeira, é a situação de haver notícia de que os pais apresentam situação de risco ao filho, culminando-se no acolhimento institucional da criança/adolescente em questão. Em sendo o caso, o Judiciário expede o mandado de busca e apreensão, a pedido do Ministério Público, e encaminha essa criança a uma das unidades de acolhimento institucional da comarca. Vale apontar que tal medida, por impactar em restrição do direito à convivência familiar, é tão apenas a última opção dentre as medidas protetivas previstas no ECA (rol do art. 101) – ou assim deveria ser, caso fossem devidamente seguidas as normativas que tratam dessa questão. Ocorre que, na prática, ainda existe um número expressivo de acolhimentos institucionais realizados antes mesmo de uma ação judicial (pelo Conselho Tutelar), muitas vezes como uma medida cautelar, ou seja, anterior ao risco, apesar da controversa permissiva legal para tanto;[2] e não é rara a ausência de intervenções concretas antes do esgarçamento da convivência familiar.[3] Desse modo, o fato de a criança/adolescente estar institucionalizada não significa que ela foi entregue ao acolhimento institucional pelos seus pais; tampouco que os pais desejam que seus filhos sejam adotados; menos ainda que as próprias crianças/adolescentes desejam uma nova família. Não significa, igualmente, que os pais são pessoas abomináveis, mas tão apenas que a criança/adolescente se encontra, naquele momento, em situação de risco e que precisa ser afastada por meio do acolhimento, constando da lei que ela deverá ser recolocada na sua família natural tão logo e sempre que possível. E mesmo que os pais a tivessem entregado, é imperativo reconhecermos que, se tal conduta for de fato um “gesto de amor”, em muitos casos é um gesto de desespero também. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dar primazia às estratégias que visam apoiar a família de origem ou extensa a criar seus próprios filhos com dignidade, visa, justamente, evitar ao máximo que se chegue na necessidade de tão desesperado “ato de amor” de entregar filho seu a outrem.

Temos que reconhecer que, quando uma mãe ou um pai manifestam seu desejo de que o filho seja adotado, eles normalmente, ainda que nem sempre, o fazem por falta de opção, conjugado com o desconhecimento de que têm direito a apoio estatal para que mantenham a criança sob sua responsabilidade: creche, medicamentos, assistência psicológica, benefícios assistenciais, entre outros. Sabendo disso, parece-nos óbvio que a maioria dessas famílias optaria por uma institucionalização breve ou pela entrega temporária do filho a membro da família de origem/extensa, por meio de guarda, enquanto se reorganizam e superam as condições de vulnerabilidade.

Assim, uma vez que a criança/adolescente é acolhida, passa-se a analisar as possibilidades de fortalecimento da família para que ela possa se reerguer e tornar a receber a criança/adolescente em seu seio (art. 23, § 1.º, c/c art. 129 do ECA), agora sem os fatores de risco que foram inicialmente identificados.

As causas que deram origem ao acolhimento institucional podem ser diversas, todavia, para que se possibilite a destituição do poder familiar e, com isso, a colocação em família substituta, é imprescindível a caracterização de alguma daquelas hipóteses do art. 1.638 do Código Civil: (1) castigar imoderadamente o filho; (2) deixar o filho em abandono (não sendo admissível considerá-lo em virtude da ausência de condições materiais por conta da pobreza[4]); (3) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; (4) incidir, reiteradamente, nas faltas que possibilitam a suspensão do poder familiar (abuso de autoridade, ruína dos bens do filho, não observância dos deveres parentais). Trata-se de uma sanção aos pais voluntariamente desidiosos, possibilitando aos filhos a vivência em um lar saudável e afastado de situações de risco. Essa é uma das razões fulcrais para se compreender a razão de existir um número tão maior de crianças/adolescentes em acolhimentos institucionais, ainda que existam pretendentes à adoção.

Nesses casos, a aplicação da medida protetiva visará, em primeiro lugar, o retorno da criança/adolescente a sua família de origem, desde que superadas as condições de risco. Tal proceder será reavaliado a cada seis meses, podendo durar dois anos, no máximo, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pelo Judiciário (art. 19, §§ 1.º e 2.º, do ECA). Aponta-se que vários são os casos de reintegração ao núcleo familiar de origem, seja em virtude da verificação da insubsistência das razões que inicialmente foram invocadas para realizar o acolhimento (abuso sexual ou maus-tratos que nunca ocorreram), seja em virtude da constatação de que eventual situação de risco restou superada pela reestruturação familiar que recebeu maiores informações e cobranças sobre a necessidade de cumprir determinadas condições (frequência obrigatória da criança/adolescente na escola; atenção aos cuidados de higiene e saúde, por vezes se tratando de criança/adolescente com necessidades especiais em virtude de ser pessoa com deficiência), ou por terem sido ofertadas condições materiais que possibilitem uma vivência mais digna (fornecimento de benefício de aluguel social; inclusão dos pais em tratamento contra o uso abusivo de álcool e outras drogas,[5] entre outras).

