O ARTIGO 507-A DA CLT (ARBITRAGEM INDIVIDUAL TRABALHISTA) COMO NORMA PARADIGMÁTICA E PERMISSIVA DE OUTROS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

15/01/2019

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

Alerto ao estimado leitor, de plano, que este não é um artigo que irá abordar de maneira analítica e pormenorizada todas as questões que permeiam a complexa disciplina dos negócios jurídicos no âmbito do Processo do Trabalho.

Ao contrário, objetivamente pretendo trazer à lume uma singela reflexão: teria o art. 507-A da CLT o condão de romper com as amarras clássicas que limitam a possibilidade de celebração de negócios jurídicos no Processo do Trabalho? 

A essa indagação espero responder.

Primeiro é preciso perquirir o que é negócio jurídico. A resposta fica a cargo dos civilistas, brilhantemente sintetizada pelos ilustres doutrinadores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho: “[…] declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendido pelo agente.”.[1]

Pois bem, se transplantado o conceito de negócio jurídico à luz do direito material para o direito processual, ter-se-á a seguinte conceituação: “O negócio jurídico processual consiste na possibilidade de flexibilização do procedimento, mediante convenção das partes e controle de juiz”.[2]

Vale dizer, as partes, de comum acordo, estipulam regras processuais, tais como, foro de eleição, impenhorabilidade de determinado bem, indicação de perito, admissão de certos meios de provas, etc.

O CPC de 2015 contempla, expressamente, a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais em seu art. 190[3], trazendo, inclusive, os requisitos para a sua admissibilidade, que se somam à observância ao princípio do devido processo legal, às normas cogentes, bem como ao princípio da boa-fé objetiva.

A CLT, por outro lado, nada diz sobre os negócios jurídicos processuais, tendo se formado, então, nos muros da doutrina laboral, basicamente duas correntes:

A primeira no sentido de se negar a celebração de negócios jurídicos processuais, tendo em vista o princípio da Proteção, bem como o conjunto majoritário de normas imperativas que dominam o Direito Material do Trabalho.

A segunda, em lado oposto, entende que o art. 190 do CPC (assim como outros) se aplica ao Processo do Trabalho, sendo certo que os direitos trabalhistas admitem autocomposição. Logo, desde que observados os demais requisitos previstos em lei, inexiste razão para rechaçar a celebração de convenções processuais no âmbito do Processo do Trabalho.

Esclareço, por oportuno, que filio-me a segunda corrente.

O C. TST, em sentido diametralmente oposto, “aderiu” à primeira corrente, consoante se extrai do art. 2º, inciso II, da IN 39/2016.[4]

É preciso, todavia, ter cuidado ao dizer que o TST “aderiu” a essa ou aquela corrente, pois uma Instrução Normativa não têm (ou não deveria ter) o condão de sufocar ou vedar, antecipadamente, o debate judicial que, sem dúvida, ainda ocorrerá em toda a Justiça do Trabalho, uma vez que isso seria prejudicial ao saudável e aconselhável debate jurídico que, com o passar do tempo, após amadurecida a questão, se traduzirá em jurisprudência.

Superados esses aspectos introdutórios, é sabido que a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, alocou no bojo da CLT o art. 507-A, redigido nos seguintes termos:

Art. 507-A.  Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. 

A partir de 11 de novembro de 2017, portanto, quando a referida lei entrou em vigor, após o período de vacância, restou autorizado, através de norma jurídica inserta na própria CLT, a possibilidade de que litígios trabalhistas individuais sejam dirimidos pela via da arbitragem, o que nada mais é do que a celebração de um negócio jurídico processual.

Percebam que as partes poderão alijar do Poder Judiciário, se assim desejarem, desde que observados os termos da lei, a competência para dirimir determinado conflito trabalhista, ou seja, empregado e empregador, por exemplo, poderão se socorrer da Justiça Privada, e não mais da Estatal.

Por esse motivo vislumbro que a norma do art. 507-A da CLT é paradigmática, justamente porque ela rompe com todo o sistema anterior. Ou seja, segundo penso, não é mais defensável dizer que as partes não podem, por exemplo, adiar uma audiência, ou escolher um método de liquidação do julgado, se as mesmas partes podem, de comum acordo, afastar o Poder Judiciário, como um todo, do processamento e julgamento do litígio.

Aqui vale aquela máxima tradicional: quem pode o mais, pode o menos.

Pelos mesmos argumentos entendo que a norma em comento é permissiva.

Vale dizer, ao menos nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, as partes, por força de lei, gozam de autonomia privada suficiente para entabular convenções processuais mais amplas e restritas apenas aos termos da lei (art. 190 do CPC, por exemplo).

O art. 507-A da CLT impõe, portanto, s.m.j, uma revisão de tudo aquilo que já foi dito acerca de negócios jurídicos no âmbito do Processo do Trabalho, sendo certo que seu raio de ação, através de mera interpretação extensiva, vai muito além da simples previsão da arbitragem individual trabalhista. Ao revés, a norma traz à reboque algo muito mais profundo.

Em suma, a norma contida no art. 507-A da CLT é paradigmática e permissiva, sendo apta a autorizar, de maneira indiscutível, ao menos nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que as partes, por força de lei, através de simples interpretação extensiva, possam celebrar convenções processuais diversas, limitadas tão somente aos termos da própria lei.

 

[1] Novo Curso de Direito Civil. Volume 1, parte geral, pg. 315, Ed. Saraiva, 10º ed. 

[2] Miessa, Élisson. Processo do Trabalho, pg. 485, Ed. JusPodivm, 5ª ed.

[3]Art. 190.  Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”.

[4]Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: [...] II - art. 190 e parágrafo único (negociação processual).”.

 

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