E nem poderia ser de outra forma. Afinal, seria um contrassenso admitir que o mesmo Estado que deixa de garantir às famílias marginalizadas acesso a bens sociais básicos, à cidade e trabalho formal, aceite e determine que essas famílias sejam punidas pela própria pobreza por vias transversas, mediante a institucionalização de seus filhos e a perda do poder familiar.

O empreendimento de esforços para a tentativa de reintegração familiar à família de origem (natural ou extensa), ademais, se justifica por razões históricas que, igualmente, não podem ser desconsideradas. Com o fortalecimento do poder econômico no seio do capitalismo emergente no final do século XIX/início do século XX – e, consequentemente, com o empobrecimento massivo das classes populares e o surgimento das crianças pobres como problema público –, o fenômeno da institucionalização, à luz da normativa estabelecida pelos “Códigos de Menores” (1927 e 1979), passou a ser direcionado aos “menores em situação irregular”, autorizando a insurgência do Estado no seio das famílias marginalizadas, como novo mecanismo de controle social. Consequentemente, a intervenção na família passou a ter a conotação de segregação e privação de liberdade, utilizando-se dos antigos reformatórios e orfanatos, ainda que com a justificativa de proteção social.[6] Tal jogo perverso constituiu um paradigma de atendimento em que proteção e punição se confundiam.

Não se olvide que vivemos o legado de uma tradição histórica segundo a qual “as famílias pobres não são capazes de cuidar de seus filhos”. Trata-se de um processo de culpabilização da família pelo abandono de crianças, como se a responsabilidade pelos problemas de natureza socioeconômica tivesse uma conotação exclusivamente familiar.[7] Estudos feitos a partir de manifestações judiciais, amparadas muitas vezes em laudos técnicos, sugerem que: “As famílias violam os direitos de seus filhos em maior medida em razão da condição de miséria e exclusão, do que por situações específicas de violência, em que tenha ocorrido intencionalidade em fazê-lo. Constata-se uma modificação no discurso justificador da intervenção familiar para adequação à nova legislação, porém é mantida a intervenção do Estado nas famílias em razão da pobreza, ou ausência de condições econômicas para o cuidado adequado dos filhosO argumento de que ‘os pobres não sabem cuidar de seus filhos’ permanece sendo utilizado, ainda que de forma implícita”.[8]

O quadro apresentado não é fruto de uma construção acadêmica não condizente com a realidade. Aliás, sintomática é a situação que foi constatada no prefácio do Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes promovido em 2003 pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão:[9] “Nos achados e questões que a pesquisa coloca, gostaria de comentar dois pequenos conjuntos de dados que compõem este livro-relatório. Em primeiro lugar, o fato de 86,7% das crianças e adolescentes abrigados possuírem família, com a qual a maioria mantém vínculos (58,2%), sendo os motivos relacionados à pobreza os mais citados para o abrigamento (52%)”.

Ora, se a deficiência familiar, no que concerne ao cuidado dos filhos, decorre majoritariamente de sua condição socioeconômica, cabe ao Poder Público proporcionar meios para que a família desprovida de amparo possa se desenvolver plenamente (art. 203, I e II, da Constituição Federal), tais como promoção social, orientação, acompanhamento e tratamento, sob pena de violação de preceito fundamental, lembrando-se que a assistência aos desamparados é considerada, pela grande maioria da doutrina e da jurisprudência, componente irredutível do chamado mínimo existencial,[10] ao lado da saúde básica, da educação básica e do acesso à justiça e, portanto, exigível judicialmente.[11]

Insistir na intervenção estatal no seio da família, fomentando sua ruptura em virtude de carências materiais e déficit no acesso a políticas públicas de qualidade, é, por vias transversas, penalizar a pobreza, algo intolerável em um Estado que se pretende Democrático de Direito e cujos objetivos eleitos pelo constituinte abrangem a erradicação desta pobreza, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades e a promoção do bem de todos (art. 3.º da Constituição Federal).

E daí também por que o ECA poder ser considerado uma legislação que se contrapõe a séculos de história, já que os antigos internatos foram utilizados equivocadamente como estratégias de enfrentamento à pobreza. Por conta disso, o ECA estabelece, em seu art. 23, o que consideramos ser um de seus maiores avanços contra a institucionalização: a proibição do acolhimento institucional por pobreza. Isso não significa que a criança ou o adolescente que se encontre em tal situação não necessite de proteção. Significa, contudo, que, nessas situações, a institucionalização não pode ser levantada como uma possibilidade de atuação, nem que seja em último caso. Para o enfrentamento da miséria, é o núcleo familiar como um todo que deve ser apoiado por meio de sua inclusão em programas sociais. Se é a família que deve ser apoiada, pois é em seu interior que toda criança e adolescente deve idealmente crescer, é porque ela não é mais vista como incapaz, colocando aos abrigos uma nova função: trabalhar pela reintegração familiar.[12]

E se já está estabelecido e pacificado na literatura especializada que o acolhimento institucional não é a medida adequada para o enfrentamento de situações ligadas à pobreza, obviamente que a adoção também não é.

Nesses casos, portanto, forçoso o acionamento de toda a rede de proteção para se garantir condições básicas à família para a superação da situação de vulnerabilidade outrora instalada. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma leitura constitucionalmente adequada do direito fundamental à convivência familiar e comunitária, previsto no art. 277, caput, da Carta da República.

O art. 19 do ECA, materializando uma das vertentes do princípio do melhor interesse da criança, consagrado no art. 3.1 da Convenção sobre o Direito das Crianças, prevê a prioridade absoluta de empreendimento de todos os esforços para a manutenção da criança no seio de sua família biológica. Não por outro motivo que a Lei 12.010/2009 normatizou o princípio da prevalência da família de origem, insculpindo-o no rol de princípios do art. 100, parágrafo único, do Estatuto (inciso X). Tal diretriz, aliás, é repetida na forma de princípio das entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional (art. 92, II) e, também, como meta precípua dos Planos Individuais de Atendimento por elas confeccionados (cf. art. 101, § 4.º, do ECA; “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” e “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, ambos elaborados pelo CONANDA em parceria com o CNAS).

Note-se, ademais, que o rol das medidas de proteção (art. 101, ECA) suscetíveis de aplicação em face de uma situação de risco enfrentada pela criança/adolescente foi idealizado seguindo uma ordem de preferência, que tem como última alternativa a colocação em família substituta (inciso IX), cujo pressuposto lógico é a destituição do poder familiar. Trata-se de uma sequência lógica e sucessiva de direcionamentos que devem ser observados por todos os atores da Rede de Proteção – de quaisquer dos eixos estratégicos do Sistema de Garantias delineado na Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) – relativamente àqueles sujeitos, uma vez constatada a fragilização dos vínculos familiares.

É possível, então, afirmar – categoricamente – que a procedência do pedido de destituição familiar depende, necessariamente, do esgotamento dos recursos voltados à manutenção da criança no seio de sua família de origem. Isso porque a perda do poder familiar não é um fim de si mesmo, mas pressuposto lógico para a colocação da criança ou do adolescente em família substituta.

Apenas na hipótese de não se mostrar possível o retorno da criança/adolescente à família de origem, constatada a hipótese de destituição do poder familiar (em suma: por abuso físico, sexual ou abandono), é que a equipe técnica do juízo deverá dar parecer conclusivo pelo encaminhamento da criança a uma família substituta, incumbindo ao Ministério Público ou a quem tenha legítimo interesse a propositura da destituição do poder familiar (art. 155 do ECA).

Aqui reside um gargalo. Em havendo a possibilidade tanto do Ministério Público quanto do legítimo interessado, quem seria o mais qualificado à propositura da ação?

Ao que nos parece, melhor atende aos interesses da criança, bem como da família de origem e dos candidatos à adoção, a propositura da ação de destituição do poder familiar, em casos como os referidos, pelo Ministério Público. E isso porque, em se tratando a destituição do poder familiar de uma sanção aos pais por infração aos deveres que lhes são inerentes, faz-se imprescindível proporcionar um mínimo de contraditório e, com isso, que o processo dure tempo razoável para o seu exercício. A possibilidade de se consultar o cadastro de pretendentes à adoção antes mesmo de que os pais estejam destituídos do poder familiar, deixando àqueles a tarefa de promover a ação de destituição do poder familiar cumulada com adoção, não parece atender ao melhor interesse da criança e nem parece, juridicamente, a forma mais perfeita de se proceder, pois encerra alguns entraves que, se não bem compreendidos, podem gerar frustração nos envolvidos e o surgimento de um sentimento de injustiça, culpabilizando os demais agentes que fazem parte do processo como se fossem contrários ao melhor interesse da criança.

Juridicamente, carecem os pretendentes à adoção de conhecimentos acerca das razões que motivaram o acolhimento institucional e, por sua vez, da hipótese ensejadora da sanção de destituição do poder familiar, a poder motivar seu pedido.

Os prejuízos à família natural são evidentes, sendo que, concedida uma tutela antecipada no curso do processo, desacolhendo-se a criança para os pretendentes à adoção sem que a destituição tenha se operado, a consolidação do “estágio de convivência” entre criança/adolescente e pretendentes à adoção cria vínculos de afeto e afinidade, os quais são paulatinamente esgarçados em relação a sua família de origem, ainda que no final do processo se constate que, de fato, as razões ensejadoras da destituição do poder familiar não se verificaram. Em assim sendo, ou torce-se para que os pais realmente sejam “pessoas ruins” e que deram causa à destituição, tudo a ratificar o procedimento até então realizado, ou então não há o que ser feito em relação a eles, pois os vínculos formados entre criança e pretendentes à adoção são tão fortes que, “em sua homenagem”, são suficientes para que a família natural se conforme com a situação já estabelecida, priorizando-se a manutenção da criança/adolescente na nova família. Tal cenário se acentua em se tratando de crianças de tenra idade que vão firmando laços de afeto e afinidade com os pretendentes à adoção sem que houvesse a possibilidade de firmá-los em relação à família natural.

Quanto ao melhor interesse da criança, cria-se nos pretendentes à adoção, pessoas de boa-fé, a esperança de ter junto de si um(a) filho(a), uma vez que não se encerrou o processo de responsabilização dos pais biológicos, com a comprovação de que deixaram de cumprir os deveres inerentes à maternidade/paternidade, com a derradeira destituição, sendo que, ao fim, todas essas minúcias implicam diretamente no emocional da criança em questão. É impossível não associar a disputa entre família biológica e pretendente à adoção a um sofrido “cabo de guerra” em que, em vez da corda, está a criança sendo puxada pelos braços, guardando sentimentos importantes por ambos os lados, ainda que, com o passar do tempo, cada vez menos se lembre da família de origem.

Assim, em havendo razão para a destituição do poder familiar e, portanto, para colocar a criança/adolescente em família substituta, competiria, em regra, ao Ministério Público a promoção dessa ação e, em sendo procedente, tornar-se-ia possível a disponibilização da criança ao cadastro de adotantes. Em caso contrário, verificada que a prova não sugere ser o caso de destituição do poder familiar, prossegue-se com a execução das medidas de proteção, em vista da reintegração da família natural, evitando-se todo um sem-número de sofrimentos aos pretendentes à adoção, à família natural e à criança/adolescente.

A propositura de ação de destituição do poder familiar por parte de quem tenha legítimo interesse parece mais apropriada para outras situações, como (1) nos casos em que a criança/adolescente já se encontre com o pretendente à adoção, como nas hipóteses de adoção intuitu personae, seja decorrente de adoção unilateral, em que padrasto/madrasta deseja adotar o(a) filho(a) do(a) companheiro(a) e, para tanto, precisa destituir previamente o ex-consorte; sejaem outras hipóteses em que o vínculo de afinidade-afetividade já se consolidou com o passar do tempo, como no caso de pais que deixam o filho com um vizinho ou outras pessoas significativas da comunidade; (2) ou mesmo em casos de adolescentes que permanecem em acolhimentos institucionais sem qualquer perspectiva de retornar à família natural (por vezes em razão da morte dos pais), em que a propositura de ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público, sem pretendentes à adoção em vista, poderia acentuar ainda mais a situação de risco desse adolescente, que passaria a vivenciar um “limbo jurídico”, porquanto destituído de pais (com tal pecha em sua certidão de nascimento), sem que qualquer pessoa se interessasse em tê-lo em sua família, o que fatalmente o condenaria a permanecer até os 18 anos de idade em acolhimento institucional.

2.3 Uma terceira situação

Como terceira situação, temos a da criança/adolescente que se encontra em acolhimento institucional e cujos pais não são localizados para realização do trabalho de fortalecimento e futura reintegração da criança/adolescente ao núcleo familiar natural. Nesses casos, aos pais é nomeado curador especial de ausentes, atribuição exercida pela Defensoria Pública, a quem incumbe zelar, ainda que minimamente, pelo contraditório (art. 72, parágrafo único, do Código de Processo Civil e art. 4.º, XVI, da Lei Complementar 80/1994). Busca-se, nestes casos, por todos os meios permitidos, a localização daquela pessoa cuja representação se dá na forma da curadoria especial, requerendo-se a expedição de ofícios e, muitas vezes, realizando-se pesquisas junto a serviços da Prefeitura, como de atendimento à população em situação de rua (CREAS-POP Rua), entre outros.

Sabe-se que, não raras vezes, a atuação de curadores especiais limita-se a tão apenas contestar a demanda por negativa geral, mas estaria tal profissional, de fato, cumprindo com seu trabalho ao agir dessa forma? Também para não pecar por excesso de zelo, a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por exemplo, firmou com as Corregedoras-Gerais do Ministério Público e Tribunal de Justiça de São Paulo o “Termo de Cooperação Institucional para os fins do artigo 3.º do Provimento 36 do CNJ relativo às ações de adoção e destituição do poder familiar”, o CG 1.177/2014, em que “consideram-se suficientes as pesquisas de endereços por meio do INFOJUD, BACENJUD, SIEL-TRE, FOLHA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS, SERASA e SCPS, para viabilizar e/ou convalidar a citação por edital, nos termos do artigo 128, § 1.º, do ECA, caso infrutíferas as diligências”, sendo que “a pesquisa de outros bancos de dados de órgãos públicos ou provados, ex officio ou por requerimento, depende das peculiaridades do caso concreto, mediante decisão judicial fundamentada, fixando-se prazo razoável para conclusão das diligências”. Em assim sendo, realizando-se tão logo possível as diligências mencionadas, reduz-se o campo de atuação do curador de ausentes que, salvo diligências próprias ou aduzidos relevantes argumentos para nova diligência judicial, não terá interesse no prolongamento do feito, senão na argumentação de eventual matéria de direito ou de fato desabonador do casal pretendente à adoção, o que, diga-se, é função essencial ao curador especial de ausentes. Protege-se o interesse do ausente sem que, contudo, se proporcione injustificado prolongamento processual.

Decerto concorda-se com a autora no tocante à ausência de necessidade de uma busca infinita pelos pais ou por família extensa, até porque, diferentemente da primeira situação mencionada, nos casos de abandono voluntário das crianças, é muito mais comum que ele se dê sem que os pais procurem as instâncias formais (por ignorância e/ou receio de julgamentos morais), ao que a busca incessante pelos parentes poderia resultar, ainda que o curador especial atue de boa-fé, em violação ao direito à intimidade daqueles que optaram por não serem pais.

2.4 Uma quarta situação

Por fim, temos o caso das crianças/adolescentes acolhidos institucionalmente com os pais presos. Salvo situação em que os pais cometeram crime contra o(a) filho(a), não pode alguém ser destituído do poder familiar tão somente por ter sido preso (art. 23, § 2.º, do ECA). A sanção correspondente ao cometimento de um crime está prevista no Código Penal, correspondendo à privação de liberdade, à privação de outros direitos ou pagamento de multa. A destituição do poder familiar, dessa forma, não pode ser agregada como um plus punitivo por completa inexistência de dispositivo legal nesse sentido.

Por se tratar de medida restritiva de direitos, as causas legais de destituição do poder familiar (art. 1.638 do CC) devem ser interpretadas restritivamente, sendo certo que, em tais hipóteses, a condenação criminal não está consagrada. Ademais, a destituição do poder familiar não é efeito genérico ou específico da condenação criminal (arts. 91 e 92 do Código Penal[13]), ao passo que todo o sistema jurídico, inclusive as regras de direito internacional, busca garantir o direito de permanência da criança com sua mãe, apesar de eventual situação de encarceramento.[14]

Assim sendo, sui generis é a situação em que os pais se encontram presos com prazo longínquo para soltura, ou apenas um deles está preso e o outro é falecido, desaparecido ou não tem interesse na criança. Tal cenário, por mais triste que seja, não pode ser motivo para a colocação das crianças/adolescentes em família substituta. A prisionalização, infelizmente, faz parte do cotidiano de muitas famílias em virtude do superencarceramento[15] que o estado-penal brasileiro vem desempenhando, tratando-se do terceiro país que mais prende no mundo, conforme dados apresentados pelo CNJ. Dessa forma, ainda que a manutenção das crianças/adolescentes em acolhimento institucional não seja desejável, na ausência de família extensa para desacolhê-las, não pode tal sanção ser-lhe aplicada, havendo o acolhimento institucional de zelar pela realização das visitas ao familiar recluso, independentemente de autorização judicial, na forma do art. 19, § 4.º, do ECA.

Aliás, em alguns casos a destituição do poder familiar se dá justamente em nome de uma suposta proteção integral da criança/adolescente de não permanecer indefinidamente em acolhimento institucional enquanto aguarda sua mãe ou seu pai deixar o cárcere, ainda que isso se dê na ausência de oitiva da criança/adolescente, ignorando sua condição de sujeito de direito e de ator na escolha de possibilidades que impactem em sua própria vida.

3. Conclusão

Diferentemente do que a ilustre autora apresenta, ao menos na vivência destes profissionais subscritores, é por razões como essa, em que não se escuta a vontade da criança/adolescente, que “devoluções” de crianças são feitas pelos pretendentes à adoção, como se fossem objetos. A exemplificar, relembramos o caso real da Sra. Maria (nome fictício), mãe biológica de três filhos (Abel, Bernardo e Carlos – nomes fictícios). Por razões relacionadas ao uso de entorpecentes, supostos comprometimentos psicológicos e às baixas condições materiais da família, as três crianças foram acolhidas e, posteriormente, encaminhadas a famílias substitutas, cada uma para uma família diferente. Os pais foram destituídos do poder familiar. Carlos, que não tinha interesse em ser adotado, fugiu da nova família e retornou ao acolhimento, dizendo que queria voltar a conviver com sua mãe. Bernardo, ainda não se sabe ao certo o motivo, retornou um ano depois ao acolhimento institucional com o mesmo desejo.

O princípio do melhor interesse da criança, enquanto direito fundamental dotado de um conteúdo essencial,[16] não pode ser interpretado de forma rasa e subjetiva, mas sistematicamente a partir de todo o Microssistema Protetivo, evitando-se, assim, a colocação de crianças e adolescente na família que o observador entende como sendo desejável – muitas vezes aqui se utiliza a comparação com uma suposta “família Doriana”,[17] em alusão à feliz família do comercial –, normalmente atrelando-se o melhor interesse da criança a famílias com melhores condições financeiras (possibilidade de estudar em um colégio particular, aprender outros idiomas, residir em casa com saneamento básico). A vinculação do melhor interesse à condição financeira, além de ser perversa em relação à família pobre que não consegue ofertar bens e serviços à criança/adolescente, é cruel na perspectiva da família que possui tais condições, por coisificar a relação de filiação à melhor aptidão dentro da relação do capital em nossa sociedade de consumo, distribuindo-se as “crianças/adolescentes excedentes” às famílias em melhor situação financeira.

Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e, sempre que possível, sua opinião deve ser considerada. Da mesma forma, a família natural não pode ser penalizada (e a ela ser aplicada a destituição do poder familiar) em virtude da pobreza ou mesmo por erros na criação de seus filhos, sempre que isso puder ser revertido e possibilitar um espaço saudável de desenvolvimento, ainda que isso não signifique uma família que tenha condições de proporcionar a efetivação máxima de seu potencial.

Compreender os avanços legislativos e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, no tocante às garantias do direito fundamental à convivência familiar e comunitária – preferencialmente no seio da família de origem – apenas como obstáculos ao processo de adoção, implica descurar a importantíssima superação histórica dos ranços do sistema menorista, fundado no mito de que crianças e adolescentes estariam protegidos e em melhores condições longe de suas famílias consideradas “desestruturadas”.[18]

Parafraseando as autoras Irene Rizzini e Irma Rizzini, “há um grande descompasso no Brasil entre a importância atribuída ao papel da família no discurso e a falta de condições mínimas de vida digna que as famílias enfrentam, na prática, para que possam criar seus filhos. É fácil identificar de imediato a negligência cometida pelos pais ao se encontrar uma criança em ‘situação de risco’. É bem mais difícil acusar o Estado de negligente e omisso”.[19]

Pois, como lembra Herbert de Souza, “A tradição do Estado Brasileiro é não levar a sério sua função social, é ter uma relação perversa com a própria sociedade”.[20]

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Wacquant, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

 



[1] Dias, Maria Berenice. A falência do sistema da adoção. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-falencia-do-sistema-da-adocao-por-maria-berenice-dias/. Acesso em: 02 out. 2016.

[2] O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário do que se pensa, não prevê a figura do chamado “acolhimento emergencial” recorrentemente realizado pelos Conselhos Tutelares, os quais, em vez de agirem como órgão central do Sistema de Garantias (Resolução 113 do CONANDA), em constante interlocução com a Rede de Proteção com vistas ao fortalecimento e superação de situações de vulnerabilidade, acabam desmembrando famílias prematuramente, usurpando a competência jurisdicional. Note-se que, apesar de o art. 136 do ECA prever a possibilidade de aplicação, em tese, da medida de acolhimento institucional (art. 101, VII) diretamente pelos Conselheiros Tutelares, o art. 101, § 2.º, do ECA prevê que, “sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou do adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa”. Já o art. 93 do Estatuto prevê que “as entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão em caráter excepcional e de urgência, acolher crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato em até 24 (vinte e quatro) horas ao juiz da infância e da juventude, sob pena de responsabilidade”, inclusive com previsão de imediata comunicação à autoridade judiciária para que sejam tomadas as medidas necessárias para a tão logo possível reintegração familiar ou, na impossibilidade, seu encaminhamento para programa de acolhimento familiar ou institucional. Ou seja, apenas em casos excepcionalíssimos tolera-se o encaminhamento de uma criança ou um adolescente a Serviço de Acolhimento Institucional diretamente pelo Conselho Tutelar, ainda assim pendente a medida de ratificação judicial no prazo de 24 horas.

[3] Neste ponto, ressalte-se que as Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento (Resolução Conjunta CNAS/CONANDA 01/2009) preveem a imprescindibilidade do chamado estudo diagnóstico prévio, pelo qual, “salvo em situações de caráter emergencial e de urgência, o afastamento da criança ou do adolescente da sua família de origem deve advir de uma recomendação técnica, a partir de um estudo diagnóstico, caso a caso, preferencialmente realizado por equipe interdisciplinar de instituição pública, ou, na sua falta, de outra instituição que detenha equipe técnica qualificada para tal. A realização deste estudo diagnóstico deve ser realizada em estreita articulação com a Justiça da Infância e da Juventude e o Ministério Público, de forma a subsidiar tal decisão. (...) O estudo diagnóstico deve incluir uma criteriosa avaliação dos riscos a que estão submetidos a criança ou o adolescente e as condições da família para a superação das violações e o provimento de proteção e cuidados. Com a devida fundamentação teórica, o estudo deve levar em conta o bem-estar e a segurança imediata da criança e do adolescente, bem como seu cuidado e desenvolvimento a longo prazo. O processo de avaliação diagnóstica deve incluir todas as pessoas envolvidas, inclusive, a criança ou adolescente, por meio de métodos adequados ao seu grau de desenvolvimento e capacidades. A decisão pelo afastamento do convívio familiar é extremamente séria e terá profundas implicações, tanto para a criança, quanto para a família. Portanto, deve ser aplicada apenas quando representar o melhor interesse da criança ou do adolescente e o menor prejuízo ao seu processo de desenvolvimento”.

[4] Art. 23, caput, do ECA.

[5] Vale aqui observar que, muito embora, segundo recentes dados estatísticos levantados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o uso de drogas por parte dos genitores tenha sido o maior fundamento para a propositura de ações de destituição do poder familiar, existem, hoje, consistentes dados científicos apontando que o uso de drogas não implica necessariamente a inaptidão para o exercício da parentalidade, como se extrai da consulta feita pela Defensoria Pública ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, assim sumulada: “A princípio, não há como se dizer que genitores que sejam usuários recreativos ou com uso nocivo de drogas ou dependentes terão ou não condições adequadas para o cuidado com seus filhos. Mais especificamente, a incapacidade funcional, no caso a inépcia temporária ou definitiva, parcial ou total, da parentalidade, pode ser determinada em psiquiatria, obedecendo a critérios clínicos individuais e nunca generalizados. Por essa e por outras razões que, recentemente, com a publicação do marco legal da primeira infância (Lei 13.257/2016), o ECA sofreu alteração a suprimir dispositivo que trazia como direito da criança/adolescente viver “em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, tendo sido muitas vezes tal antiga disposição utilizada justamente para afastar pais e filhos do convívio familiar.

[6] Costa, Ana Paula Motta. Os adolescentes e seus direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 177.

[7] Rizzini, Irene; Rizzini, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 39.

[8] Costa, Ana Paula Motta. Os adolescentes e seus direitos fundamentais cit., p. 180.

[9] Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2014.

[10] Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

[11] A construção esposada, ainda, é compartilhada por Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, que ensina: “Antes de configurarmos a culpa ou o dolo dos pais carentes financeiramente pelo abandono do filho devemos assegurar-nos de que, pela ausência de condições materiais, foi precedida, obrigatoriamente, a aplicação de medidas protetivas à prole (art. 101 do ECA) e à família carente (art. 129 do ECA), bem como a prestação de assistência social, objetivando a proteção da família (art. 203, inciso I, da Constituição Federal). Exauridas as diligências de promoção da família, através de inclusão desta em programas oficiais e comunitários e de auxílio (art. 129, incisos I até VII, do ECA), e constatada a relutância e a negligência dos genitores em proporcionar aos filhos meios de subsistência, saúde e instrução obrigatória, então, estará caracterizado o abandono voluntário” (Maciel, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 121 – grifo nosso).

[12] Glens, Mathias. Órfãos de pais vivos: uma análise da política pública de abrigamento no Brasil. São Paulo: 2010. p. 39.

[13] Conforme o art. 92, II, do Código Penal, a condenação criminal apenas tem a aptidão de gerar a declaração de incapacidade para o exercício do poder familiar “nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado”.

[14] Nesse sentido, vejamos o que dispõe o art. 5.º, L, da Constituição Federal, também reproduzido pelo art. 9.º do ECA: “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. De outro giro, pode-se verificar que as Regras Mínimas para Tratamento das Mulheres Presas (Regras de Bangkok), adotadas pela Assembleia Geral da ONU, estabelecem que o contato da mulher presa com sua família e, principalmente, seus filhos deve ser encorajada e facilitada. In verbis: “Regra 26. Será incentivado e facilitado por todos os meios razoáveis o contato das mulheres presas com seus familiares, incluindo seus filhos/as, quem detêm a guarda de seus filhos/as e seus representantes legais. Quando possível, serão adotadas medidas para amenizar os problemas das mulheres presas em instituições distantes de seus locais de residência”. Já o art. 83 da Lei de Execução Penal prevê que: “Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. (...) § 2.º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. O mesmo diploma prevê ainda que: “Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”. Tais dispositivos, aliás, foram regulamentados pela Resolução 4, de 16 de julho de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que preconiza: “Art. 1.º A estada, permanência e posterior encaminhamento das(os) filhas(os) das mulheres encarceradas devem respeitar as seguintes orientações: (...) II – continuidade do vínculo materno, que deve ser considerada como prioridade em todas as situações; III – amamentação, entendida como ato de impacto físico e psicológico, deve ser tratada de forma privilegiada, eis que dela depende a saúde do corpo e da psique da criança. Art. 2.º Deve ser garantida a permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para as(os) filhas(os) de mulheres encarceradas junto as suas mães, visto que a presença da mãe nesse período é considerada fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficar comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe com sua(seu) filha(o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro reencontro. Art. 3.º Após a criança completar um ano e seis meses deve ser iniciado o processo gradual de separação que pode durar até seis meses, devendo ser elaboradas etapas conforme quadro psicossocial da família, considerando as seguintes fases: a) presença na unidade penal durante maior tempo do novo responsável pela guarda junto da criança; b) visita da criança ao novo lar; c) período de tempo semanal equivalente de permanência no novo lar e junto à mãe na prisão; d) visitas da criança por período prolongado à mãe. Parágrafo único. As visitas por período prolongado serão gradualmente reduzidas até que a criança passe a maior parte do tempo no novo lar e faça visitas à mãe em horários convencionais. Art. 4.º A escolha do lar em que a criança será abrigada deve ser realizada pelas mães e pais assistidos pelos profissionais de Serviço Social e Psicologia da unidade prisional ou do Poder Judiciário, considerando a seguinte ordem de possibilidades: família ampliada, família substituta ou instituições. Art. 6.º Deve ser garantida a possibilidade de crianças com mais de dois e até sete anos de idade permanecer junto às mães na unidade prisional desde que seja em unidades materno-infantis, equipadas com dormitório para as mães e crianças, brinquedoteca, área de lazer, abertura para área descoberta e participação em creche externa”.

[15] WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

[16] Silva, Virgílio Afonso. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito do Estado, 4, 2006, p. 23-51.

[17] Roudinesco, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

[18] Rizzini, Irene; Rizzini, Irma; Naiff, Luciana; Baptista, Rachel. Acolhendo crianças e adolescentes: experiência de promoção do direito à convivência familiar no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Unicef e Cortez, 2015.

[19] Idem, p. 33.

[20] Apud Rizzini, Irene; Rizzini, Irma; Naiff, Luciana; Baptista, Rachel. Acolhendo crianças e adolescentes cit

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